terça-feira, 17 de maio de 2016

Em terra de sapo, de cócoras com ele

A rigor, nada na administração pública deveria ser objeto de segredo. Entretanto, na modernidade selvagem em que nos encontramos, existe uma justificativa razoável para que determinados episódios, que envolvem realmente a segurança do país, sejam mantidos ocultos por tempo determinados. Evidentemente, interesses pessoais ou partidários, acabaram por banalizar este instituto legal e muitos segredos “legais” servem para acobertar crimes cometidos até contra o povo e a cidadania.
Não por revanchismo, mas por prudência, o governo do Temer deveria efetuar auditorias em todos os setores da administração sob o controle do executivo e divulgar com maciçamente os seus resultados.
Tal receituário se mostra urgentemente necessário em função de uma realidade que aponta inúmeros indícios e provas de que os governos anteriores bracejaram com audácia e desenvoltura num mar de corrupção e que, como reação defensiva (?), instigam o ódio levado à inconsequência de levar o país a uma ruptura institucional.
Constata-se que os órgãos de governo estão literalmente aparelhados, fato que pressupõe riscos às ações administrativas do executivo, bem como a ocultação de malfeitos de variados calibres.
Como corolário, salutar seria o rompimento do pacto de impunidade em que ações do governo anterior não são investigadas nem denunciadas, o que se reveste em crime prevaricação na condução da coisa pública.

Cultivamos no seio da sociedade uma monstruosa e generalizada sensação de desconfiança que vem corroendo a credibilidade das instituições e tal providência deveria ser elevada a marco inicial de todo governo, uma tradição necessária e benigna, o que decerto contribuiria para maior transparência e tranquilidade da nação.

Os arrivistas do pixuleco

A história se repete não propriamente como uma farsa, mas travestida de comédia pastelão. A fusão dos ministérios da Cultura e da Educação teve o condão de acirrar uma discussão que seria absolutamente estéril, não fosse o inestimável desmascaramento da classe “artística” que, através de declarações envolvidas numa pretensa postura de esquerda, nada mais representam do que a confissão de que nada entendem de cultura, mas que estão afiados e perseverantes em espoliar o povo através de “apoios” culturais só justificáveis numa oligarquia.
Por trás dos protestos contra a fusão ministerial, pode-se detectar claramente uma intenção de tratar da questão político-partidária do que de política cultural, não fossem os discordantes (em sua maioria esmagadora) contemplados por verbas públicas sob a justificativa escrota de contribuírem com a cultura pátria.
Assim como procedeu nos demais compartimentos sociais e no próprio Estado, no sentido de aparelhamento, os governos petistas, através de concessões individuais de verbas públicas para “artistas”, conseguiram, em grande medida, transformá-los em verdadeiros e patéticos pelegos “culturais”.
Salta aos olhos o despreparo e ignorância destes “artistas”, na medida em que, no bojo das suas manifestações, traduzem cultura como se esta fosse “arte”. Tal postura desvela um despreparo total e os desqualificam como pretensos defensores – Quixotes mal ajambrados -, baluartes da cultura.
Grosso modo (com raras exceções) estes paladinos de uma causa ensandecida, se consideram expoentes da classe artística, mas nem chegam a ser, pois representam apenas os substratos degradados de uma indústria cultural que os tornou famosos, endinheirados e portadores de privilégios que lhes garantem livre acesso aos pixulecos variados e superfaturados. Mesmo que fossem artistas na acepção da palavra, não seriam de fundamental importância para a administração da cultura de um país.
A verdadeira expressão artística independe de mídia, de fama e de condições nababescas de vida material, pois a arte é fruto do talento extraordinário e este não se situa nos mundanismos fúteis das vaidades pronunciadas. Estes manifestos/protestos não são em favor da cultura, mas literalmente em defesa de uma sinecura, na manutenção de um modus operandi que garante inúmeros privilégios a olimpianos vazios, famosos e ricos, mas destituídos de arte e de compaixão para com os despossuídos deste país, despossuídos estes que, por ironia, os idolatram, os incensam e por eles são enganados. São frutos midiáticos e não da arte.
Inúmeros projetos aprovados pela Lei Rouanet (para “artistas” famosos que dela não necessitam, pois que superavitários em suas bilheterias ou vendagens), além de injustificáveis são flagrantemente superfaturados em valores que não resistem a uma auditoria executada por crianças do jardim de infância.

Tudo isso se dá à sombra de consciências entorpecidas pela alienação produzida em suas consciências e que os levaram a um ponto-limite de esquecerem que estes pixulecos legalmente instituídos, são em verdade a expropriação de uma riqueza produzida pelo povo trabalhador que sobrevive em condições subumanas e para os quais um showzinho rebolativo, um livrinho tatibitati, uma teatralizaçãozinha feita nas coxas, nada mais são que perfumarias incultas transformadas em urros de autoritarismo e vivas à hipocrisia.

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Forma e conteúdo

Afora as perversas, as ideologias preconizam fórmulas para as sociedades evoluírem no sentido de lograr melhor qualidade de vida e harmonia entre os homens. Seja o capitalismo, capitaneado pela ideia de que o mercado regula as relações materiais e apazigua as sociais, seja o comunismo no qual o estado seria o condutor e controlador de todo o processo que, por consequência, desaguaria numa igualdade entre os seres.
O traço comum entre as ideologias (políticas, religiosas e filosóficas) é a busca de uma fórmula para a construção de mundo melhor. A contradição mais flagrante se desnuda quando verificamos que a busca por um mundo melhor se transmuta numa luta pelo triunfo e imposição de um método determinado, seja capitalista, fascista, socialista ou comunista. O efeito de convencimento de tais formas de pensamento cria raízes profundas numa fé teleológica, mesmo irracional. É como se a felicidade humana só tivesse algum valor se alcançada através das trilhas de determinado pensamento consolidado e embrulhado sob um especial e cabalístico título pomposo.
Minha convicção é a de que as sociedades, acima das ideologias, necessitam viver com dignidade, criar um mundo menos áspero para os despossuídos materialmente e propiciar meios de redimir intelectualmente os bestializados através de uma inclusão mais fraterna. Nesta equação é indiferente sob qual regime se vive, desde que se avance na conquista desse desiderato.
Entretanto, observando a conjuntura de crise que o país atravessa, o que mais ressalta são as relações de poder, realçadas pela intolerância de uma corrente ideológica agrupada em torno de um partido que, contraditoriamente, não se perfila consoante os seus postulados. Mais uma vez aprofundamos a escolha equivocada optando a forma e descartando o conteúdo. Formalmente o PT se apresenta como um partido de esquerda, mas na prática consumiu treze anos de poder desenvolvendo políticas neoliberais embebidas em erráticas ações de cunho assistencialista que fariam qualquer comunista corar de vergonha. Ao final, e que pese o agudo descontrole da gestão pública, as esquerdas resistiram a uma mudança que se mostrava razoável, urgente e inescapável face ao esgotamento do modelo posto em prática. Restava patente que, com mais dois anos de administração de Dilma Roussef, o país se aprofundaria num atoleiro que, num mar de desesperanças, o conduziria à anomia. Mas um viés fundamentalista aflora e prefere o caos comandado pelo ideário da predileção ao equilíbrio que uma mudança possa proporcionar, ou seja, as únicas melhorias bem-vindas são as proporcionadas pelo meu método de predileção, as melhorias intentadas pelos “inimigos” serão alvo do meu boicote e inviabilização.

Provavelmente, se o vice-presidente a assumir fosse do PT e tivesse o carimbo inconteste (mesmo que formal) de ser de esquerda, as reações seriam outras. Fosse Lula a substituir a Dilma, o impeachment deixaria de ser golpe e, muito provavelmente, seria abençoado por todos estes que hoje vociferam contra as instituições e a Constituição, que foi batizada de cidadã, mas que também se limitou à forma, pois não foi preenchida de conteúdos que a tornasse, na prática, num instrumento de justiça social.

sábado, 14 de maio de 2016

De arte e de rinocerontes

Faz muito tempo que elaborei o artigo abaixo e anos depois publiquei no meu livro de memórias “A memória do tempo em nós” (2009). Entretanto, avalio que texto foi reatualizado pela ironia que se faz presente, através da irreformável aspiração burguesa, eternamente inarredável em personagens que se acreditam artistas, eruditos ou populares. A propósito dos protestos desses “artistas” sobre a recriação do Ministério da Educação e Cultura (governo Temer), que eles consideram como sendo o fim do Ministério da Cultura o funeral da própria cultura no país, exponho um artigo sobre o mesmo fato que ocorreu no governo Collor. Apesar de ser um texto datado, as circunstâncias permanecem as mesmas e os problemas culturais foram aprofundados pelo reforço de políticas ancoradas em filhotismo e dirigismo, bem ao gosto da esquerda burguesa. Como sempre, confirmando o axioma do velho Marx, a história se repete como farsa, numa comédia de pastelão grávida de hipocrisia e entrecortada pelo rancor oriundo da perda de privilégios. Neste antigo texto, o debate foi travado com Augusto Boal, mas hoje fica difícil encontrar um verdadeiro artista para fazer o mesmo.

