sábado, 26 de março de 2016

A corrupção exacerbada

Lembro do FHC: “esqueçam o que escrevi”. Acho que ele sacou que sem compor com a corrupção não governava. Muito esperto fez um governo neoliberal, discreto ideologicamente (não saiu propagando o que não era, não disse que era um governo de esquerda, como o PT fez, sem ser). A contribuição do FHC foi combater a inflação (coisa que até me surpreendeu, após tantos planos fracassados) e atrelar os gastos públicos à Lei de Responsabilidade Fiscal. No mais a corrupção permaneceu intocável, num nível “tolerável”.
O Lula e o PT passaram anos demonstrando ser um partido diferente, que tinha uma militância generosa, pois que ideológica e cujo maior trunfo era o discurso de combate à corrupção. Martelaram esse mantra por anos a fio. Chegando ao poder o Lula tinha cacife para avançar nos controles sobre a corrupção, mas o que ele desejava era participar do jogo burguês (tinha aspirações de consumo burguês), demonstrar que era esperto (e é). Com a experiência sindical, descortinou os caminhos da grana pública e foi implantando um plano de aparelhar o Estado.
Lembro que logo após o Lula assumir houve o racha com os esquerdistas sinceros (Heloísa, Genro, Babá, e alguns intelectuais) porque ficou claro que não existia mais compromisso com as causas populares. Se estes sacaram a tramoia, muitos outros também, só que permaneceram no PT, pois as possibilidades de fruir dinheiro e poder se descortinavam ilimitadas. A oposição não percebeu isso? São idiotas? Só um grupinho de iluminados percebeu? Ocorre que para os caciques políticos, ser governo ou oposição (sob o aspecto da corrupção) não faz muita diferença, desde que algumas regras sejam obedecidas (rouba, mas deixa roubar é a regra de ouro). Lembro perfeitamente (ainda no primeiro governo Lula) das reclamações de que os petistas eram gulosos e estavam inflacionando a tabela da propina...
E tudo seguiu na santa paz até que... Uma certeza alarmante tomou conta da oposição e dos aliados do governo (não petistas, principalmente o PMDB): estes malucos vieram construindo uma estrutura para a captura do Estado com tal precisão que até o final do governo Dilma (com a possibilidade real de mais governo Lula), eles não mais necessitam de aliados ou da oposição. Serão autossuficientes em corrupção.
Lula e o PT aprofundaram a corrupção a níveis exacerbados (e aí está o calcanhar de Aquiles, o Moro, e o STF, mesmo comprado), com a ousadia só encontrada nos irresponsáveis, nos ensandecidos. Não pode! Ou nos locupletamos todos ou restaure-se a moralidade (Sérgio Porto). E aí surge Pasadena. Estava muito escancarado! Mas a "certeza" da impunidade era tão evidente que fizeram daquela forma desastrada e esqueceram que existia MUITO dinheiro privado na Petrobras. De rico não se rouba impunemente (rouba dinheiro da merenda, da saúde, da educação... dinheiro de ninguém). Como é que um paiseco de merda vai roubar milhões de fundos de pensão dos EUA, vai roubar países como Noruega e Suécia? Roubar da Bolsa internacional? Endoidou? Isso atrapalha o desenvolvimento do capital internacional e ele, nesse mundo dominado, pode tudo e é muito cioso de suas regras pétreas, sendo a principal a expansão do sistema.
Então, até aí, o PT (já uma quadrilha organizada dentro do Estado e bem estruturada) tinha a desconfiança da oposição e estava na mira do capital internacional. Eis que surge um juiz de primeira instância (especialista nos crimes de colarinho branco e estudioso/admirador da Operação Mãos Limpas) extremamente sagaz, corajoso e competente, que se defronta com a ponta de um iceberg que, por força do volume de infrações penais, rapidamente se revela uma montanha inimaginável e sem fim de crimes superpostos e todos apontando para uma só direção: os governos petistas (dá para notar que é uma corrupção diferenciada).
A força do Moro está na fraqueza do PT, por conta dos inúmeros crimes que foram cometidos; quanto mais crimes aparecem, mais fortalecido fica o juiz. Observe-se que o Moro não é o xerife anticorrupção e tem sua atuação circunscrita a determinados limites. Muita corrupção não está sob a jurisdição dele, o que seria encargo humanamente impossível. Acredito na honestidade da força-tarefa pelo fato de que a oposição não se assanhou nem fez alarde. FHC e outros, até bem pouco tempo, davam declarações sobre a honestidade pessoal de Lula e da Dilma. Só mais recentemente, quando constataram a força e as proporções inesperadas que a Lava Jato tomou (ainda tem muitos reticentes) e a adesão popular, é que embarcaram no movimento, calcularam oportunisticamente que dava pé.
O panorama imediato que se apresenta é o fim agônico e patético do governo Dilma, de um refluxo eleitoral do PT e da desmoralização (e cadeia) do Lula. Muito provavelmente o Temer assumirá até o fim do mandato (no caso da saída da Dilma, o TSE perde o ímpeto, “para evitar mais traumas” = mentira) e fará um governo austero, contido, evitando ao máximo os deslizes e sacolejos de uma sociedade arisca.
Não sei se o plano do PSDB/PMDB será exitoso, pois os políticos profissionais estão desmoralizados e nestas ocasiões o povo tende a optar por uma cara nova, um fenômeno, um messias. Existe ainda a possibilidade da Marina, em seu estilo dissimulado e errático...

