domingo, 22 de junho de 2014

Thiago Lacerda e o civismo mínimo

Thiago Lacerda e o civismo mínimo
Por Marcelo Cavalcante

O problema de se misturar fama com inteligência, conhecimento ou bom senso é sintoma de falta de inteligência, de conhecimento e de bom senso. É óbvio que uma pessoa que alcança a fama (pelos motivos mais diversos e prosaicos) não é, necessariamente, inteligente, instruído ou centrado, pois que a fama é apenas um predicado externo à pessoa. Pelé foi um excepcional jogador de futebol e as pessoas se espantam quando ele profere as suas costumeiras bobagens político-morais. Muito provavelmente, não fosse o futebol e certas circunstâncias, o cidadão Edson Arantes do Nascimento hoje seria um aposentado (com o mínimo) por ter trabalhado como balconista num pé-sujo de Bauru. Numa melhor hipótese ele poderia ter sido um servente de pedreiro na capital, mas a aposentadoria não melhoraria muito. Caso uma das hipóteses tivesse se concretizado, ninguém estranharia a opinião daquele senhor aposentado, posto que é um pobre coitado, que não estudou e que, portanto, não entende muita coisa.
Nestes dias, parece que o mais forte candidato ao Febeapê (Festival de Besteiras que Assola o País) é o ator (?) Thiago Lacerda que, não pelos seus vastos conhecimentos, mas apenas pela fama, tem suas declarações ecoadas pela mídia de famosidades. Primeiro, ele acha que o Paulo Betti não pode ser irônico diante de ações políticas levadas a cabo por seus colegas de profissão. Pode, sim. Agora, o ator global acha que o Diego Silva, um jogador de futebol, não poderia, sob hipótese alguma, aceitar jogar pela seleção espanhola, em detrimento da Amarelinha. Segundo ele, o cara tem que ter uma responsabilidade cívica mínima. Nem vou perguntar ao moço o que seria uma responsabilidade cívica máxima.
Com esse pensamento ele irá ao estádio do Maracanã vaiar o traidor da pátria, um menino que vai entrar em campo para jogar futebol. A pátria de chuteiras é isso, é essa miséria intelectual. E eu que pensei que disputas futebolísticas tivessem platéias que ali vão para ver um bom espetáculo...
Não conheço a vida pregressa do jogador Diego Costa, mas acredito que seja um cidadão que veio lutando com muitas dificuldades e chegou até onde chegou pelo talento que tem com a bola e que, por motivos de foro íntimo, fez uma opção que tem relação com a sua carreira e o seu futuro. Neste fato não há nada de ilegal ou imoral.
Entretanto, não me parece que o moço global esteja tão preocupado com RESPONSABILIDADES CÍVICAS, uma vez que NUNCA o vi cobrando este civismo mínimo dos ladrões públicos do país.
Talvez, o civismo (mínimo) do senhor Lacerda seja seletivo, ou melhor, temático, e esteja adstrito às questões futebolísticas, não importanto muito as incontáveis mazelas que acontecem diuturnamente neste país de miseráveis, onde um Estado nababesco (assessorado por uma elite fútil) assiste indiferente a um exército de pessoas (cada vez maior) dormindo nas ruas e comendo as lavagens recusadas pelas pocilgas das periferias.
Com o Lacerda, aprendemos mais uma lição: futebol é assunto patriótico ao passo que saúde, educação, moradia, fome, miséria são coisas que estão aí pela realidade, ao acaso, distantes da pátria e (principalmente) dos famosos (e ricos) por coisa nenhuma.

terça-feira, 17 de junho de 2014

Usando a decência para cometer indecências

Usando a decência para cometer indecências
por Marcelo Cavalcante

Notícia publicada no Consultor Jurídico (www.conjur.com.br) dá conta de que uma carta solicita que ministros do Supremo corrijam “violações” de Barbosa.
Sem entrar no mérito do pedido da tal carta, o meu primeiro estranhamento é uma carta endereçada aos ministros do Supremo vir a merecer tamanho destaque e ser levada em conta nas lides jurídico-legais.
Consta, no corpo da notícia, que a tal carta foi assinada por 300 pessoas, entre elas artistas, acadêmicos, jornalistas, políticos e membros da classe jurídica, como Wadih Damous, ex-presidente da seção do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil, e Takao Amano, membro da Comissão da Verdade da seccional paulista da OAB.
No seu conteúdo, podemos ler os nomes dos pretensamente injustiçados (Delúbio Soares, João Paulo Cunha, José Dirceu de Oliveira e Silva e José Genoíno), o que nos leva a crer que a mesma faz referência a um fato determinado.