De arte e de rinocerontes

Já que estamos em casa de enforcado, falemos de corda. Obviamente, a informação é controlada e não é novidade o que nos ensina Bagdikian, de que “o dono do jornal tem o poder de demitir, admitir, promover, e pode controlar o conteúdo do seu jornal por meios que vão desde a intervenção direta até as pressões sutis”, mas este controle não se restringe apenas ao “dono do jornal”. Existem os intermediários (tradutores, chefes, repórteres, etc.) portadores de “micropoderes”, além de todo um inextricável emaranhado de combinações e interesses a serem administrados.
Nunca me ocorrera escrever para jornais ou revistas na desconfortável condição de “intruso”. As vezes que escrevi alguma coisa foi a convite e na qualidade modesta de colaborador. A exceção ocorreu por um motivo que, à época, considerei justo e que consistia numa réplica a um artigo do teatrólogo Augusto Boal, e tinha a finalidade de ampliar o debate.
Apesar de panfletário, provocativo e dos pesares, eis a prova do meu crime.
Diz o ditado que reconhecer o erro já é meio caminho andado. Parar o que está errado evita trabalho e desperdício.
Por longos e penosos anos assistimos indignados e impotentes à implantação de um modelo perverso de desenvolvimento em que, as injustiças socioeconômicas de mãos dadas com a ausência de ética e justiça, amesquinharam e depauperaram moral e materialmente a nação. A política cultural nesses anos não se constituiu em exceção (e por que seria?) e foi norteada pela mesma lógica. Estava inserida no modelo. Era mais um elo do modelo. Toda a estrutura insana que foi montada, e que nossa brava intelectualidade de esquerda combateu e combate, estava e está presente na área artístico-cultural. Assim como o BNH financiou moradias de luxo ou mesmo mansões em detrimento de casas populares, muitas instituições oficiais financiaram, com o dinheiro público, determinados “projetos culturais” em detrimento da dieta cultural da população. Mansões que o povo jamais habitou, “projetos culturais” que o povo sequer tomou conhecimento. Mansões para a elite, “projetos culturais” para a mesma elite. Extinto o BNH, o clamor que se ouviu foi o da garantia de empregos e manutenção de privilégios das grandes construtoras e imobiliárias, ao invés da discussão de um novo projeto que viabilizasse habitação e saneamento básico para as famílias de baixa renda. Mas a extinção do BNH, mesmo que por motivos outros, impediu a continuidade de uma aberração legitimada. Por analogia, e sem entrar nos imperativos histérico-demagógicos do governo Collor, o efeito é o mesmo, ou seja, deixa de financiar (compulsoriamente) os “projetos culturais” aos quais ele não tem acesso ou voz. São as mansões culturais. A exemplo do incidente com o BNH, a “classe artística”, ao invés de debater projetos e propor programas para a área, passou a espernear, a protestar contra o estancamento das torneiras. Tetas fartas, grávidas e generosas. Verbas para quê? Para a perpetuação do modelo, para garantir privilégios. E qual é o modelo? Cruamente pode ser resumido da seguinte forma: o Estado dá um “cala a boca”, e, com isso, finge realizar uma política cultural, e os “produtores culturais” fingem exercitar a cultura. Eu finjo, tu finges, pactuamos, fundamos uma verdade e nos locupletamos.
Não conheço, até a presente data, nenhuma carta aberta à nação, indignada com a falta de apoio ao cordel, ao pastoril, ao circo, ao teatro de rua que alguma comunidade queira desenvolver no interior do Acre. Para a classe artística, arte e cultura são o que ela mesma determina enquanto arte e cultura.
De tão preocupada com o próprio umbigo, o que a “classe” ainda não entendeu é que precisamos de uma política cultural para a nação e não para a “classe”. Uma política cultural que preserve a liberdade das manifestações que, em última instância, são a identidade e a alma do povo. Que tal mais educação? Mais livros, mais bibliotecas, teatros em regiões carentes? E a TV Educativa?
O desafio imediato é romper este ciclo vicioso no qual nos atolamos nestes longos anos de chumbo e não nos apercebemos ou não conseguimos evitar. Foi um processo lento e sub-reptício a que fomos submetidos o qual denomino de mitificação por conveniência. Acredito que, em sua maioria, os componentes da esquerda, militantes partidários ou não, buscam transformar a sociedade, sonham melhorá-la, torná-la mais justa e fraterna. A utopia que nos incendeia está assentada (além da teoria) em pressupostos éticos tais como: verdade, justiça, igualdade, etc. O que ocorreu e não nos apercebemos de imediato, foi que, no afã, na miragem da consecução desses ideais, contraditoriamente, acabamos negando um a um estes sentimentos generosos. Os negamos não por perversidade, mas por estarmos inseridos num processo de luta que nos fez abortar o livre exercício da crítica, mesmo no esboço. Criticar um companheiro, principalmente de projeção pública, seria “fazer o jogo da direita”. Incensamos nossos mitos, calamos/compactuamos, varremos para debaixo do tapete as suas (nossas) falhas, pois que humanas. Cevamos personalidades inúteis, pois que vazias. E a verdade? E a honestidade de princípios? E a ética? E a justiça? Foram sacrificadas em função dos fins que eram verdadeiros, honestos, éticos e justos. Estes os ingredientes do dogma, estes os nossos grilhões, os nossos pecados. Em vista do resto, erramos pouco, mas erramos. Ao reconhecermos o erro, temos que exorcizar esses fantasmas espetaculares.
Este pacto contraditório que nos levou a calar, no atacado e no varejo, com Stálin e miudezas, pode ser ilustrado com o exemplo patético de Glauber genializando a raça com Golbery. Patrulhamento ideológico à parte, pode-se, sem esforço, arguir dezenas de motivos que descaracterizam Golbery enquanto gênio. O que fica de importante é exatamente o nosso silêncio sepulcral ante a irrelevância deste e de outros fatos. Glauber mitificado, acima da crítica, do certo e do errado. Semideus, guru do desbunde baiano. Silenciar a consciência é dilacerar o afeto, é apequenar a vida, a própria luta pela vida.
O discurso de Boal enfocando a política cultural (sic) do atual governo, apesar da aparente coerência, se esgota na aparência. Tem todos os ingredientes que serviram para sedimentar uma forma de ser e (re)produzir uma realidade dissociada do povo deste país. Após tantos anos de conivências e conveniências, é dada a hora de rompermos definitivamente este pacto de hipocrisias, permissivo e corrosivo, pois que atende supostos interesses gerais, mas que, no fundo, atende particularidades pessoais, uma vez que deu as costas para a sociedade. Este pacto entre anormais estendeu-se por todos os segmentos sociais e, na área artístico-cultural, possibilitou a existência da figura sinistra do artista sem arte. Para ser artista sem arte, o requisito imprescindível é uma redefinição, sob medida, da arte. Para sermos uma coisa falsa, temos que degradar a coisa.
Há uma estranheza sintomática e muito particular com determinado tipo de artista no Brasil, que é exatamente o fato de ser um tipo. São muito parecidos, como se fabricados em linha de montagem. Comungam gestos, gírias, dialetos, aspirações, consumo, temática, lugares da moda... Muito sofisticados, muito iguais, inclusive na... “arte”. Como se um país com estas dimensões, diferenças regionais e abismos sociais, estivesse sedimentada uma cultura única e representativa: a que é produzida, pasteurizada e industrializada pelas elites culturais do eixo Rio-São Paulo, numa unanimidade estranha e sintomática. Tipologia besta.
Num determinado momento, sob o signo da hipocrisia, os nossos caros “artistas” desfilam seus simulacros ante uma confraria de idiotizados para, sob a escusa de fazer arte, adquirir prestígio e, no momento seguinte, subservir ao poder e adquirir dinheiro. Muito dinheiro. Acima de qualquer suspeita, são suspeitos. Falam em arte, falam em cultura, escrevem cartas abertas à nação e têm tribunas cativas. Suas práticas não demonstram que sabem o que é arte, cultura ou nação.
Ante o escombro moral de um quadro grotesco no qual o Estado se consubstancia em verdadeiro Robin Hood às avessas, aprofundando o axioma de “privatização dos lucros e socialização das perdas”, qualquer mudança que acene com a redefinição entre público e privado requer projetos e não protestos de quem perdeu “a boquinha”.
Acompanhando a atual “demarche” entre governo e intelectualidade, observamos que a superficialidade que impera não esgota a pauta a ser estabelecida, e que devemos aproveitar a oportunidade para aprofundar o debate.
Não devemos confiar em demasia na estreiteza do conceito de arte ora em vigor, assim como devemos desconfiar da extrema vulgaridade com a qual é feita a transposição de cultura para arte. Apesar de acadêmica, esta questão é de muita utilidade prática.