De toda sorte, existe a possibilidade que foi descortinada por todos estes acontecimentos precipitados, qual seja, a perseverança do povo em protagonizar resistências aos abusos, à corrupção, à impunidade e aos privilégios. Além de um desejo compartilhado por milhões de pessoas, é uma oportunidade real. Veremos se a perversidade vai vencer, mais uma vez, as esperanças de um mundo mais decente.


quinta-feira, 24 de março de 2016

CAUSAS E EFEITOS DA CORRUPÇÃO

Normalmente, o cotidiano dos três poderes da República passa despercebido pela sociedade em geral, posto que costuma despertar interesse apenas em atores direta e indiretamente envolvidos. Promulgações de leis, assinaturas de decretos e decisões do STF, são assuntos deveras maçantes e, muitas das vezes, ininteligíveis para o povo em geral. Entretanto, são estas ações que passam a reger a sociedade como um todo, pois que regras imperativas com fenomenal poder de coerção. Mesmo decisões que interferem em grande contingente de pessoas, a desoneração de um segmento produtivo, por exemplo, não sofre o crivo da população, que não a entende e mesmo não lhe é explicada. Por conta deste desinteresse do grande público, é que em situações excepcionais, de crise, as pessoas se espantam e criticam determinados procedimentos (legais), que não obedecem a critérios racionais, são protecionistas ou que são propulsores e indutores de injustiças.
Conjunturas como as atuais, em que a sociedade se movimenta contra determinadas práticas dos governantes, representam momentos profundamente positivos, pois que servem para aproximar e mesmo contrapor a sociedade frente às instituições públicas que teoricamente a representam. Nestes momentos, mesmo que informalmente, a representatividade dos governantes (quase que absolutas) sofrem restrições e a opinião pública passa a ter alguma importância.
É nestes momentos de crise, conforme o desenrolar dos acontecimentos, que o cidadão descobre que muitos dispositivos institucionais, tornados legais, estão em desacordo com o sentimento da sociedade e alguns contrariam a lógica formal. Descobre, por exemplo, que existe foro privilegiado, que o processamento jurídico é lento e leniente; que os membros da Corte Suprema do país são escolhidos monocraticamente pela maior autoridade do país. Por conseguinte, constata que tal arranjo possibilita (até induz) a captura do STF pelo governo. O cidadão toma conhecimento da existência de uma infinidade de cargos comissionados que se configuram num verdadeiro labirinto a propiciar um fácil e sedutor aparelhamento do Estado. Descobre que as leis estão grávidas de privilégios sob o dístico fundamental de que todos são iguais perante a lei. O cidadão estonteado se revolta ao saber que, apesar das leis, os maiores salários públicos são engordados por “auxílios” e se elevam estratosfericamente. Nesta lógica perversa e cínica o trabalhador com salário insuficiente para prover a sua sobrevivência e da família, que sacoleja em transportes morosos, caros e sucateados, é afrontado em saber que os donos de cargos poderosos (não necessariamente úteis) fazem jus (legalmente) a auxílio transporte, em carros novos e com motorista à disposição. O aposentado se vê agredido em sua autoestima ao constatar que, contrário senso, o aumento concedido ao bolsa-família é bem superior ao valor de sua aposentadoria que anualmente míngua.
É como uma fratura exposta, milhões de cidadãos espalhados pelo país se convencerem de que os poderes e as leis do país compõem um golpe contra a cidadania. Estarrece constatar a quantidade absurda de leis e políticas implantadas que são consideradas inconstitucionais. Humilha ver o STF se debruçar semanalmente para dirimir questões pessoais de um cidadão investigado por crimes variados e demorar mais de dez anos para decidir a inconstitucionalidade da PEC do Calote (precatórios), uma questão que envolve o direito de milhões de cidadãos.
Evidentemente que a cidadania desvela como escárnio à Justiça, o próprio STF não cumprir uma Norma, votada por seus membros, e sancionada (pedido de vistas). Nesta especialidade, constatar que os poderosos naturalizaram impunemente a transformação de atos vinculados em discricionários o que transforma a atuação da máquina pública num autoritário reduto de injustiças e seletividades pessoais. Enoja a constatação da existência de um Estado extremamente ciente e exigente no cumprimento das leis ao passo que ele não as cumpre. Exaspera observar que o jeitinho prepondera sobre a lei ou convivência civilizada e que a molecagem esperta se faz regra pétrea.
Talvez, com a crise, seja dada a hora de repensar as práticas públicas e reformar as leis sob pena de continuarmos neste pântano de iniquidades. Apesar de necessário e urgente, não é suficiente o afastamento de um governo corrupto, se não extinguirmos as causas que propiciaram a existência de tantos descalabros. A atuação deletéria dos governos petistas (em comparsaria com a base aliada) são apenas os sintomas. As causas residem numa estrutura viciada que possibilita toda sorte de desmandos e malfeitos resguardados por uma impunidade que retroalimenta o cinismo e a perversão.
Numa rotineira e “tenebrosa transação” os políticos tradicionais, os mantenedores do patrimonialismo, ombreados momentaneamente (e na undécima hora) com o povo, aguardam a derrocada do projeto petista, para então, estabelecer uma negociação pelo alto, afastando a participação popular e retomar o caminho da perpetuação da dominação elitista, corrupta e impune.
Não desmantelar a estrutura vigente é preservar o ovo da serpente em sua inteireza e poder de contaminar os futuros mandatários, pois que humanos e não imunes às tentações de mando e riqueza. Mesmo porque, embora demonizados e empedernidos arrivistas do caos, os dirigentes petistas não detêm o monopólio da corrupção, da perversidade e da arrogância, pois que predicados dos seres ditos racionais: o homo (e mulher) sapiens.