O fecho da tal carta contempla a seguinte afirmação, com a qual concordo em número, gênero e grau:
“O desrespeito aos direitos de um único cidadão coloca em risco o direito de todos, e o Brasil já sofreu demais nas mãos de quem ditava leis e atos institucionais, atacando os mais elementares direitos democráticos”.

Mas tem uma coisa da qual discordo frontalmente e à qual dedico um nojo imenso, qual seja, o fato hipócrita de usar da decência para praticar atos indecentes. Nesse caso, a frase é correta, decente, entretanto o contexto é profundamente indecente, pois que objetiva apenas defender uns criminosos de escol e não “o desrespeito aos direitos a um único cidadão”, de uma forma geral.
Caso as intenções desses signatários da missiva fossem coerentes com a frase, todos eles já teriam escrito dezenas de milhares de cartas de igual teor, no pós-ditadura militar, uma vez que diuturnamente vemos (com rotineira e natural desenvoltura) direitos dos cidadãos serem desrespeitados de forma bem mais clara e perversa.

Um exercício interessante seria buscarmos as assinaturas destes signatários em outras cartas à Justiça, propugnando contra o desrespeito aos direitos de outros cidadãos. Caso não encontremos, podemos concluir que os signatários da missiva estão preocupados tão somente (e convenientemente) com os criminosos do mensalão e não com “o desrespeito aos direitos a um único cidadão”.