O exercício de romper o ciclo decadente é observar criticamente os semideuses banidos do Olimpo. Reduzidos à condição de simples mortais, conseguem mediocridades insuspeitas. Salta aos olhos a fragilidade e incoerência das argumentações do mestre Boal, que, de resto, são o mote paradigmático de uma classe artística aburguesada e esclerosada, embora proprietária (de forma monopolista) do pensamento de esquerda. Chegamos ao ponto limite da permissividade ao consentirmos que alguns se apropriem privadamente das nossas abstrações. Pois é: o feijão é expropriado pela direita e o sonho pela esquerda... Mas que diabo de esquerda é essa? A nossa que, abaixo e acima do Equador, em sua maioria, em suas práticas, demonstra um apetite voraz e ímpar por aspirações burguesas. Privadamente proprietária (no sentido marxista e pejorativo) das verdades, não necessita de debate, requer adoração.
Estamos, nesses tempos, assistindo ao funeral disso tudo. O que os apressados coveiros não sabem é que talvez não estejam enterrando o cadáver do comunismo mas, sim, a falência da generosidade, da abnegação e do desprendimento humano. Talvez estejam enterrando, na cova rasa da indigência, pedaços de humanidade. Talvez, no interior do ataúde, não estejam os restos mortais de Marx, Engels, Gramsci ou Guevara, mas sim a vaidade, o egoísmo e a prepotência.
Incoerência? Falta de rigor? Para entender política cultural, é imprescindível a diferenciação entre arte, cultura e indústria cultural.
Segundo Boal, o perigo mortal para o artista é a arte tornar-se mercadoria e como tal, ser manipulada pela propaganda, via mercado. Ora, sob o signo do capitalismo, o trabalho é uma mercadoria que, submetida aos imperativos do mercado, sofre a degradação. Nem por isso, escutamos os ecos do passado de intelectuais solicitando subvenções governamentais para outras profissões. O produtor cultural é que se submete aos desígnios mercadológicos e passa a produzir mercadorias, a exemplo de qualquer produtor. O artista é aquele que não se submete.
Em verdade, o que anda deixando perplexa a “classe artística” tupiniquim, não é uma possível política governamental para a área cultural, mas sim um processo que vem de longa data corroendo as suas entranhas e que ela não ousa encarar uma vez que foi cúmplice, deixou-se seduzir, relaxou e gozou, apesar da curra não ser inevitável. Não é o discurso “collorido” do atual governo, ou o que ele possa vir a fazer ou não em matéria cultural que entregará todo o poder aos rinocerontes, como afirma o Boal. Este processo já foi efetuado sistemática e conscientemente pelos nossos bravos “artistas” que agora se deparam com o preço cobrado: o aviltamento. Submetidos, passaram a ser simples mortais, perderam a magia e a possibilidade da utopia. Venderam o trabalho enquanto mercadoria, submeteram-se ao assalariamento e ficam a estertorar requerimentos de diferenciações. Este mesmo processo submeteu algumas profissões (médico, professor, etc.) e nem por isso a distinção encontrou justificativas. A arte é essencialmente subversiva e incontrolável. Ela sobrevive com, sem e apesar das benesses do Estado, pois estas, o mais das vezes, servem para abastardá-la.
Quem tem um mínimo de dignidade pode prescindir de exercícios oratórios em defesa de subvenções estatais. Quem carrega em si um mínimo de humanidade prescinde de lançar mão de um dinheiro que pertence a um povo espoliado, despossuído, faminto, sem cidadania ou redenção. Em relação ao todo da população, a classe artística está situada de forma privilegiada e pode abrir mão de cartórios e contribuir generosamente, crescendo junto ao e com o povo. Os que discordam devem se dirigir à submissão a mercado e suas leis leoninas. O que é inconciliável é o discurso armado sobre uma verdadeira chantagem espoliativa: ou o povo me subvenciona ou me prostituo com o primeiro mercador que piscar os olhos. A questão é ética (artística) e não econômica ou, no seu reverso, é econômica e não ética. O resto é discurso maniqueísta.
O que esta arte aviltada, sob os auspícios de verbas federais, tem feito pelo povo? O que os “artistas” têm feito pelo povo? Quem se perfilou no cordão dos agraciados, dos querubins, dos ungidos? Qual o critério que um burocrata usa para promover a distribuição de subvenções.
Espanta a desenvoltura com que a turma do capital e do poder fala e manipula o dinheiro do Estado. Espanta duplamente quando intelectuais o fazem. O dinheiro do Estado, sabemos todos, é nada mais que o dinheiro de todos e, nesse caso, deveria existir todo um rigor em sua utilização. Um rigor ético, religioso até.
Em que projetos culturais foram parar as verbas nestes anos todos? Em que isso contribuiu para o povo em geral? Como esses benefícios atingiram o povo?
O modelo não se prestava a isso. Previa apenas um efeito demonstração, bem a gosto das elites vampirescas. O mundo subdesenvolvido tem ópera? Tem ballet? Tem corpo de baile? Tem artistas internacionais? Tem luxo e requinte? Tem frescuras que só ele entende? Tem supérfluos que só ele tem cacife? Pois bem, nós também temos e mais uma vez a nossa honra pátria está salva. Yes, nós have banana. Pobre gosta de luxo e a irresponsabilidade não paga pedágios nem dá cadeia.
A cultura produzida com o dinheiro do povo serviu ao povo ou a uma minoria privilegiada? Essa cultura encerra todos os predicados da decadência e da desmoralização.
Precisamos encerrar de vez a hipocrisia do “me engana que eu gosto” e da aceitação de uma visão de “artistas” e “produtores culturais” pensados e relatados como coisas ideais. São reais e participantes do processo histórico e têm responsabilidades ante as mazelas produzidas e expostas. Criticar circunstancialmente a ganância ibopeana, a pornografia televisiva ou a corrupção do mercado, sem observar com honestidade as suas causas históricas, é fingir que antes estávamos no melhor dos mundos, que antes nada disso existia.
Sabemos, como afirma o Boal, que “aceitando-se o mercado, aceitam-se suas leis. E são as leis do mercado – as leis da oferta e da procura - são as leis dos mercadores, assim como a lei da selva é a lei do leão”, mas sabemos também que os possíveis candidatos à subvenção federal (estadual ou municipal) são exatamente os que aceitaram as leis do mercado e que deixaram de fazer verdadeiramente arte. Estão a defender não a arte, mas, sim, um estilo de vida, seus apartamentos ou mansões, seus carros novos, sua classe social. Farinha pouca, meu pirão primeiro.
Se a “função do Estado, no campo da arte e da cultura, é precisamente o de se contrapor às leis dos mercadores e favorecer o florescimento de todas as formas culturais, independentemente da sua cotação na Bolsa” como afirma (com muito senso de oportunidade) o Sr. Boal, o que este atual governo está fazendo é evitar um desperdício, pois o que existia, até então, não cumpria estas premissas. Sabemos, nestes anos, qual foi o tipo de cultura que o Estado apoiou e fez florescer. Seria melhor que permanecesse omisso. O que sempre existiu foi um balcão onde determinados “artistas” e “produtores culturais” se serviram à tripa forra. Onde e quando, no Brasil, desde Cabral e suas caravelas, Caminha, Henrique Soares e degredados, o Estado favoreceu o florescimento de formas culturais realmente populares?
Coincidentemente, os dois casos exemplares citados por Boal, Mestre Vitalino e Van Gogh, representam o paradigma do artista que, nunca subsidiados, fizeram arte com inteireza. A gritaria da classe artística não passa pelo apoio a artistas ou concepções artísticas de Mestre Vitalino. O dinheiro pode fazer a existência de determinada pessoa mais fácil materialmente, mas isso não tem influência na arte, no ato genuíno de criação. O mais das vezes, quando interfere é de forma nociva, degradante. Por que tornar fácil a vida do artista em particular? Por que não facilitar (dignificar) a vida de João, pedreiro e esfomeado? Ou a de José, desempregado e abandonado em seus sonhos? Ou a de Maria, mãe solteira, penca de filhos e operária? Ou a de Antônio, 11 anos a se prostituir na Central ou no coração do mundo, em troca de pão ou de droga? Por que tornar mais fácil a vida material do artista em particular? Qual a justificativa? Pois é: semideuses...
É certo que vivemos um governo de simulacros e que o país está sendo “collorido” por desmandos reconhecidamente histéricos. Essa (falta de) política cultural, a exemplo de tantas outras, não atende aos interesses da nação. Mas não estamos discutindo essas ideias, pois a “classe artística” não está colocando as questões com sinceridade e mesmo honestidade.
O nó reside no fato de que essa “classe artística” quer servir a dois senhores e roer a banda sã dos dois lados. A banda podre fica para a sociedade, como no pacto de anormais.