domingo, 20 de março de 2016

A lularização da política

Acho que no meu DNA veio apragatada uma deformação que até hoje carrego como fardo e indisfarçável orgulho, qual seja, um profundo sentimento de solidariedade com o povo simples do meu país. Na outra ponta, cultivei um robusto nojo pelas elites insensíveis, às quais o povo ingenuamente entrega os seus destinos indefesos, grávidos de fragilidades. Com estas duas certezas e nada a temer, foi que forjei algumas convicções inabaláveis que têm norteado os meus pensamentos e as minhas revoltas. Uma delas, que guardo desde menino, é o sentimento de que presidir dignamente o Brasil, implica, para este presidente, se conscientizar que a sua própria existência não mais lhe pertence de todo. Mesmo porque, depois de tamanha honra, pode morrer apaziguado com os seus demônios, as suas incertezas e os seus prováveis erros. Não vejo a necessidade de se conceder (menos ainda em lei) nenhuma vantagem pecuniária a um ex-presidente, uma vez que este é que deveria se sentir extremamente grato ao povo por ter lhe confiado tamanha honra e mesmo o incalculável prazer de realizar tal missão. Não vejo porque um presidente aposentado deve necessariamente ter uma vida de facilidades que a maioria dos trabalhadores do país sequer ousam sonhar. Acredito que o respeito e o reconhecimento do povo seria o maior estipêndio e que suficientes seriam para levar o restante da vida. Creio que falo mais em felicidade do que em poder, porque acredito que todos nascem com a missão de buscar a felicidade, mas o endereço da mesma se mostra variável, fugidio e enganador.
Apesar de nunca ter interesse por política partidária e muito menos militância em partidos políticos, nos seus primórdios (até a eleição do Lula à presidência), o Partido dos Trabalhadores me pareceu uma possibilidade de fazer política com ética e quebrar o fazer rasteiro e maquinal dos políticos tradicionais, que aprofundavam a demagogia, o clientelismo e a corrupção. Tal quadro de degradação não torna o país apenas mais pobre, apequena os seus costumes, os seus valores e a sua cultura. Infinitamente pior do que o roubo da coisa pública é o roubo do orgulho, a frustração coletiva de não ser respeitado exceto pela galhofa do futebol e do carnaval.
Lembro que o PT, para manter uma postura ideológica irredutível, assumiu posturas na contramão do ganho político que se traduzia apenas em voto quantitativo, vazio. Perseverou com atitudes corajosas, como expulsar dos seus quadros políticos eleitos, decisão jamais assumida por partido algum, pois, para a politicalha, ao contrário, todos os votos são bem-vindos. Com esta estrutura consolidada e por consequência, o PT passou a ter uma militância diferenciada, pessoas abnegadas que se predispunham a trabalhar gratuita e alegremente para a consecução de um país melhor, menos viciado, mais igualitário.
A frustração de tantos sonhos – o derruir de tantas esperanças – veio em galope avassalador, logo após a eleição de Lula à presidência do país. Os primeiros passos do governo petista representaram claramente a negação de toda a sua trajetória até então percorrida e os mais radicais assim o entenderam, abrindo um fosso e provocando feridas que nunca vão cicatrizar. Outros, mesmo em desacordo com as políticas desenvolvidas, se agarraram a sonhos de mudanças que jamais se concretizariam, pois que abandonadas pelos aiatolás. Uma vez no poder e controlado por poucos, o PT sofreu mudanças que o desfiguraram até como um partido tradicional. Numa reviravolta assombrosa – da água para o óleo – a sua nova identidade se forjou como uma agremiação de cunho empresarial, imperial e sem laços afetivos com a militância que passou a ser profissionalizada através do poder do Estado, direta e indiretamente às custas do povo. Essa nova relação transformou o PT num partido inorgânico, extremamente cioso da sua estrutura organizacional a imprimir relações de mando e obediência. O antigo militante petista, orgânico, obedecia ao seu credo ideológico e o novo passou a prestar obediência ao patrão que lhe paga o salário com o dinheiro do povo. Um partido que interdita a democracia interna, não respeitará a democracia nos embates com os adversários. Nesse mesmo movimento, substituiu a sinceridade dos projetos por máscaras de marketing.