sábado, 7 de junho de 2014

A Xuxa, o senado e as pobres crianças

 A Xuxa, o senado e as pobres crianças
Por Marcelo Cavalcante

No início da década de 1970 me deparei com uma prática comunicacional que me deixou estarrecido e indignado. Tratava-se de uma notícia que não era notícia, uma vez que tinha como único objetivo colocar em evidência uma determinada atriz global. Ocorre que, hoje em dia, esse fato não causa estarrecimento ou indignação, pois que foi transformado em prática corriqueira. Nada mais natural vermos publicado e/ou difundido nos meios de comunicação de massa que a atriz fulana (às vezes nem tão famosa) desceu ao play do condomínio para brincar com o seu rebento que conta duas (Alice no país das maravilhas) primaveras entupidas de fausto e consumo conspícuo. Evidentemente isto não é uma notícia, pois milhares ou milhões de mães fazem o mesmo cotidianamente.
No início do presente século, deparei com uma banca de revistas na qual dois jornais da grande imprensa estampavam (na primeira página) a notícia de que a atriz (?) Cléo Pires tinha beijado o namorado na praia. Era um verão esplendoroso com as praias do Rio de Janeiro repletas de moças, seguramente alguns milhares delas beiçaram os seus namorados, ficantes, maridos, amantes e mesmo empregados, uma vez que já temos o personal scort para amenizar determinados fogos na bacorinha.
Acredito que, hoje em dia, mais da metade das matérias veiculadas pela mídia são deste jaez, ou seja, são falsas notícias uma vez que nada mais são do que marketing disfarçado, o tal merchandising. Apesar de ser medrado numa falsa aparência (uma mentira) de que se trata de uma notícia, a mídia faz largo uso deste expediente, pois sabe que tal enganação tem o poder adicional de não se caracterizar no que é: uma peça publicitária.
A grande jogada neste me engana que eu gosto, é o farto uso da ideologia, no que diz respeito ao esvaziamento da história. Observe-se que a maioria das notícias são veiculadas sem maior senso crítico na busca de justificativas para o fato de serem ou não notícias. A falta de antecedentes históricos faz as notícias surgirem como se geração espontânea, coisas que surgiram do nada e vão para lugar nenhum, exceto para o sucesso e os lucros dos envolvidos.
Então, a mutreta se estrutura na ocupação da mídia a qualquer custo, pois esta condição garante sucesso e dividendos altíssimos, independente do que seja ou do que se reporte. Mesmo quando famosos participam de campanhas filantrópicas (emprestando suas imagens gratuitamente), amealham ganhos elevados, pois que aumentam os seus cacifes mercadológicos.
Como disse acima, a ocupação do espaço midiático a qualquer custo, mesmo em situações absolutamente patéticas, é o maior desiderato do marketing desmesurado e é nesse corolário que encontro uma explicação plausível para a presença da apresentadora (?) Xuxa no Senado Federal, como convidada de honra, durante a aprovação da Lei da Palmada.
Convidar alguém para uma sessão em que não pode se expressar, não tem direito a falar, significa exatamente o quê? A entronização de um objeto estranho e desnecessário, um penduricalho que não soma nem diminui, embora um ícone de vazia simbologia, mas que, às custas do povo, dali retira enormes dividendos.
Quais foram os parâmetros seguidos para o convite recair exatamente sobre a rainha dos baixinhos? Seguramente apenas de perfumarias, pois temos no país pessoas que dedicam anos e anos de suas vidas ao estudo sobre a questão da criança, fizeram pesquisas, publicaram livros, etc.
Por via transversa, podem os energúmenos da objetividade arguir a escolha pelo fato de a tal senhora ser apresentadora de programas infantis. Ora, por que não convidar outras que fazem e fizeram a mesmíssima coisa?