Milton canta que “todo artista tem que ir aonde o povo está”, mas o que mais temos assistido nesta realidade é o previsto e preconizado pelo Belchior onde o exército de ídolos “está em casa guardado por Deus contando o vil metal”, pois banalizou-se mercantilmente “artista” ir aonde a grana está. Nessa toada, irmão, perdemos não só o pudor, mas o bonde da história.

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Lula: um cadáver anunciado

Desde a explosão da Lava Jato que o Lula é alvo mais que preferencial das investigações, não por mera questão de seletividade, mas porque salta aos olhos que os indícios o apontam como chefe da maior e mais diferenciada quadrilha que se tem notícia no mundo moderno. No decorrer do tempo, indícios robustos e provas materiais confirmam o que a lógica indica: não seria possível o funcionamento de uma quadrilha dentro do governo, com tal poder de intervenção deletéria, sem a anuência e mesmo participação direta do presidente da República. Claro e evidente que tal raciocínio pode ser estendido à sua sucessora na presidência, Dilma Roussef.
O moderno conceito de democracia ambiciona a busca da igualdade entre os homens e a cidadania se resguarda através de leis que norteiam este desiderato generoso. De formas mais ou menos parecidas, as nações que se pretendem democráticas entendem o disposto nos dispositivos legais como incontestáveis e, portanto, não passíveis de subversão, sob pena de antidemocracia.
Posto que as decisões legais estabelecem uma ordem irrecorrível, se faz necessário que tais decisões sejam portadores de inúmeros dispositivos de prudência, que garantam o mais abrangente direito de defesa. Tal entendimento necessário tem como calcanhar de Aquiles, exatamente a sua contraparte, qual seja, o infrator das leis é o mesmo que delas se vale na tentativa de encobrir, manipular ou safar-se das penas a que se sujeitou por força do próprio delinquir. O mesmo ocorre na política, quando um partido político usa a democracia para alcançar o poder, dele abusa e, uma vez questionado perante as leis, passa a usar a mesma democracia que conspurcou. Isto estabelece uma flagrante relação assimétrica no uso e no abuso das regras democráticas onde as vítimas são submetidas ao logre e mesmo ao escárnio de manipulações grosseiras, apesar de constantes no receituário democrático. Grosso modo é como combater ditaduras com as regras tolerantes e prudentes da democracia. Claro e evidente que tal equação sempre dará “vantagens”, mesmo privilégios, aos infratores das regras estabelecidas para todos.
Talvez isso explique a atual realidade que se desenvolve diante dos nossos olhos e que deixa na sociedade um travo de inconformismo e mesmo ininteligibilidade. Como explicar ao cidadão (que se vale do senso comum) tantas incongruências que o levam a descrer das instituições e das leis que o submetem tão rigidamente? Do ponto de vista do cidadão, como podem Lula, Dilma e tantos expoentes do partido no poder ainda estar gozando de privilégios, comandando o Estado e manipulando o poder em benefício próprio ao invés de encarcerados?
A verdade que salta aos olhos é que o Partido dos Trabalhadores, após chegar ao poder, traçou planos que trafegaram pela antidemocracia ou, numa afirmativa mais direta, pelo crime comum. Os indícios e provas já em poder da justiça, não deixam dúvidas de que cedo ou tarde muitos destes sujeitos políticos, ainda com importantes cargos nas decisões nacionais, serão condenados e cumprirão sentenças pesadas nas penitenciárias.
O cenário que se descortina é que os expoentes do PT fizeram uma aposta na impunidade e urdiram e executaram um plano de extrema ousadia que se consubstanciou no total aparelhamento do Estado, não apenas para a sua manutenção, mas que se estendeu ao saque continuado e indiscriminado da coisa pública. Já no chamado julgamento do mensalão, apesar da brandura das penas aplicadas, após marchas e contramarchas formais, pelo STF, ficou consignado que altos membros do partido ora no poder se enquadrilharam nas fímbrias do governo e, fato inusitado, pela primeira vez na nossa história o povo passou a conhecer os nomes dos tesoureiros de agremiações partidárias. Claro ficava que se tratava de uma forma de corrupção diferenciada daquela já nossa conhecida íntima, de extensa convivência ao longo da nossa história da infâmia política. Em verdade, o mensalão tinha indícios e provas da participação do presidente Lula, mas tais foram convenientemente relegadas, com o beneplácito de ministros do STF devidamente comprometidos com o arranjo político espúrio que contaminou horizontal e verticalmente os processos de escolhas em detrimento da sociedade. Neste mesmo processo que concedeu impunidade ao presidente Lula, foi de fundamental importância a postura de esperteza burra da oposição que, em transe de maquiavelismo estúrdio, avaliou que a melhor estratégia seria deixar o adversário político esvair sua credibilidade moribunda até a chegada das eleições e lá vencê-lo com pompa e circunstâncias. As circunstâncias não contribuíram e a pompa se apresentou num Lula travestido de emérito negociador e dono de cabedal eleitoral imbatível. Tal mito se robusteceu quando, ao final do seu segundo mandato, conseguiu eleger o maior poste político que se tem notícia em eleições formalmente democráticas em todo o mundo.
É nesta quadra que surgem as perguntas que insistem em se fazer imprescindíveis, mas que não são verbalizadas: por que Lula escolheu a mais despreparada e medíocre figura entre as tantas opções do seu partido? Por que a escolha recaiu sobre uma candidatura que era e manos viável naquela circunstância? Por que o Lula fez a pior escolha, colocando em risco (calculado) a eleição? Evidentemente que não podemos encontrar respostas a estas indagações na estratégia puramente eleitoral, o que nos obriga a lançar as vistas para outras possibilidades, sendo que a mais plausível seja a participação efetiva e indiscutível da Dilma na quadrilha de Estado. Desta forma a escolha ganha um sentido lógico, pois, uma vez eleita, a presidente garantiria a continuidade e mesmo ampliação do projeto criminoso.
O enriquecimento dos filhos do Lula e da filha da Dilma, e mesmo a evolução patrimonial de ambos (como de vários morubixabas do PT), são indícios e provas, mas o que mais incita a consolidação de uma convicção é o fato de que ambos estão cercados de suspeitos, investigados, condenados e encarcerados. A nomenklatura petista mais parece um desfile de prontuários policiais, que ostentam fichas criminais quilométricas nas quais o corolário é a corrupção e o roubo da coisa pública. Desconfia-se que a quadrilha petista amealhou fortuna exponencialmente maior do que as verbas que foram usadas nas suas ações de cunho social, capitaneadas pelo programa bolsa-família, de agressivo recorte assistencialista.
É deveras inconcebível para o senso comum, após tanto descalabro, aceitar diariamente o desfilar desenvolto da arrogância destes personagens, cinicamente despejando verborragia barata, quando deveriam estar se escondendo da polícia. Afinal, é a postura lógica que todo marginal mantém quando se sabe descoberto e sem chances num julgamento no qual as provas são mais esmagadoras do que todo o peso maléfico que um bando de sociopatas pode impor a um povo indefeso.
Causa estupor a facilidade com que as versões cínicas e frouxas dos petistas conseguem transformar crimes comuns em atos pretensamente políticos e neste atalho nos deparamos com o uso da democracia para golpear as práticas democráticas. Nos deparamos com cenas em que hordas petistas queimam bandeiras nacionais, caracterizando uma ideologia autoritária (de fulcro fascista), com uma mensagem literal de sedição, onde os brasileiros em sua totalidade são petistas e os que não forem são os outros, os inimigos. Instalam o nós contra eles de forma antidemocrática, mas recorrem oportunisticamente a todas as garantias legais que o sistema legal oferece. Pelo avesso, o ideário petista revigora ao ame-o ou deixe-o do regime militar que tanto diziam combater.