As políticas populares incrementadas pelo PT, não se originaram na preocupação com as necessidades básicas do povo, mas numa relação de custo-benefício. O Fome Zero não foi instituído em função do povo, mas dos votos. O Bolsa-Família, idem. Este tipo de arapuca é muito antigo, remonta a Idade Média e foi aperfeiçoada pela Igreja Católica, sob a justificativa de exercitar a caridade. Pede aos ricos para dar para os pobres, mas escamoteia a existência do intermediário que fica com a parte do leão. Claro que para ter continuidade na recepção de valores, se vê na contingência de apresentar alguns préstimos (asilos, leprosários, alimentação, etc.), substancialmente menores do que foi arrecadado. Claro está que a montagem de tal estratagema não obedecia aos ditames da caridade, mas tão somente ao enriquecimento. É muito triste, mesmo patético, constatar que o povo simples do país acredita numa generosa preocupação com os mais desvalidos. Guardo esta empulhação como mais perversa do que a roubalheira desenfreada, levada a cabo pelo PT, que cerceou a educação, que matou doentes, que desrespeitou a sociedade (principalmente velhos e crianças desprotegidos), e que, enfim, nos apequenou enquanto nação.
Creio que os ainda hoje petistas, apesar dos profusos e degradantes descalabros, não conseguem entender a extensão e a profundidade dos danos causados ao país. Estes sinceros retardatários enxergam mais os seus desejos do que a realidade em exposição – fratura exposta. Acegados de entendimento continuam cultuando o PT como um partido de esquerda, e não uma instituição regida sob uma estrutura sindical deturpada. Se autoafirmar como sendo de esquerda, qualquer partido pode fazê-lo, mas se não preencher a palavra com a concretude dos atos e dos exemplos, nada mais será do que o eco da palavra a embalar enganos e desfigurações de horror e náusea.
Capitaneando um simulacro de partido político, a nomenklatura petista, sob o comando e jugo de Lula, se lançou com iracunda, soberba e inaudita audácia num plano de açambarcar o país através do total aparelhamento do Estado que, após a sua consecução, lhe dariam as condições de manipular o setor privado. Tal arquitetura, arrogante e perniciosa conseguiu o feito inesperado de escandalizar as elites empedernidas, useiras e vezeiras em negociar o futuro da nação na bacia das almas.
Ironicamente, a patranha quadrilheira, que desfilava em céu de brigadeiro, cometeu talvez o único erro imperdoável, roubou de rico! Tradicionalmente, no Brasil, sempre foi permitido (em formato patrimonialista) o roubo da coisa pública, sob a rubrica de dinheiro de ninguém, pois que de difusa titularidade. Desta forma, roubar a Previdência, a Saúde, a Educação, os Correios, o BNDES, a merenda escolar, etc., se tornou uma rotina devidamente banalizada, quase que consagrada como uma legalidade. Eis que os quadrilheiros do PT (e agregados) esqueceram o beabá da informal criminologia e assaltaram a Petrobras que, pela sua importância no imaginário popular, nos faz esquecer que é uma empresa de economia mista e, para pior dos males, com capital aberto. A atuação no mercado de capitais implica a submissão a regras rígidas, mais inescusáveis do que a Constituição do país, pois que estão atreladas às regras gerais do capital internacional. A atuação rapineira na Petrobras resultou num furto direto a investidores ricos e poderosos, dentre eles grandes empresas e fundos de diversos países. Claro e evidente que não se rouba neste patamar impunemente. Este acidente de percurso deslanchou o encadeado de incidentes criminais que transbordaram na mídia e, pelo fenomenal volume, assolou o PT com a potência de um tsunami equatorial (seja lá o que signifique).
Diante de tal descalabro, é perfeitamente compreensível a atuação da força-tarefa da Lava Jato (cuja força é fornecida pela fragilidade da situação criminosa), em que um juiz de primeira instância, com perícia e competência exemplares, está conseguindo o que nunca dantes na história deste país o Judiciário foi capaz de produzir: colocar personagens ricas e poderosas atrás das grades, em quantidade espantosa e inusitada.
No capítulo do cerco da justiça ao Lula, vamos encontrar o país convulsionado por legítima indignação a enfrentar um governo agonizante, porém renitente em reconhecer seus erros e crimes. Agarrada aos fiapos de poder e legitimidade que lhe restam, a Dilma Roussef vem protagonizando cenas constrangedoras (para o decoro do cargo) e patéticas no atacado e no varejo, no público e no privado. Coerente com este pensamente degradado, a presidente Dilma se submeteu a várias ignomínias públicas, pois que o seu ideário político está contaminado pelo pensamento do seu mentor e mestre. Arrastou perante toda a sociedade uma farsa mambembe, de onde escorriam as mentiras que proferia em cadeia torrencial, uma tentando consertar a anterior desmascarada.
Desta forma, diante deste cenário dantesco de terra arrasada e de consciências estupradas, retomo nostálgico ao tempo em que, menino, acreditava que a maior e mais valiosa oportunidade que poderia ser oferecida a uma pessoa seria assumir o mando do país e ser digno de tão especial e honroso encargo.

