Ivinho -
Uma estrada?
Conheci Ivson Wanderley Pessoa por artes de sua prima, Marilena,
que é minha prima emprestada. Por ironia, também através dela (no facebook da
vida) tomo conhecimento do seu falecimento. Será?
O meu primeiro contato com este gênio musical foi através de sons,
mais precisamente da sua viola de doze cordas que produzia, através de seus
dedos mágicos, uma música indecifrável, universal. A impressão que tive foi a
de que estavam lá na minha sala uns três ou quatro virtuoses em instrumentos de
cordas. Presentes naquela música de improviso, estavam a viola, o violão, o
baixo, o bandolim... Qual surpresa ao me deparar com aquele cabra solitário, na
minha poltrona, executando um trivial (para ele) exercício de aquecimento.
Com o tempo descobri que ele conseguia desenvolver por horas a fio,
sem interrupções, aqueles improvisos, que eram músicas maravilhosas que nunca
se deu ao trabalho de registrar, relembrar, gravar. Acredito que em vida, por
este processo, compôs mais de um milheiro de músicas que vagam por aí, em algum
lugar entre o átomo e o universo.
Relembro com intensa admiração e mesmo nostalgia, as músicas que
ele e o Geraldinho tocaram no casamento da prima, a Marilena, ali na igreja do
Palácio Guanabara. Os dois se entrincheiraram no mezanino da capela e tocaram
improvisos intermináveis, de beleza única.
Eu, que tinha fumaças de ser compositor, desde o primeiro acorde
que escutei daquela viola, me recobri de pequeneza e da certeza de que aquele
jovem – já um tanto gordinho, cabeludo e meio ausente – tinha o dom e o talento
que o habilitavam a transpor limites e realizar coisas que, além de únicas,
eram verdadeiramente obras artísticas irretocáveis. Esta mesma impressão
(convicção) tiveram uns turistas que, ao escutarem seus improvisos numa escada
do Hotel Nacional, o convidaram a participar do Festival de Montreux, que na
época era o mais importante e prestigiado palco musical do mundo.
Com exceção de “Sob o sol de satã”, as músicas dele que coloquei letra,
foram as que consegui capturar ao acaso. Ele tocava, tocava e tocava de forma
ensandecida, improvisos improváveis. Tinha vez que eu fazia com que ele parasse
e repetisse determinada passagem. Colocava uma letra e o fazia repetir, até memorizar.
O sucesso de Montreux e o subsequente disco fizeram com que ele ganhasse outros
rumos, enveredasse por novas experiências.
Foi que vindo para o Rio de Janeiro, acompanhando Alceu Valença,
para participar do Festival Abertura (da Globo), onde apresentaram “Vou danado pra Catende”, ele resolveu
ficar neste sulmaravilha. Para tanto, buscou trabalhar como músico de estúdio,
fato que apresentava algumas dificuldades. Entre elas, duas especiais: uma o
fato de ser canhoto e a outra não ter um violão. A maioria das músicas requer
violão, ao passo que viola de 12 cordas é mais raro. Violão emprestado,
inverter as cordas do mesmo... Foi com extrema alegria que lhe dei o meu Di Giorgio
recém-comprado, uma vez que me alegrava saber que seria usado por um músico de
verdade, coisa que eu, por mais que aprendesse e exercitasse, não chegaria aos
pés (ou às mãos, dedos).
Muitos anos passados e nos reencontramos com a ideia de gravarmos
um disco com as nossas músicas, disco no qual ele colocaria a sua voz nordestina
e rascante nas suas músicas e minhas modestas letras. Nos poucos dias em que
ficamos juntos, fizemos uma demo e abortamos a entrada em estúdio por
impossibilidades incontornáveis.
No plano da matéria é fácil e lógico acreditar que o Ivinho morreu
e foi sepultado. Mera constatação de que não mais vai carregar o pesado fardo
de ser Ivinho, de ter existido conforme os desideratos que o destino lhe
reservou. Alguns poucos choram a sua ausência, pois que de poucos parentes e
raros amigos. Alguns noticiosos pernambucanos noticiam...
O que sei, como um absoluto, é que o talento e a sua virtuose
musical permanecerão em minhas lembranças que pretendo eternas. Em algum lugar
(faz tempo) afirmei que apenas um acorde do Ivinha era mais importante, para a
nossa cultura, do que toda a discografia do Roberto Carlos, apesar do sucesso e
da fortuna que um e outro alcançaram em função de suas trajetórias mundanas. A
única e fundamental diferença entre Ivinho e outros celebrados músicos reside
no fato de que ele nunca se organizou para registrar, civil ou cartorialmente,
as suas criações geniais. Mai aí, acredito, já era pedir demais.
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