Sinceramente
não entendi por que um fato tão corriqueiro ganhou tamanho espalhafato na
mídia. Confesso que ainda não entendi a importância que estão dando à proibição
da circulação da Revista IstoÉ.
Bastou a
justiça tomar uma decisão corriqueira para que, inesperadamente, o mundo vir a
baixo. Ora, senhoras e senhores, desde o ano de 2001 que a realidade nua e crua
me ensinou e comprovou que esse negócio de retirar revistas e jornais das
bancas é uma prática legal e corriqueira. Custei a acreditar que tão
importantes instituições manifestassem indignação por tão pouco. A Federação
Nacional de Jornalistas, a Associação Brasileira de Imprensa e até mesmo a
Sociedade Interamericana de Imprensa condenaram o ato, clamando por liberdade
de imprensa e condenando a existência de censura prévia na terra do pau de
tinta.
Não entendi
muito bem o porquê de tanta celeuma, uma vez que existe uma lógica muito bem
argumentada pela pretensa vítima, o Cid Gomes, qual seja: “a investigação ainda
não terminou e corre sob sigilo processual e que, desta forma, a divulgação não
poderia ocorrer, já que são sigilosas”. Concordo que é uma argumentação meio
fraquinha, posto que o STF já proferiu decisão em contrário e que, no entender
da nossa mais alta corte, o segredo de justiça não alcança a imprensa.
Mesmo assim,
continuo não entendendo tanta celeuma em torno do que, para a minha humilde
pessoa, trata-se de um fato corriqueiro, pois assim me mostrou a justiça, a
realidade e a consumação dos fatos.
No ano de
2001, com muitas dificuldades e custeando com dinheiro do próprio bolso (a
única forma de um jornal interiorano ser independente), escrevia e publicava um
jornal em Teresópolis/ RJ. Certamente desagradava a todos, uma vez que não
tinha lado, ou seja, não tinha nenhum vínculo com os poderosos (situação ou
oposição) e os criticava pelos seus atos e não pelas suas cores partidárias.
Apesar das ameaças veladas e do ranger de dentes, nunca me afrontaram de forma
franca e nem tentaram me censurar até o dia em que decidi abrir uma manchete
que era a expressão verdadeira dos fatos: Nilton
Salomão premia traficante. Os fatos incontestáveis e a documentação exposta
comprovavam que o deputado Nilton Salomão concedera título honorífico da Assembleia
Legislativa do RJ ao Elias Kanaan que era (?) reconhecidamente um traficante
internacional de armas. O que sei é que o desenlace foi muito simples, rápido e
rasteiro, dentro do nosso cotidiano hipócrita: o deputado solicitou e o juiz
Paulo Maximiniano Tostes mandou fazer a apreensão da edição do jornal. Claro e
evidente que as fímbrias da justiça se encarregaram para que este processo
nunca tenha sido julgado no mérito, ou seja, atendeu aos interesses do poderoso
e depois sumiu.
Ingênuo,
acreditando que isso não podia acontecer num país democrático, esperneei
enviando a informação para os meios de comunicação e ninguém se dignou a
escrever uma única palavra sobre os atos e fatos ocorridos. Cheguei a escrever
em um livro (O poder das latrinas) que se o mesmo viesse a acontecer com um
membro da grande imprensa, ia acontecer uma enxurrada de protestos e notícias.
Não deu outra.
Numa
democracia de conveniências, numa democracia pelo alto, portanto, numa
sociedade hipócrita, a justiça censurar um jornalzinho interiorano, apesar da
ilegalidade, não merece atenção ou importância, como se estes fatos estivessem
fora da realidade, como se a lei não fosse para todos. Os inúmeros jornais
modestos espalhados pelo país podem ser recolhidos pela polícia (a mando do
Judiciário) que não suscitará maiores indignações, notícias ou protestos.
Entretanto, quando envolve mídias parrudas a postura ganha o avesso e a
gritaria ribombeia ensurdecedora.
Acredito que
o poema de Bertolt Bretch bem pode resumir o meu desencanto com uma sociedade
cindida entre o desejo de ser e a impossibilidade de agir de forma justa e
igualitária.
Na primeira noite, eles se aproximam e
roubam uma flor do nosso jardim: não dizemos nada.
Na segunda, já não se escondem. Pisam as
flores, matam o nosso cão e não dizemos nada.
Até que um dia o mais frágil deles entra
sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos
a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
Marcelo
Cavalcante
ótimo artigo! todo mundo que enche a boca para apregoar a tão falada "liberdade de imprensa" na verdade, na maior parte das vezes, está pouco ligando para isso e sim para os interesses de mercado ou ideológicos que defende.
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