quinta-feira, 3 de março de 2016

Uma convicção cidadã sobre Lula e as elites

Assim como existe o dispositivo da livre convicção do juiz (figura teoricamente democrática exercida de forma ditatorial), os cidadãos em geral gozam do direito de formarem suas convicções sobre tudo que é do seu conhecimento e que demonstram interesse. Da mesma forma como pode acontecer com o juiz, a convicção sobre determinado acontecimento pode ser falha, motivada por falta de informações ou mesmo por conclusões equivocadas. Há sempre uma margem de equívoco para toda e qualquer convicção, por mais bem assentada nos indícios, fatos, provas e conjunção lógica. Ocorre que, sem este dispositivo, estaríamos condenados à inércia, nada faríamos e o mundo estacionaria na mesmice.
É baseado nestas premissas acima que me estribo para tecer minhas considerações sobre a minha convicção sobre o ex-presidente, Luiz Inácio, o Lula e sobre as ocorrências em seu entorno. A formação de tal “certeza”, que é pessoal e intransferível, procede da vasta gama de informações veiculada pela mídia diuturnamente e das minhas conclusões, sobre as quais meus neurônios (tico e teco) se debruçaram.
Sempre existiram inúmeras suspeitas sobre procedimentos aéticos e mesmo criminosos do Lula, muitos cochichados e tidos como boatos, desde os tempos em que era uma liderança sindical. Suspeitas que era colaborador do DOPS, boatos que a CIA o cooptara, assim como ao Lech Walesa. Boatos mais restritos davam conta de assassinatos por questões de disputas de poder nos sindicatos. Este viés nebuloso que sempre o acompanhou, sempre foi descartado por conta de uma equação (ideológica) de custo-benefício, que aparentemente se justificava na medida em que ajudava no combate ao inimigo maior, a ditadura militar. Tal entendimento gerava o ovo da serpente que, ao eclodir deu vida a uma fera que, embora familiar, tornou-se irreconhecível e endêmica.
Ocorre que essas suspeitas iniciais que recaíram sobre o líder metalúrgico foram abafadas por um sentimento de antropofagia às avessas que campeou pelo país nos anos da ditadura militar: a construção de mitos talhados arbitrariamente, com o sonho de apressar a instituição de uma democracia muito próxima do decálogo da existência no paraíso. Este processo se estrutura na ideia de que o combate a um mal específico e identificado, iguala os seus adversários em honradez, honestidade de propósitos e mesmo generosidade. Qualquer um (com projeção na mídia) que manifestasse desagrado para com os militares era ungido a herói e necessariamente de esquerda. A nossa lucidez dizia que Caetano Veloso era apenas um menino talentoso que almejava uma projeção profissional para poder fruir as facilidades burguesas, gozar os prazeres mundanos que o dinheiro propicia. O nosso desejo, por outro lado e preponderantemente, queria que ele fosse um combatente de esquerda, um artista imbuído da radicalização só encontrada em poucos, como o Che Guevara. Embalados nestas quimeras de desejos foi que criamos um panteão de “heróis” hiperdimensionados que, já naqueles tempos, Belchior vaticinava como sujeitos que se recolheriam em casas confortáveis, guardados “por Deus, contando vil metal”. Neste raciocínio de estreita e maniqueísta concepção, passamos o rodo nas nossas avaliações críticas e procriamos, como coelhos em permanente cio, uma casta de heróis digna de um fabulário concebido por ingênuos querubins. Heróis insinceros e oportunistas (em sua maioria), alguns descerebrados, outros alienados e uns poucos honestos que quedariam impotentes dentro do novo quadro que foi configurado.
O segundo grande engano da razão cometido pela geração dos anos de chumbo, foi acreditar no improváel, posto que era um crer urgente e inadiável. A nossa racionalidade expunha um quadro no qual as elites combatiam a ditadura, mas não com o objetivo de implantar uma democracia de verdade, mas simplesmente reconfigurar o antigo modelo patrimonialismo, desta vez sendo reforçado através do Judiciário.