Muito em breve veremos o escancarar dos incontáveis crimes do Lula, o seu julgamento e sua condenação. O que ainda não sabemos é como se dará a transformação da realidade; como crimes comuns serão travestidos de políticas para os pobres, mesmo que o dinheiro esteja em contas no exterior e em nome individual cujo titular ostenta o sobrenome mais humilde, o Silva, que é de todos os brasileiros.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

O aparelhamento dos movimentos sociais e dos sindicatos

Afinal, o que é um Movimento Social? É a reunião de cidadãos em torno de determinada demanda coletiva Desta forma toda ação de um movimento social se dá em torno de determinados objetivos que lhe são próprios e os quais defendem. É lícito afirmar que um movimento que luta em prol da Reforma Agrária é genuinamente social, na medida em que tal demanda no Brasil é histórica. Entretanto este mesmo movimento se atrelar a um partido e ao governo deste partido o descaracteriza enquanto Movimento Social, pois que ao partidarizar seus objetivos, deixa de ser uma luta social, com caráter universal e passa a ser “parte” (de partido) da sociedade.
No caso do MST (entre outros), fica patente ser um movimento que atende aos interesses do Partido dos Trabalhadores e não dos militantes em busca de terras. Em seus quadros (principalmente de liderança) estão encasteladas pessoas que não necessitam de terras, muitas das quais, em todas as suas existências, só tiveram o privilégio de pisar no asfalto e em tapetes palacianos. São lideranças profissionais totalmente submetidas ao governo e ao seu partido em troca de verbas federais liberadas por este mesmo governo.
Pela lógica estruturada pelo MST, todos os seus integrantes são necessariamente petistas e apenas o Partido dos Trabalhadores será capaz de efetuar uma Reforma Agrária no país. Evidentemente que esta postura é gritantemente antidemocrática e falaciosa, pois, no estado democrático é lícito que todos os partidos legalmente constituídos almejem o poder através das urnas. Cabe aos movimentos sociais demandar suas necessidades aos governantes que, necessariamente não pertencem ao partido de sua predileção.
A forma como o MST se enquadra na presente realidade, representa uma excrescência e mesmo um desafio às leis constituídas e, de forma velada, tem auferido do governo a garantia impunidade nas suas atuações ilegais. Por seu lado, o governo se desvia de suas obrigações gerais para com a sociedade permitindo a instabilidade nas relações no campo que redundam em violências de parte a parte, ao arrepio das leis vigentes.
O mesmo pode-se afirmar em relação à CUT, que se declara abertamente petista. Num cenário de desemprego galopante, não se registrou nenhum protesto contra o governo, mas sim, ameaças de greve e lutas mais acirradas se acaso a presidente for afastada, mesmo que consoante a Constituição do país.
Tais flagrantes e confessados aparelhamentos destes movimentos e sindicatos representam a antidemocracia de coletivos sociais que subservem o governo como se este não fosse transitório. Assim como as instituições do patronato jamais se confessaram psdebistas, sindicatos e movimentos sociais não poderiam virar subsidiários de um partido, pois a luta por direitos determinados deve se dar dentro do campo democrático, esteja este ou aquele partido no poder.

Desta forma, ao financiar com o dinheiro público instituições declaradamente partidárias, o governo pratica uma burla à democracia, qual seja, usar as verbas públicas (de todos) em seu proveito único, como se partindo do princípio absurdo de que toda a sociedade é petista e que no PT votará até a consumação dos tempos. Mais autoritário que isso, apenas cuspir na cara de quem discorda.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Ideologia e oportunismo

Há uma necessidade urgente de fazermos uma análise dos ditos tempos de chumbo e uma releitura daquela geração insurgente (da qual fiz parte) com a finalidade de se levantar alguns véus sob os quais se aninham mentiras históricas que se consolidam a cada dia, como verdadeiros abusos da história.
Era um tempo em que as mudanças estruturais eram possíveis, pois a hegemonia mundial não estava definida como observamos na atualidade. Duas grandes correntes ideológicas se contrapunham, se digladiavam seja de forma cruenta seja predominantemente nos incruentos embates de visões diferenciadas e antagônicas de mundo.
O que movia as esquerdas, principalmente os jovens incendiários era um sonho de justiça, um insaciável desejo de mitigar as dores dos mais desvalidos, através do protagonismo do trabalho e o rebaixamento (extinção) do capital, sua lógica desumana e predatória. Marx, decerto, foi um pensador poderoso, mas Jesus Cristo também o foi e nem por isso o mundo se converteu, na prática, aos seus ensinamentos.
Observamos que poucos líderes de esquerda espalhados pelo mundo levaram suas vidas pessoais coerentes com o ideal que professavam, pois fraquejaram diante do apelo às delícias matérias da vida burguesa. Um projeto de mundo que preconizava a busca de igualdade de vida material para todos estaria fadado ao fracasso, se os seus líderes comungassem uma vida cercada de confortos, futilidades e consumo conspícuo. Esta contradição foi o fardo pesado a corroer a consciência revolucionária e a seduzir corações e mentes de lideranças autoritárias e exigentes para com o coletivo, e indolentes e frouxas com elas mesmas.
Acredito que o PT, por circunstâncias históricas, foi o estuário final destas lideranças inorgânicas, cooptadas facilmente pela sedução de uma vida de fausto e consumo que fingiam combater, ou combatiam enquanto um discurso insincero, posto que era o único que herdaram em sentido utilitário. O corolário deste cenário profundamente vergonhoso é reconhecer que se apegaram aos seus currículos passados, já superados e anacrônicos, da pior forma possível, pois que os transformaram em propriedade privada, sendo que esta, em última instância, era o dragão da maldade que diziam combater.

No Brasil, foram poucos os homens que realmente se propuseram a mudar a vida do povo, que empreenderam suas lutas e se mantiveram, a nível pessoal, fiéis e coerentes com os seus ideais. Poucos foram os forjados no aço necessário que os movesse a pagar preço, a enfrentar os sacrifícios naturais e necessários, numa existência espartana, como exige toda liderança carismática que não é nem nunca poderá ser produzida por marqueteiros espertos e suas mágicas vazias. Hoje, estes guerreiros, involucrados em seus sonhos estiolados, repousam em seus túmulos (os vivos e os mortos) de frustrações, mas por verdadeiros, resguardam um recato necessário para a manutenção das suas dignidades e o conforto de terem combatido o bom combate. Nunca se fizeram credores, não mercadejaram seus passados, na busca de recompensas de ouro ou mirra. Em suas trajetórias hieráticas, não se traíram, não enganaram os oprimidos que sempre foram as chamas que os moveram de encontro aos horrores e aos inesperados que a vida preserva aos puros de sentimentos.

quarta-feira, 20 de abril de 2016

O PT, o poder e a sedução do abismo

Fico impressionado, matutando como o PT chegou a ser um partido dessa dimensão, acolhendo tantas nulidades cerebrais, quando não descerebrados. Apesar de ter conseguido aparelhar o Estado (usando a única estratégia que conhece: apelegando movimentos sociais, apadrinhando o funcionalismo público e remunerando a militância), é um partido de imensa fragilidade intelectual que demonstra não ter argúcia quando submetido a tensões políticas.
Decerto que escolher um poste/nulidade para colocar na presidência poderia parecer uma genialidade, mas que se transformou numa tragédia. Dilma surtou, viajando na própria irrealidade do mundo que concebe e pelas frestas do seu ensandecimento, a justiça, a sociedade e a comunidade política (nessa ordem) adentrou nas suas mazelas como boiada estourada desembesta trovejando no oco do mundo. Um projeto projetado para mil anos se esboroou num verão de poucos meses, mais em função dos seus erros do que pela força dos seus adversários.
Como é que um juiz de primeira instância consegue desnortear e reduzir a pó a credibilidade de um partido (que ganhou quatro eleições sucessivas), apenas cumprindo as leis vigentes no país? Decerto que a sua força não lhe pertence naturalmente, mas lhe foi concedida pela exorbitância de crimes cometidos por sucessivos governos em proveito do PT. A miragem de encantamento de uma impunidade sem limites e a ilusão do exercício de um poder sem freios se transformaram no pior pesadelo da cúpula do Partido dos Trabalhadores que tem num único personagem a tradução da sua voz e do seu rumo.
Hoje, o rumo que se descortina para as lideranças do PT é o da cadeia e o único fio de esperança, a manutenção de Dilma na presidência, se esgarça com a celeridade das urgências nervosas.
Quando se espera que tal cenário de terra arrasada imponha uma natural prudência nas suas hostes debilitadas e desmoralizadas, eis que o seu mandachuva estabelece um plano mirabolante e improvável de antecipar eleições e vencê-las e com isso calar a sociedade, submeter as instituições e amordaçar as consciências. Improvável antecipação, improvável eleição e impossível soerguimento político-moral para sequer administrar um condomínio de subúrbio que tem ao lado um puteiro decadente. Nesse surto de Alice persevera na toada de sobrepor erros e mais erros sem se dar conta de que estes aprofundam os problemas do país, punem o povo e acirram ódios incontroláveis. Tais ódios são cevados tanto entre os adversários quanto nas próprias fileiras, em função de tantas traições e abandonos. José Dirceu preferiu a cadeia à infâmia de confessar-se um crápula, mas não podemos esperar que a Dilma traída mantenha a mesma postura contida, mesmo porquê, apesar de cúmplice, não é natural e benquista no ninho petista.