Ocorre que a argumentação para o convite não encontra respaldo numa análise objetiva, uma vez que estamos falando de uma Lei polêmica que tem como maior objetivo aprofundar a intervenção do Estado na vida privada do cidadão e não na proteção das nossas crianças. Até onde conseguiu demonstrar ao grande público, a senhora Meneghel é versada em posar para revistas de mulher pelada, namorar o Pelé, fazer filmes de péssima qualidade, escolher um garanhão para ter um filho (eugenia?), apresentar programas infantis de apelo erótico, e ser uma pessoa pública, sem necessariamente ter grandes talentos, cultura ou predicados. Em suma, o seu maior feito é ser uma marca comercial, o que a desumaniza.
Outro argumento plausível seria o de que a Xuxa é uma mãe exemplar (tendo em vista a questão dos maus tratos às crianças). Pode ser, acredito sinceramente que ame a sua Sasha, assim como as Marias, Severinas e Goretes dos rincões amam os seus rebentos. O que não se coaduna é a questão dos maus tratos. Como uma pessoa como a apresentadora poderá entender as condições exasperantes de uma vida de misérias, de privações e bestializações que criam desesperos que culminam em maus tratos? Ora, isso não justifica os maus tratos. Claro que não, mas explicam, e esta explicação a Xuxa jamais entenderá, pois a sua vida de olimpiana lhe impõe tal interdição.
Nesta irresponsabilidade institucional, restou que a Xuxa colheu o seu espaço midiático e a Lei da Palmada foi aprovada e submetida à sanção presidencial.
Quais os dividendos que a sociedade colhe com a presença da loura nesta quadra de produção de factótens? Nenhum. Como podemos observar, ela defendeu o texto aprovado e negou que a lei vá punir pais que queiram educar os filhos. “As pessoas entenderam que não se trata de querer prender quem quer educar o filho. É mostrar que se pode educar, se deve educar sem violência. Ninguém vai ser preso por dar uma palmada como estão querendo dizer. Mas talvez um dia as pessoas vão entender que nem essa palmada é necessária, que se pode conversar”.
Esta frase acima demonstra que La Meneghel estava no Senado Federal apenas por força de sua marca (no trabalho estafante de angariar mídia) e bastava afirmar qualquer “boi com abóbora” e a coisa estava sacramentada. Afirmou que “As pessoas entenderam que não se trata de querer prender quem quer educar o filho” passando a régua na polêmica que ainda está a suscitar tal Lei. Ao afirmar que “É mostrar que se pode educar, se deve educar sem violência”, não lhe ocorreu que as leis são para ser aplicadas e dificilmente educam, mas constrangem a comportamentos determinados. Nesta lógica, fechemos as escolas e universidades e acabemos com a instituição da família, em substituição façamos leis. Qual a garantia que a Xuxa nos oferece ao afirmar o estapafúrdio de que “Ninguém vai ser preso por dar uma palmada como estão querendo dizer”? Além de não entender de criança (stricto sensu) ela não entende nada da realidade deste país onde as leis são interpretadas com a maleabilidade de um chiclete na boca de um adolescente. Finalmente, como corolário ao vazio de conteúdo ela nos brinda com uma paulocoelhada de fazer inveja ao próprio, afirmando que “Mas talvez um dia as pessoas vão entender que nem essa palmada é necessária, que se pode conversar”. Estupefato, concluo que ela saiu direto da Terra do Nunca, para o tal convescote no Senado Federal. Mas não descartando a afirmação abstrata (talvez um dia), concordo, pois acredito que talvez um dia as pessoas vão entender que nem a guerra é necessária, que se pode conversar; o diabo é que não usamos isso para aprovar ou desaprovar leis que causam efeitos concretos e imediatos em toda a sociedade e nem por isso os países deixam de aumentar os seus estoques de artefatos bélicos, embalados tão somente no talvez um dia xuxeano.
Por fim, fechando o circo de horrores do dia (a cada dia temos um), a tal Lei recebeu do Senado o nome de Lei Menino Bernardo, em homenagem ao garoto morto pelo pai e pela madrasta no Rio Grande do Sul. Haja forcação de barra, uma vez que o caso hediondo recentemente ocorrido (com intensa cobertura da mídia – deve ser por isso) não tem absolutamente nenhum vínculo jurídico com o caso do menino Bernardo.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