Na guerra pela fala, a versão que se busca consagrar a atuação criminosa levada a cabo pelo Partido dos Trabalhadores, é a de que o Mensalão e a Lava Jato vilipendiaram os valores republicanos. Não é verdade! O crime petista foi o de aprofundar o saque generalizado do erário público, criando um método, organizando e institucionalizando a roubalheira. Acredito que os antecedentes (morais e legais) nos autorizam a acreditar que este era um desfecho previsível, pois as condições objetivas estavam disponíveis para a consecução de um aparelhamento criminoso do Estado. O cenário (de franca expansão e naturalização da impunidade e privilégios) contemplava incontáveis facilidades para o assalto ao Estado. Agasalhava os ingredientes necessários e aguardava apenas os sujeitos com ousadia e perversidade suficientes. Por consequência, a elite e Lula são face de uma mesma moeda e não são excludentes, não combatem em campos opostos, pois que o butim é o mesmo, o aprofundamento da institucionalização e naturalização do patrimonialismo.

Há uma grande confusão (proposital) entre esquerda e comunismo. Lula e Dilma nunca foram comunistas e os poucos que se filiaram ao PT de lá saíram decepcionados ou expulsos.
Há uma confusão, também proposital, entre o comunismo enquanto teoria marxista e as revoluções que foram intentadas em seu nome e que deram com os burros n´água. Sempre estive convicto de que poucos homens no país estavam prontos e coerentes com uma possível revolução comunista, pois a maioria dos nossos revolucionários cultivavam (ainda cultivam) hábitos e consumos extremamente burgueses. Uma revolução do tipo prescrita por Marx implica numa radicalidade que só sujeitos absolutamente desapegados de bens materiais, os espartanos radicais, podem levar a termo, sem desvios ou tergiversações. Não acredito que a nossa esquerdinha de Ipanema, topasse tal azeda empreitada. Após uma revolução vitoriosa, impossível imaginar Sirkis ou Gabeira ministrando aulas no interior da Amazônia, impossível encontrar casualmente Celso Furtado ou FHC almoçando com estivadores ou peões de uma obra. Tem uma frase do Celso Furtado, que foi publicada num jornal e tida com naturalidade. Ele afirmou que morar em Brasília era horrível. Tal frase proferida por um tido esquerdista é digna de Clodovil Hernandez, de Chiquinho Scarpa ou hedonistas outros. Furtado, nesta época, era ministro da Cultura do Sarney e, portanto, gozava de mordomias de primeira. Um verdadeiro combatente das causas populares afirmaria que morar em Brasília, na periferia, desempregado e faminto é um horror. Mas os nossos desejos comandam a entronização dos nossos ídolos, assim como a Cláudia Leitte hoje em dia é a rainha das massas rebolativas e de canções sofríveis.
Naquela época de chumbo, nas artes, por exemplo, o melhor atestado de qualidade artística residia na resistência à ditadura do que propriamente em requisitos de talento. Um destalentado que desafiava os censores era incensado e escrever pormas sobre sabiás (mesmo que de forma genial) era alienação imperdoável. Nesta bitola estreita fomos consolidando nossos ídolos e a militância de esquerda se transformou em base curricular, propriedade privado, no sentido capitalista.