O projeto mais imediato do PT se resume no desespero de evitar ou adiar a prisão de um único homem, o Lula. Tal fato nos dá a medida exata do tamanho de um partido que se imaginava tão sólido e poderoso. Tal ambição se equivale à de muitos delinquentes rastaqueras espalhados por todo o país: fugir da cadeia. Ocorre que tal negação da realidade dá rédeas soltas para uma produção massiva de despautérios que em seus deslimites flagrantes estão, por fim, afastando os aliados periféricos, aos quais não se poderá legalmente apontar conivência ou participação direta nos tantos desmandos para com a coisa pública. Alucinações como esta de a Dilma discursar na ONU sobre um inexistente golpe institucional contra o seu mandato, espanta todos aqueles que não utilizaram a beberagem do pó de ptpirlim. Com isso, naturalmente, mesmo autoridades carreiristas que lhe devem cargos de importância no Estado, descobrem que é dada a hora de abandonar o navio, pois a travessia se torna inviável posto que o capitão imagina-se imperador romano e a imediata enlouqueceu e, após trancafiar a tripulação mais ralé nos porões, anda pelo convés ateando fogo nas dependências de lazer destinadas aos passageiros mais aquinhoados.

quarta-feira, 6 de abril de 2016

O STF acovardado, corrompido ou desnorteado?

Apesar de ser um projeto de extrema perversidade e egoísmo, dá para tecer uma explicação lógica para a atuação temerária dos petistas, principalmente Lula e Dilma. É razoável acreditar que ambos buscam um confronto que possa resultar numa ruptura institucional, uma vez que esta é a única estratégia que vislumbram lhes permitir camuflar crimes comuns em punições políticas, vítimas de perseguições ideológicas.
De forma contrária não consigo dar um entendimento lógico à atuação extremamente afoita e deletéria para as instituições, ao procedimento do ministro Marco Aurélio, do STF. Não o vejo acossado ou desesperado, fugindo de algo avassalador que o conduza a produzir tamanha estupidez jurídica, uma vez que contradiz a lógica posta e cria um impasse entre o Legislativo e o Judiciário. Conceder uma liminar OBRIGANDO o presidente da Câmara a constituir uma Comissão para avaliar um pedido de impeachment do vice-presidente, Michel Temer. Assentado em robusta jurisprudência (reiteradamente decidido pelo STF e inscrito na Constituição) que afirma ser o presidente da Câmara o único com poder de decidir o encaminhamento (ou não) para constituição de Comissão de Impeachment, não poderia, sob pena de desídia, um ministro do Supremo se arrogar um poder que não lhe pertence com a agravante de ser este direito de outro poder que não o Judiciário. Desta forma, segundo a liminar insana, o ministro do STF, num golpe de caneta, usurpa o poder do presidente da Câmara, decide por ele. Pode-se, ainda, acrescentar ao desarrazoado de uma decisão que subverte a lei e a lógica formal. Em verdade, a liminar do ministro Marco Aurélio é calamitosa na medida em que gera total descontrole sobre o ritual de admissão do impeachment em toda a cadeia que o requer. Em resumo, TODAS as representações de impeachment devem ser admitidas fato este que se traduz numa obtusidade estúpida. A rigor, amanhã um pedido de impeachment contra o próprio ministro Marco Aurélio, não poderia ser arquivada pelo presidente do Senado, pois uma liminar impetrada, segundo esta jurisprudência, teria necessariamente que impor ao Senado a formação de uma Comissão para avaliar e julgar a continuidade ou não do processo.
Independente de todas estas considerações sobre legalidade e lógica, o que mais me estarrece é atinar sobre qual motivação moveu o ministro a cometer tão tresloucado gesto. Certamente ele não está, no momento, na defensiva, ainda não está com a polícia no seu encalço. Qual o interesse do ministro em contribuir substancialmente para um confronto que está sendo provocado, de forma escancara, pelos governantes (inclusive Lula, no poder “informalmente”)? Decerto a conclusão de que é movido por gratidão à Dilma, por ter ungido sua filha a uma desembargadoria que não merece (por falta de méritos), não nos parece satisfatória. Talvez o ministro, enquanto cidadão, acredite que a melhor solução para a atual conjuntura seja a convocação de eleições gerais, mas isto não é sua função enquanto ministro do STF. Como última opção, existe a possibilidade, de o ministro ter sido subornado pelo governo, fato que não espantaria mais ninguém, dadas as soberbas demonstrações de prevaricação explícitas e a existência de uma reedição do mensalão a céu aberto gozando da mais completa impunidade.
De toda sorte, no panorama atual, não mais há aquelas garantias, tradicionais e pétreas, que garantiam impunidade a atos desta natureza e acreditamos que mais dia menos dia, o ministro se verá na obrigação constrangedora de responder diante da Justiça pelos seus atos. A diferença é que nesta hora, ele estará sem a camuflagem da toga, sem a solidariedade dos honrados e fugindo da cadeia, literalmente.

Tudo isso pode acontecer se a medida da justiça passe a ser não a importância dos cargos ou o tamanho do poder, mas sim a profundidade dos crimes cometidos. Por isso tenho repetido que a força do Moro não vem do seu cargo, mas dos tantos crimes cometidos, ou seja, a fragilidade da Dilma e do Lula está na delinquência desabrida com que andam perpetrando cumulativamente e não na força de um juiz de primeira instância que apenas cumpre a sua função com diligência, competência, inteligência e muita sagacidade para lidar com tantos patifes de inesgotáveis poderes e influências indevidas.

sábado, 2 de abril de 2016

É golpe? Não! É mais um crime!

O bordão (é golpe!) sabidamente desprovido de qualquer fundamento, foi criado pelos petistas e disseminado país afora. Enquanto palavra de ordem, para usufruto nos embates políticos, é manipulada como argumento (embora desarrazoado) que se pode contestar, mas não reputar como um crime. O mesmo não se pode afirmar quando autoridades da República fazem oficialmente esta afirmação, pois que existem limites legais a serrem observados.
O chefe do Executivo não pode se sobrepor ou se imiscuir nos restantes poderes (Legislativo e Judiciário) sob pena de incidir em crimes contra a Constituição e contra o estado de direito.
A Constituição em vigor estabelece normas claras sobre as condições do já (barrosamente canhestro) pelo STF. Regra posta compete a TODOS a sua irrestrita obediência. Ocorre que o estabelecido é que o presidente da Câmara tem o poder monocrático de aceitar ou não os pedidos de impeachment contra chefe do Executivo e, em nenhum momento a Lei estabelece critérios que este presidente da Câmara tenha ou não respaldo moral para tomar tão decisão. Portanto, segundo a Constituição, o Eduardo Cunha tem o poder legal de aceitar o pedido de impeachment, e assim o fez. Autoridades públicas não podem afirmar irresponsável e impunemente que cumprir a lei é golpe.
A Constituição em vigor estabelece que o pedido de impeachment será avaliado por uma Comissão que decidirá ou não se existem motivos para a continuidade do processo. Desta forma, só ela tem LEGITIMIDADE para prolatar tal decisão. Não pode, desta forma e sob a insubmissão às leis, a presidente da República, de forma reiterada afirmar em sucessivos pronunciamentos públicos que se trata de golpe, que não cometeu crimes de responsabilidade. Tais afirmações devem constar tão somente na defesa a que teve pleno direito. Tal procedimento é uma intromissão e usurpação das prerrogativas do poder Legislativo, nesta fase, da Comissão de Impeachment, que é a ÚNICA legalmente habilitada a fazer tal avaliação. Caso seja aprovado o processo de impeachment por esta Comissão, a lei determina que tal decisão seja submetida ao plenário da Câmara que, por votação, tomará uma decisão. Desta forma, não cabe ao Executivo trombetear que se trata de golpe ou que crimes de responsabilidade não foram cometidos. Não há como agasalhar a irresignação sobre uma decisão prolatada consoante as leis vigentes, pois estaríamos adentrando num cipoal interminável de inseguranças jurídicas.
Suponhamos que o Dr. Rodrigo Janot, o nosso PGR (mas que para o Lula é apenas um merda), denuncie a presidente Dilma ao STF (que para o Lula é uma confraria de acovardados), em função de possíveis crimes observados nas gravações que garantiam ao Lula um habeas corpus preventivo (oriundo do Executivo?). Poderia a presidente, sob pena de afrontar o Judiciário e as leis, montar palanques diários afirmando que a representação do PGR nada mais é que golpe? Suponhamos que o STF aceitasse a denúncia. Poderia a nossa presidente, na sua condição de chefe do poder Executivo, questionar oficialmente tal decisão do supremo afirmando que é golpe e que não cometeu os tais crimes apontados? O julgamento se houve ou não crimes é exclusividade (no caso em tela) do STF e a lei não condiciona se está acovardado ou não. Existem os meios legais para tais arguições de defesa, mas seguramente o procedimento da presidente não estará dentro da lei e o que fere a lei é crime. O mesmo vem ocorrendo com o julgamento de impeachment e tais fatos indicam que as suas atitudes destemperadas e ilegais já ensejam um novo pedido de... impeachment.
Dessa forma, o que a realidade tem mostrado é que as atitudes oriundas da presidência da república criam um círculo vicioso de sobrepor o cometimento de crimes evidentes aos possíveis crimes que ainda nem foram julgados.

É como se um réu, no transcorrer do seu julgamento, fosse assassinado as testemunhas de acusação, à luz do dia e com testemunhas, e isso não tivesse importância, pois prevaleceria o julgamento original ainda não transitado em julgado.