OS FIOS DA MEADA- Da ausência de responsabilidade do Estado



Em decisão acertada, no governo do FHC, foi instituída uma lei de responsabilidade fiscal, a qual tem por objetivo colocar um freio nas megalomanias e descontroles dos gastos públicos e, por tabela, coibir a roubalheira generalizada que grassa no setor público. Mas não temos muito a festejar, pois sabemos que, no Brasil, leis foram feitas para serem interpretadas e só aplicadas nos casos em que não afetam os interesses dos poderosos. Com pouco tempo de vigência desta lei constatou-se que as suas ordenações não estavam sendo cumpridas, mas serve aos administradores públicos como uma excelente justificativa para não executar determinadas obrigações que não tem interesse ou vontade política de executar. Isto serve, inclusive, como argumento para a não construção de escolas, o não aumento de salários dos professores, a não construção de postos de saúde, o não aumento de salários dos médicos, etc. Entretanto, nunca tive notícia de que algum prócer dessa República de Bananas arguiu a Lei de Responsabilidade Fiscal para impedir a roubalheira dos cofres públicos.
Essa diatribe acima serve como intróito para uma análise mais geral de como a lei e a democracia é formatada (na cabeça de uma elite esclerosada) e empurrada goela abaixo da sociedade.
A primeira distinção a se fazer é a de que, as leis no país, desde sempre e tradicionalmente, são criadas para uma sociedade idealizada e não real. Como exemplo recente, um babaca de um prefeito acha que dota de civilidade a cidade que ele “alcaideia” tal qual Paris ou Londres, com a simples promulgação de uma Lei que pune o cidadão que joga uma guimba de cigarro nas sujas calcadas de uma cidade suja. É duplamente babaca por desconhecer que várias gerações foram viciadas em tabaco, com o amplo beneplácito e concurso do poder público. É triplamente babaca (fingir) desconhecer que até bem pouco tempo, nenhum carro era construído no país sem cinzeiros, os ônibus tinham cinzeiros, e até nos hospitais os cinzeiros eram peças obrigatórias e que o fumo era bem visto e bemquisto em qualquer lugar (mesmo em elevadores cheios), visto que o tabagismo era tido como um valor positivo, mesmo necessário. Ok. Respeitemos as diarréias histéricas dos neo-naturebas, mas reconheçamos os costumes arraigados nos cidadãos.
A segunda, e crucial distinção, é observarmos que existe um fosso imensoooooo entre as Leis e a administração destas mesmas Leis pelos operadores da justiça. Há que se observar que, no contexto presente, existem duas esferas que se complementam: a lei e a sua aplicação. Bastassem as palavras o mundo viveria num estado idílico, melhor que os paraísos mais detalhadamente descritos em livros sagrados ou profanos. As palavras, para deixarem de ser meros discursos vazios, necessitam ser calcadas com atos concretos na realidade concreta e as Leis, por terem caráter e poder de constrangimento, devem ser as que mais necessitam obrigatoriamente de ter existência na concretude da sociedade como um todo (cidadãos e Estado). Por mais que se admita uma carga de subjetividade nas interpretações, não há como se tolerar a existência de exorbitantes assimetrias, questões idênticas terem decisões (sentenças, poder de polícia, etc.) totalmente opostas. Tais casos ocorrem corriqueiramente, de forma grosseira, com a maior naturalidade, como por notório exemplo, condenar uma mulher à prisão por furto de uma lata de bananada e absolver os menininhos ricos que queimaram um índio vivo, que dormia em praça pública. Tais discrepâncias não têm evidentemente nada a ver com interpretações subjetivas, mas tão somente com a imposição de um modelo de justiça que não é absolutamente igual para todos. Isto desmoraliza as leis e faz a sociedade descrer do poder público. Aliás, falando em corda em casa de enforcado, qual o respaldo moral de um Congresso, no qual verdadeiros (e conhecidos) bandidos aprovam leis?
A terceira distinção reside na assimetria com que o Estado controla os cidadãos e não controla os poderosos encastelados no poder do próprio Estado. Lembro que faz uns dez anos que caí na malha fina do nosso glorioso IRRF por um motivo prosaico, mas que levado com extremo rigor (como deveria ser com TODOS os cidadãos) pelos agentes do Leão. Simplesmente esqueci de declarar 100 reais que recebera da Faculdade, como serviços prestados (palestra). O contador explicou que não havia problema, uma vez que aquele valor não fazia NENHUMA diferença na apuração final. Qual o quê, seo moço! A Receita Federal me colocou dois anos na suspeição da malha fina. Até acharia justo, desde assim procedessem com TODOS, o que certamente não acontece. Num país onde pululam notórios ladravazes da coisa pública, com expressiva presença na mídia e ostentação de riqueza incompatível com os seus possíveis ganhos, nunca são incomodados ao passo que um humilde professor é acossado por causa de 100 reais não lançados na sua declaração. Mas isso indica, com certeza, que a Receita tem controle absoluto do que se faz ou deixa de fazer com dinheiro. Então, senhoras e senhores, como é que o Lula explica o seu patrimônio? Melhor, ainda, como é que a Receita não lhe cobra explicações? O ex-presidente é apenas um exemplo entre tantos outros que poderiam ser citados, mas acredito que nomear todos levaria uns duzentos anos e não creio que vá viver tanto. São tantos os casos no Judiciário em que procedimentos são levados a efeito de formas totalmente antagônicas, dependendo dos personagens envolvidos. Fico estarrecido com os rapapés e salamaleques com que a justiça trata os criminosos do (foram condenados = trânsito em julgado) mensalão, tanto quando do julgamento quanto na questão do cumprimento das sentenças. Não discuto se os procedimentos do STF no caso estão certos ou errados, mas questiono simplesmente se este é o procedimento padrão dispensado a TODOS os brasileiros, se é assim que Suas Excelências mandatárias das Execuções Penais agem de plano.