Com a restauração da democracia, em que, para tanto, o povo foi manipulado a uma participação decorativa enquanto se negociava uma transição pelo alto, a esquerda e seus próceres encontraram terreno fértil para toda sorte de proselitismo, em verdade, conta-se nos dedos aqueles que retornaram aos seus empregos. A maioria usou o prestígio de ser antimilitarista para adubar carreiras políticas que se mostraram absolutamente medíocres, quando não inidôneas. Absorvidos pela luta política burguesa abriram mão de suas convicções (?) para a construção de um prestígio político (votos) movido a oportunismos e conchavos, mesmo com a execrada esquerda.
Isto desaguou numa realidade em que, olhando-se o quadro político atual, não se nota muita diferença entre figuras como Ronaldo Caiado, Bolsonaro, Aécio, Renan, Sarney, Collor, Eduardo Paes, Cunha, Sérgio Cabral, Marina Silva, Tarso Genro ou sua filha. Há uma perene desconfiança, posto que a história confirma que eles, como as pedras do rio, um dia se encontram, se entendem e se mancomunam, dependendo dos interesses em jogo.
Os componentes da nossa esquerda, em sua maioria esmagadora, hoje ocupam alguma função política e enfiam os dentes nas verbas públicas, seja através de corrupção ou usando mascaradas “legalidades”, que redundam em privilégios, principalmente pecuniários. Patético ver um guerreiro do povo, um prócer da luta pelo proletariado embolsando sorrateiramente valores oriundos de “representação parlamentar” ou “auxílio-moradia”. Homens que se diziam dispostos a morrer pelo povo a se aposentarem com quatro anos de “trabalho”.
Um grande problema do pensamento da nossa esquerda é que a lógica do que expressam não tem necessariamente que ter embasamento na realidade, mas apenas estar estribada num voluntarismo inconsequente e de pernas curtas. Há uma eterna contradição entre o que dizem e o que falam.
Recentemente, a presidente Dilma – que não compareceu à festa de aniversário do PT – que busca se descolar do PT e que é combatida pelo PT, enviou uma carta na qual contradiz toda a realidade existente. Após firmar intenção de defender o seu guru Lula de ataques injustos, arremata afirmando que:

De norte a sul e de leste a oeste, seguiremos firmes e fortes, de braços dados com essa aguerrida militância do PT que, como eu, tem orgulho de empunhar a bandeira vermelha com a estrela branca na luta pela construção de um país mais justo e democrático.

Isto nos dá bem a extensão de como o cinismo e a hipocrisia ganharam naturalidade no fazer político e mesmo na sociedade. Não há nenhuma preocupação com a ética, mas sim com a consecução de um objetivo pessoal, de seguir uma estratégia traçada na busca de manutenção do poder. Evidentemente tudo é uma pantomima brega, pois a Dilma sabe que só é presidente por circunstâncias inesperadas. Sabe que, não fosse o mensalão, jamais seria o poste escolhido pelo Lula. Sabe que para o PT, nada mais representa que um acidente de percurso, muito distante de uma escolha por méritos. Talvez o maior mérito da Dilma seja ser membro da quadrilha. Não é razoável a ideia de que o chefe de um bando criminoso indicasse para o seu lugar, alguém honesto e discordante da ação quadrilheira em curso.