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Além do razoável

Vivemos tempos ensandecidos, onde pululam pensamentos e discursos nada razoáveis. Convencer uma população bestializada, analfabeta e sem cidadania de que algumas mentiras representam a verdade verdadeira é tarefa de fácil elaboração e execução, principalmente quando se tem à disposição poderes e verbas quase que inesgotáveis. Convencer a maioria do povo de que Lula é um cidadão de vida despojada, um brasileiro comum ou que os governos do PT priorizaram os mais pobres não requer maiores malabarismos de criatividade mesmo para marqueteiros medíocres e de pouco talento estético-cultural. Mesmo porque o marketing, grosso modo, é a antítese da arte, a negação da criatividade verdadeiramente libertadora, pois que tem por finalidade o engodo que objetiva o aprisionar as suas vítimas.
Sinceramente eu entendo as ações (mesmo as injustificadas moralmente) dos chamados mortadelas, um bando de manipulados através de cargos no governo ou simplesmente das migalhas distribuídas nas manifestações públicas, tipo um desarrazoado e patético “não vai ter golpe”. Pelo avesso, também com sinceridade, não consigo entender (muito menos justificar) a postura de pessoas que têm discernimento de sobra para olhar a realidade e ver que está exercitando o cinismo cívico ao fingirem enxergar uma realidade que não existe, que nem dúbia é.
Pego como exemplo, não por acaso, mas pelo grau de exposição nessa lide tragicômica, a figura de Chico Buarque, dentre tantos outros que podem se assemelhar, para tecer algumas considerações de cunho analítico-prospectivo. A verdade é que o Chico é o maior compositor popular nascido neste país. Apesar de ter criado canções extremamente elaboradas e abordado temas de difícil curso, conseguiu seduzir o seu povo, com formação deficiente, de uma forma avassaladora e merecida. Talento, sensibilidade e bagagem cultural. Não há marketing que consiga transformar em sucesso uma letra que ousa usar a palavra escafandrista!
Acusações maldosas, resultantes de compreensível indignação, especulam que a sua solidariedade ao PT e ao Lula, existe em função de vantagens auferidas junto aos governos petistas. Filho de classe média alta ganhou dinheiro suficiente para levar uma velhice confortável e ainda goza de prestígio que lhe possibilita ganhar outro tanto. Heloísa tem todos os méritos para ser Ministra da Cultura no Brasil ou na França e se aqui o foi, são circunstâncias que desconheço e não tenho porque colocar em dúvida o processo que a conduziu a tal cargo. A Lei Rouanet é um balcão de atendimento caótico, no qual, como tudo no país, sempre tende a resolver as opções pelo lado mais fácil e óbvio: prioridade aos mais famosos, mesmo não necessitados.
Chico, por toda a sua vida adulta esteve exposto ao público e, apesar de manter discreta privacidade, foi alvo preferencial da mídia. Por todo este tempo nunca demonstrou nenhum desvio de caráter e sempre manteve uma postura sincera, mesmo descontentando alguns. Nunca se mostrou gratuito.
Diante do acima analisado, por razoável, não há como enquadrar Chico Buarque como um lobotizado mortadela ou um reles aproveitador das tetas de governo ou, ainda, um porralouca ideológico. Não faria sentido, já que estamos observando a realidade o mais aproximado do que ela é. Há que se observar e reconhecer que, ao longo da vida, ele foi, por várias vezes, tentado a aderir (existem formas discretas), em troca de enormes facilidades e não o fez.
Então, qual mistério, qual razão para nos depararmos com este artista singular defendendo publicamente um governo sabidamente corrupto e um líder a meio caminho da prisão por crimes de variados calibres? Os méritos pessoais do Chico são muitos, sempre foi exigente com suas obras, coerente com suas ideias e meticuloso no detectar e expor os maiores e menores erros de um regime antidemocrático por definição e autoritário por natureza. É neste ponto que a minha perplexidade se agudiza. Como este exímio especialista não farejaria a negociata rasteira, a esperteza covarde e a flagrante traição ideológica levada a cabo pelo Partido dos Trabalhadores? O que o leva a acreditar num golpe da direita contra um partido de esquerda no poder? Me estarrece acreditar que Chico Buarque crê (e acredito que assim o é) que o PT é um partido de esquerda realmente, nas suas práticas de governo. O PT ensaiou tais aleivosias antes de assumir o poder e logo em seguida mergulhou na amorfia partidária reinante, de direita, corrupta e insensível. Os fatos demonstram que em treze anos de exercício do poder, o PT nada mais fez do que dar continuidade à política neoliberal, acrescentando apenas um ostensivo aparelhamento do Estado. Em treze anos de poder jamais apresentou um projeto (nem de esquerda ou reformista que fosse) próprio para o país e viveu de ensaios erráticos e de improvisações nas quais predominavam objetivos eleitoreiros. Como agravante, aprofundou e sistematizou a corrupção institucionalizando o crime enquanto política de Estado.
Sabemos que a nossa elite não enxerga o povo do país senão enquanto massa de manobra, bois a caminho do matadouro. Assim continuou nos governos do PT e as ações sociais não mantinham preocupações socais, mas sim com o aumento do cacife eleitoral traduzido em votos. As verbas usadas nestes programas sempre foram imensamente inferiores às destinadas aos banqueiros e aos “empreendedores” ricos e amigos.
Conheci muitos artistas e pretensos artistas que nada mais aspiravam da vida além de uma carreira de sucessos, o que implicava em muito dinheiro e vida mansa. Nunca foi o caso do Chico, que sempre demonstrou sincera preocupação com os rumos deste país e os que duvidam atentem para o fato de que a sua obra é um eterno e obsessivo recontar da vida do povo. Ele emprestou a sua fala aos silenciados (não só aos exilados políticos), aos excluídos e aos simples de coração.
Prefiro acreditar, com alguma razoabilidade, que ele foi tragado pelos seus desejos e estes lhe suplantaram a racionalidade. Creio que ele observa o PT ainda como aquele partido combativo, heroico, intransigente em eterna pugna por justiça social. Nega-se a acreditar que a última oportunidade estiolou-se diante das opções burguesas de líderes que prezavam mais o consumo conspícuo do que o cheiro do povo, que sempre exala suor e sangue, êxtase e agonia.

O horror maior pode estar por vir em breve, e os seus desejos frustrados se transformem em pesadelo, caso sejam comprovados os crimes hoje investigados. O nefando bafo da perversão de se saber instrumento que forneceu sobrevida a estas lideranças que a aproveitaram para obstar ou inibir a descoberta de crimes perpetrados contra o povo, usando exatamente a força que a cidadania confere aos seus mandatários. Para alguém honesto, não concebo panorama pior.