Tenho a expectativa de que, de um momento para outro, o menino vai gritar que o rei está nuzinho em pelo e esta arquitetura de fracaria desaba feito jaca madura. A desenvoltura com que os ladrões públicos desfilam nos noticiários cotidianos só rivaliza com a infalível impunidade que lhes é reservada/assegurada.
Mas tais penduricalhos de privilégios de classe são perfumarias, se comparados à in-co-men-su-rá-vel irresponsabilidade com que os agentes públicos atuam sem serem responsabilizados. Os Congressistas do país contam com inúmeros assessores e o próprio Congresso Nacional gasta uma fábula para ter informações de qualidade, além de poder fazer as consultas que desejar a quaisquer experts deste mundo e do outro. Apesar de contar com esta parafernália de meios (ilimitados), como é que o Congresso Nacional consegue aprovar leis (que são sancionadas pela Presidência da República) que posteriormente são consideradas inconstitucionais? Tal ocorrência deveria ser rara (caso fortuito) e, entretanto, tornou-se fato corriqueiro. Dependendo da matéria de que trata, uma Lei pode interferir, prejudicar ou constranger a vida de milhões de cidadãos e depois de causar os seus efeitos (indevidos, pois causados por uma lei que não poderia ter existido), é considerada revogada e NINGUÉM tem nada com isso, ninguém é cobrado pelos prejuízos e transtornos causados a milhões de cidadãos. Ora, isso é próprio da democracia... Não, não é. Em defesa dos congressistas que aprovam uma Lei inconstitucional, podemos arguir que erraram. Ok. Ocorre que cometeram um erro que poderia ser evitado, pois tiveram tempo e assessoria (em todos os níveis) para evitar o erro. Passa batido, como se natural, e ninguém é responsabilizado. Entretanto, o cidadão comum, comete um erro, no qual ele não teve tempo nem assessoria, e é submetido aos ditames das Leis que o responsabilizam por toda sorte de dano que cometeu acidentalmente.
Daí que, por exemplo, um prefeito de uma pequena cidade resolve desapropriar um terreno de uma grande empresa incorporadora, ninguém liga ou toma conhecimento. Ocorre que este mesmo prefeito não paga a indenização devida e ninguém protesta ou toma conhecimento. Daí que a procuradoria (ou advogados) da prefeitura (industriada pelo prefeito) perde a causa e a sentença vem pesada, normalmente com um valor absolutamente incompatível (acima) com o valor original (e aí tem inúmeras formas de artificializar a traquitana), ninguém se estarrece (muito menos os MPs). Em seguida, esta sentença é transformada em precatório comum e entra na fila dos credores. Sobre este fato repousa um silêncio sepulcral. Ocorre que um dia, numa fila em que prioridades alimentares foram arregadas pela própria justiça, este precatório entra na vez de ser honrado. Aí o bicho pega (mas nem tanto) e o iceberg começa a procurar o seu Titanic. Neste exemplo, cabem absurdos os mais variados, os mais estapafúrdios que a criatividade humana tem capacidade de inventar. Acontece que a prefeitura tem um orçamento anual no valor de 500milhões e o precatório tem um valor de 400 milhões. Sem contar com a roubalheira que acontecerá no rastro do tal precatório, segundo o limite (estabelecido em lei) de 2% ao ano para tais pagamentos, a prefeitura levará 40 anos para pagar o que transitou em julgado. Ocorre que o titular do precatório não se estertora em desespero, uma vez que, ao receber a primeira parcela, já ressarciu aquele terreno original e os 390 milhões restantes virão nos próximos 39 anos. É só isso? Claro que não, tem a parte mais perversa (que deve deliciar os juristas sádicos) que se traduz no fato de que TODOS os demais precatórios (alimentares ou não) da fila terão que esperar o pagamento deste que demorará o pequeno espaço de tempo de 40 anos. Podemos piorar ainda mais esta história? No Brasil, sempre é possível, entende? Uns 30 anos se passam (enquanto isso, na fila dos precatórios vários cidadãos já faleceram sem ver tostão) e um turista desinformado vendo um terreno abandonado, com a cerca derribada pelo corroer das intempéries, tenta se informar do proprietário e descobre que é um terreno da prefeitura. Acredito que o leitor já adivinhou de que terreno estamos falando... Pois é, o terreno que foi desapropriado, encalacrou a prefeitura em dívidas, ferrou com a vida de inúmeros cidadãos que ganharam ações na justiça e nunca foi usado para nadica de nada. Mesmo que fosse uma tramóia (ladroagem) recente, nestes casos, ninguém é processado e muito menos vai para a cadeia, mas normalmente este processo se esconde atrás do biombo do passar dos anos que garante ao RESPONSÁVEL pelo dano uma coisa jurídica chamada prescrição.

Sei que toda estrutura de poder tem necessariamente que proteger os seus interesses determinados e a melhor forma de implementar isso é através da ideologia, num jogo de prestidigitação em que faz a sociedade como um todo acreditar que as regras são honestas e garantem igualdade para todos. Não é verdade, mas tem a aparência de verdadeiro. No Brasil, as nossas elites são tão incompetentes e arrogantes que deixam escancarado um panorama nítido no qual igualdade e privilégios são para quem pode e não para um poviléu embrutecido e bestializado por uma mídia inescrupulosa que vem convencendo a todos que a felicidade na vida é torcer pelo Flamengo, escutar pagode (tem piores) e acreditar que a Xuxa está preocupada com os destinos das crianças do país.