Lembro que a primeira eleição do Lula veio embutida de muitas esperanças e principalmente mudanças radicais na forma de fazer política. A eleição do homem simples lhe deu cacife para implantar as reformas que o povo necessitava e ansiava. Logo após a posse, uma descomunal decepção que provocou uma debandada da militância sincera e a consolidação de uma nomenklatura de ferro no centro de decisões do Partido dos Trabalhadores.
Uma vez no poder, os mandatários avaliaram friamente que poderia substituir uma militância ideológica (incômoda) pelos cargos que a República oferece em quantidades quase infinitas. Dessa forma, como num passe de mágica, o PT trocou o apoio ideológico pela submissão de cargos e salários, método que em si só já garante controle absoluto dos filiados.
Ainda na trilha do controle político através do poder econômico (ironia, não?) foi que os seus dirigentes (que já comandavam os fundos públicos através dos sindicatos) aceitaram/urdiram um plano extremamente ousado e de alto ingrediente de perversão e periculosidade e que desembocou no aparelhamento total do Estado, através de uma quadrilha atuando dentro do Palácio do Planalto. Acredito que o que os fez pensar em tal viabilidade tenha sido o exercício anterior em que, por anos a fio, usaram tal processo, com inaudita facilidade e impunidade, dentro da esfera sindical. Desta forma, apenas expandiram uma atuação, mas necessitaram fazer ajustes, pois que a escala de atuação era infinitamente maior. A operacionalização de tal estrutura aumentava os riscos, pois que acrescia exponencialmente os comparsas, inclusive de outros partidos políticos. Foi por este viés que, no escândalo do mensalão, surgiu a figura de Roberto Jefferson e, na atualidade, surgem as inúmeras delações premiadas que escancaram crimes do arco da velha.
Ocioso observar que ao se desprender da militância sincera, teve que lançar mão de marketeiros com competência para efetuarem a prestidigitação da manutenção de um discurso que não mais existia na realidade.
Existe uma clareza absoluta que as ações do Lula são sempre obscuras, mesmo em coisas de simplicidade franciscana. Levando em conta os depoimentos sobre o empréstimo bancário do Bumlai, o assassinato de Celso Daniel é mais que penumbroso. O sítio de Atibaia não é do Lula por um mês, mas se transforma num presente de amigos na mais recente versão. O triplex não é do Lula e a quota-parte pertence à Marisa...  Sempre, em suas pegadas nos deparamos com empreiteiras boazinhas, céleres em lhe prestar favores caros e desinteressados. Mesmo uma reles antena de celulares postada na proximidade do seu sítio é irregular, na medida em que não tem a placa de identificação, como as demais espalhadas pelo país. Estranhamente, seus filhos, empresários vitoriosos, moram de favor em suntuosos apartamentos cedidos por amigos e seus escritórios idem.
Para evitar um simples depoimento, diante de um promotor estadual, são disparados dispositivos protelatórios que salvaguardem o Lula e mesmo o ministro da Justiça é substituído motivado por não controlar as investigações contra Lula e o PT. Como sempre, a chicana foi impetrada por um preposto não oficial, o deputado Paulo Teixeira, como se Lula não tivesse nada com o peixe (ensaboado).
No episódio do mensalão, com relação a José Dirceu principalmente, foi surpreendente a facilidade com que o Lula se desvencilhou da companheirada envolvida e condenada. Apesar dos conchavos e chicanas promovidas pelo STF, a cadeia foi um incidente não aventado nas possibilidades da empreita. Evidentemente que o José Dirceu guarda mágoas do antigo companheiro de fé, camarada e que deve ter tido seus pruridos de efetuar uma delação premiada, dando-lhe um abraço de afogado. Ocorre que a delação envolve auto culpa e que, nesta seara, os crimes são tantos e tão hediondos que não poderia arcar com tanto peso, sendo eles de conhecimento público. Lula avalia que Dirceu não falará, pois se aniquilaria junto com ele.

Lula não é bobo, sabe das tretas. Sabe perfeitamente que a sua resistência em prestar um simples depoimento é extremamente desgastante para a sua já debilitada credibilidade, mas sabe que este desgaste é muito menos deletério do que depor e ficar amarrado nas próprias palavras. Deve avaliar que o exército de esqueletos do seu almoxarifado está por um fio e que, a qualquer momento, as mais diversificadas abusões podem assombrar o país, não pelo que a sociedade já intui, mas por ser bem mais extensa e perversa, a lista de crimes que foram cometidos em nome de um projeto banhado em megalomania e enxaguado em sociopatia.
Não existe blindagem infalível e sabemos que o pacto de silêncio sempre é quebrado e quando isso ocorre, as pontas expostas permitem um rastreamento dos acontecimentos. Todo ladrão sabe que a confiança depositada nos comparsas tem limitações e que a principal delas é justamente o fruto e a divisão do butim.
Desta forma, apenas com as informações públicas, estou convicto da impossibilidade de o Lula (e Dilma) não ser condenado. Imagino que ele está mais convicto, pois sabe de todos os delitos que cometeu. Daí a minha convicção de que a única solução, com um fiapo de esperança à sobrevivência política, é apostar num confronto institucional. Estou convicto de que a estratégia do PT é apostar num impasse institucional com o objetivo de criar uma cortina de fumaça sobre os crimes cometidos. Devem raciocinar (já que tudo está perdido na justiça) que havendo uma ruptura institucional (provocada por eles) criam a chance (tênue) de retornarem como vítimas. Em seus delírios, avaliam que um novo marketeiro esperto produzirá a mágica necessária para, mais uma vez, o sapo se transformar em príncipe. Para tanto necessitarão de dinheiro, mas isto é o que não falta neste país de famintos e bestializados. Perverso.