quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Bertolt Bretch e a censura à revista Istoé

Sinceramente não entendi por que um fato tão corriqueiro ganhou tamanho espalhafato na mídia. Confesso que ainda não entendi a importância que estão dando à proibição da circulação da Revista IstoÉ.
Bastou a justiça tomar uma decisão corriqueira para que, inesperadamente, o mundo vir a baixo. Ora, senhoras e senhores, desde o ano de 2001 que a realidade nua e crua me ensinou e comprovou que esse negócio de retirar revistas e jornais das bancas é uma prática legal e corriqueira. Custei a acreditar que tão importantes instituições manifestassem indignação por tão pouco. A Federação Nacional de Jornalistas, a Associação Brasileira de Imprensa e até mesmo a Sociedade Interamericana de Imprensa condenaram o ato, clamando por liberdade de imprensa e condenando a existência de censura prévia na terra do pau de tinta.
Não entendi muito bem o porquê de tanta celeuma, uma vez que existe uma lógica muito bem argumentada pela pretensa vítima, o Cid Gomes, qual seja: “a investigação ainda não terminou e corre sob sigilo processual e que, desta forma, a divulgação não poderia ocorrer, já que são sigilosas”. Concordo que é uma argumentação meio fraquinha, posto que o STF já proferiu decisão em contrário e que, no entender da nossa mais alta corte, o segredo de justiça não alcança a imprensa.
Mesmo assim, continuo não entendendo tanta celeuma em torno do que, para a minha humilde pessoa, trata-se de um fato corriqueiro, pois assim me mostrou a justiça, a realidade e a consumação dos fatos.
No ano de 2001, com muitas dificuldades e custeando com dinheiro do próprio bolso (a única forma de um jornal interiorano ser independente), escrevia e publicava um jornal em Teresópolis/ RJ. Certamente desagradava a todos, uma vez que não tinha lado, ou seja, não tinha nenhum vínculo com os poderosos (situação ou oposição) e os criticava pelos seus atos e não pelas suas cores partidárias. Apesar das ameaças veladas e do ranger de dentes, nunca me afrontaram de forma franca e nem tentaram me censurar até o dia em que decidi abrir uma manchete que era a expressão verdadeira dos fatos: Nilton Salomão premia traficante. Os fatos incontestáveis e a documentação exposta comprovavam que o deputado Nilton Salomão concedera título honorífico da Assembleia Legislativa do RJ ao Elias Kanaan que era (?) reconhecidamente um traficante internacional de armas. O que sei é que o desenlace foi muito simples, rápido e rasteiro, dentro do nosso cotidiano hipócrita: o deputado solicitou e o juiz Paulo Maximiniano Tostes mandou fazer a apreensão da edição do jornal. Claro e evidente que as fímbrias da justiça se encarregaram para que este processo nunca tenha sido julgado no mérito, ou seja, atendeu aos interesses do poderoso e depois sumiu.
Ingênuo, acreditando que isso não podia acontecer num país democrático, esperneei enviando a informação para os meios de comunicação e ninguém se dignou a escrever uma única palavra sobre os atos e fatos ocorridos. Cheguei a escrever em um livro (O poder das latrinas) que se o mesmo viesse a acontecer com um membro da grande imprensa, ia acontecer uma enxurrada de protestos e notícias. Não deu outra.
Numa democracia de conveniências, numa democracia pelo alto, portanto, numa sociedade hipócrita, a justiça censurar um jornalzinho interiorano, apesar da ilegalidade, não merece atenção ou importância, como se estes fatos estivessem fora da realidade, como se a lei não fosse para todos. Os inúmeros jornais modestos espalhados pelo país podem ser recolhidos pela polícia (a mando do Judiciário) que não suscitará maiores indignações, notícias ou protestos. Entretanto, quando envolve mídias parrudas a postura ganha o avesso e a gritaria ribombeia ensurdecedora.

Acredito que o poema de Bertolt Bretch bem pode resumir o meu desencanto com uma sociedade cindida entre o desejo de ser e a impossibilidade de agir de forma justa e igualitária.

Na primeira noite, eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim: não dizemos nada.
Na segunda, já não se escondem. Pisam as flores, matam o nosso cão e não dizemos nada.
Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Marcelo Cavalcante

Um comentário:

  1. ótimo artigo! todo mundo que enche a boca para apregoar a tão falada "liberdade de imprensa" na verdade, na maior parte das vezes, está pouco ligando para isso e sim para os interesses de mercado ou ideológicos que defende.

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