sábado, 26 de março de 2016

A corrupção exacerbada

Lembro do FHC: “esqueçam o que escrevi”. Acho que ele sacou que sem compor com a corrupção não governava. Muito esperto fez um governo neoliberal, discreto ideologicamente (não saiu propagando o que não era, não disse que era um governo de esquerda, como o PT fez, sem ser). A contribuição do FHC foi combater a inflação (coisa que até me surpreendeu, após tantos planos fracassados) e atrelar os gastos públicos à Lei de Responsabilidade Fiscal. No mais a corrupção permaneceu intocável, num nível “tolerável”.
O Lula e o PT passaram anos demonstrando ser um partido diferente, que tinha uma militância generosa, pois que ideológica e cujo maior trunfo era o discurso de combate à corrupção. Martelaram esse mantra por anos a fio. Chegando ao poder o Lula tinha cacife para avançar nos controles sobre a corrupção, mas o que ele desejava era participar do jogo burguês (tinha aspirações de consumo burguês), demonstrar que era esperto (e é). Com a experiência sindical, descortinou os caminhos da grana pública e foi implantando um plano de aparelhar o Estado.
Lembro que logo após o Lula assumir houve o racha com os esquerdistas sinceros (Heloísa, Genro, Babá, e alguns intelectuais) porque ficou claro que não existia mais compromisso com as causas populares. Se estes sacaram a tramoia, muitos outros também, só que permaneceram no PT, pois as possibilidades de fruir dinheiro e poder se descortinavam ilimitadas. A oposição não percebeu isso? São idiotas? Só um grupinho de iluminados percebeu? Ocorre que para os caciques políticos, ser governo ou oposição (sob o aspecto da corrupção) não faz muita diferença, desde que algumas regras sejam obedecidas (rouba, mas deixa roubar é a regra de ouro). Lembro perfeitamente (ainda no primeiro governo Lula) das reclamações de que os petistas eram gulosos e estavam inflacionando a tabela da propina...
E tudo seguiu na santa paz até que... Uma certeza alarmante tomou conta da oposição e dos aliados do governo (não petistas, principalmente o PMDB): estes malucos vieram construindo uma estrutura para a captura do Estado com tal precisão que até o final do governo Dilma (com a possibilidade real de mais governo Lula), eles não mais necessitam de aliados ou da oposição. Serão autossuficientes em corrupção.
Lula e o PT aprofundaram a corrupção a níveis exacerbados (e aí está o calcanhar de Aquiles, o Moro, e o STF, mesmo comprado), com a ousadia só encontrada nos irresponsáveis, nos ensandecidos. Não pode! Ou nos locupletamos todos ou restaure-se a moralidade (Sérgio Porto). E aí surge Pasadena. Estava muito escancarado! Mas a "certeza" da impunidade era tão evidente que fizeram daquela forma desastrada e esqueceram que existia MUITO dinheiro privado na Petrobras. De rico não se rouba impunemente (rouba dinheiro da merenda, da saúde, da educação... dinheiro de ninguém). Como é que um paiseco de merda vai roubar milhões de fundos de pensão dos EUA, vai roubar países como Noruega e Suécia? Roubar da Bolsa internacional? Endoidou? Isso atrapalha o desenvolvimento do capital internacional e ele, nesse mundo dominado, pode tudo e é muito cioso de suas regras pétreas, sendo a principal a expansão do sistema.
Então, até aí, o PT (já uma quadrilha organizada dentro do Estado e bem estruturada) tinha a desconfiança da oposição e estava na mira do capital internacional. Eis que surge um juiz de primeira instância (especialista nos crimes de colarinho branco e estudioso/admirador da Operação Mãos Limpas) extremamente sagaz, corajoso e competente, que se defronta com a ponta de um iceberg que, por força do volume de infrações penais, rapidamente se revela uma montanha inimaginável e sem fim de crimes superpostos e todos apontando para uma só direção: os governos petistas (dá para notar que é uma corrupção diferenciada).
A força do Moro está na fraqueza do PT, por conta dos inúmeros crimes que foram cometidos; quanto mais crimes aparecem, mais fortalecido fica o juiz. Observe-se que o Moro não é o xerife anticorrupção e tem sua atuação circunscrita a determinados limites. Muita corrupção não está sob a jurisdição dele, o que seria encargo humanamente impossível. Acredito na honestidade da força-tarefa pelo fato de que a oposição não se assanhou nem fez alarde. FHC e outros, até bem pouco tempo, davam declarações sobre a honestidade pessoal de Lula e da Dilma. Só mais recentemente, quando constataram a força e as proporções inesperadas que a Lava Jato tomou (ainda tem muitos reticentes) e a adesão popular, é que embarcaram no movimento, calcularam oportunisticamente que dava pé.
O panorama imediato que se apresenta é o fim agônico e patético do governo Dilma, de um refluxo eleitoral do PT e da desmoralização (e cadeia) do Lula. Muito provavelmente o Temer assumirá até o fim do mandato (no caso da saída da Dilma, o TSE perde o ímpeto, “para evitar mais traumas” = mentira) e fará um governo austero, contido, evitando ao máximo os deslizes e sacolejos de uma sociedade arisca.
Não sei se o plano do PSDB/PMDB será exitoso, pois os políticos profissionais estão desmoralizados e nestas ocasiões o povo tende a optar por uma cara nova, um fenômeno, um messias. Existe ainda a possibilidade da Marina, em seu estilo dissimulado e errático...

De toda sorte, existe a possibilidade que foi descortinada por todos estes acontecimentos precipitados, qual seja, a perseverança do povo em protagonizar resistências aos abusos, à corrupção, à impunidade e aos privilégios. Além de um desejo compartilhado por milhões de pessoas, é uma oportunidade real. Veremos se a perversidade vai vencer, mais uma vez, as esperanças de um mundo mais decente.


quinta-feira, 24 de março de 2016

CAUSAS E EFEITOS DA CORRUPÇÃO

Normalmente, o cotidiano dos três poderes da República passa despercebido pela sociedade em geral, posto que costuma despertar interesse apenas em atores direta e indiretamente envolvidos. Promulgações de leis, assinaturas de decretos e decisões do STF, são assuntos deveras maçantes e, muitas das vezes, ininteligíveis para o povo em geral. Entretanto, são estas ações que passam a reger a sociedade como um todo, pois que regras imperativas com fenomenal poder de coerção. Mesmo decisões que interferem em grande contingente de pessoas, a desoneração de um segmento produtivo, por exemplo, não sofre o crivo da população, que não a entende e mesmo não lhe é explicada. Por conta deste desinteresse do grande público, é que em situações excepcionais, de crise, as pessoas se espantam e criticam determinados procedimentos (legais), que não obedecem a critérios racionais, são protecionistas ou que são propulsores e indutores de injustiças.
Conjunturas como as atuais, em que a sociedade se movimenta contra determinadas práticas dos governantes, representam momentos profundamente positivos, pois que servem para aproximar e mesmo contrapor a sociedade frente às instituições públicas que teoricamente a representam. Nestes momentos, mesmo que informalmente, a representatividade dos governantes (quase que absolutas) sofrem restrições e a opinião pública passa a ter alguma importância.
É nestes momentos de crise, conforme o desenrolar dos acontecimentos, que o cidadão descobre que muitos dispositivos institucionais, tornados legais, estão em desacordo com o sentimento da sociedade e alguns contrariam a lógica formal. Descobre, por exemplo, que existe foro privilegiado, que o processamento jurídico é lento e leniente; que os membros da Corte Suprema do país são escolhidos monocraticamente pela maior autoridade do país. Por conseguinte, constata que tal arranjo possibilita (até induz) a captura do STF pelo governo. O cidadão toma conhecimento da existência de uma infinidade de cargos comissionados que se configuram num verdadeiro labirinto a propiciar um fácil e sedutor aparelhamento do Estado. Descobre que as leis estão grávidas de privilégios sob o dístico fundamental de que todos são iguais perante a lei. O cidadão estonteado se revolta ao saber que, apesar das leis, os maiores salários públicos são engordados por “auxílios” e se elevam estratosfericamente. Nesta lógica perversa e cínica o trabalhador com salário insuficiente para prover a sua sobrevivência e da família, que sacoleja em transportes morosos, caros e sucateados, é afrontado em saber que os donos de cargos poderosos (não necessariamente úteis) fazem jus (legalmente) a auxílio transporte, em carros novos e com motorista à disposição. O aposentado se vê agredido em sua autoestima ao constatar que, contrário senso, o aumento concedido ao bolsa-família é bem superior ao valor de sua aposentadoria que anualmente míngua.
É como uma fratura exposta, milhões de cidadãos espalhados pelo país se convencerem de que os poderes e as leis do país compõem um golpe contra a cidadania. Estarrece constatar a quantidade absurda de leis e políticas implantadas que são consideradas inconstitucionais. Humilha ver o STF se debruçar semanalmente para dirimir questões pessoais de um cidadão investigado por crimes variados e demorar mais de dez anos para decidir a inconstitucionalidade da PEC do Calote (precatórios), uma questão que envolve o direito de milhões de cidadãos.
Evidentemente que a cidadania desvela como escárnio à Justiça, o próprio STF não cumprir uma Norma, votada por seus membros, e sancionada (pedido de vistas). Nesta especialidade, constatar que os poderosos naturalizaram impunemente a transformação de atos vinculados em discricionários o que transforma a atuação da máquina pública num autoritário reduto de injustiças e seletividades pessoais. Enoja a constatação da existência de um Estado extremamente ciente e exigente no cumprimento das leis ao passo que ele não as cumpre. Exaspera observar que o jeitinho prepondera sobre a lei ou convivência civilizada e que a molecagem esperta se faz regra pétrea.
Talvez, com a crise, seja dada a hora de repensar as práticas públicas e reformar as leis sob pena de continuarmos neste pântano de iniquidades. Apesar de necessário e urgente, não é suficiente o afastamento de um governo corrupto, se não extinguirmos as causas que propiciaram a existência de tantos descalabros. A atuação deletéria dos governos petistas (em comparsaria com a base aliada) são apenas os sintomas. As causas residem numa estrutura viciada que possibilita toda sorte de desmandos e malfeitos resguardados por uma impunidade que retroalimenta o cinismo e a perversão.
Numa rotineira e “tenebrosa transação” os políticos tradicionais, os mantenedores do patrimonialismo, ombreados momentaneamente (e na undécima hora) com o povo, aguardam a derrocada do projeto petista, para então, estabelecer uma negociação pelo alto, afastando a participação popular e retomar o caminho da perpetuação da dominação elitista, corrupta e impune.
Não desmantelar a estrutura vigente é preservar o ovo da serpente em sua inteireza e poder de contaminar os futuros mandatários, pois que humanos e não imunes às tentações de mando e riqueza. Mesmo porque, embora demonizados e empedernidos arrivistas do caos, os dirigentes petistas não detêm o monopólio da corrupção, da perversidade e da arrogância, pois que predicados dos seres ditos racionais: o homo (e mulher) sapiens.