Na esteira de uma
crise institucional, com reflexos socioeconômicos, o país mergulhou num debate
que, apesar de seus aspectos didático-pedagógicos, tem extrapolado os limites
da democracia e mesmo da civilidade.
Particularmente, não
tenho dúvidas de que os sucessivos governos do PT trabalharam numa
reconfiguração do patrimonialismo, redirecionando-o com o fito de atender
apenas aos interesses de um grupo dentro da elite do poder. Tal arquitetura
implicou na tentativa de total aparelhamento do Estado, com a ramificação de
agentes partidários em todos os segmentos produtivos e decisórios, ou seja, o
controle absoluto da riqueza e do poder no país.
Esquecem os
militantes e simpatizantes defensores do PT, apesar de usarem como argumento de
defesa dos seus correligionários condenados por crimes, que o patrimonialismo
nacional sempre teve um caráter vertical, propiciando às elites em geral os
privilégios de cores e matizes variados. Não se destrói impunemente um pacto
histórico que está na gênese de um país como o Brasil, e que conta mais de
cinco séculos. Mesmo porque levado a cabo por um líder, que dizem carismático,
e um exército de aloprados. É delírio acreditar que uma parte da nossa elite se
renderia resignadamente a desígnios que a alijaria do poder, das decisões e dos
privilégios.
Os sistemas de
controle demonstram que é (quase) impossível os roubos da coisa pública sem a
sua consequente detecção e, entretanto, sabemos que eles ocorrem, se
multiplicam e se perpetuam diuturnamente. Em seus mais de 5.500 municípios,
podemos contar nos dedos os que agora (neste momento!) não estão sendo vítimas
de um peculato, uma roubalheira, uma pixulecada. Então, identifica-se
claramente uma contradição: como pode prosperar uma roubalheira generalizada
num sistema que tem mecanismos formais (e legais) de controle efetivo? Tal
contradição só encontra explicação no óbvio: para haver impunidade se faz
necessário agir em formato de quadrilha, com membros quadrilheiros suficientes
à garantia da não descoberta dos crimes cometidos (em profusão).
O governo conta com
um sistema de controle tão sofisticado que é rotineiro o cidadão (comum) cair
na malha fina da Receita, por não ter declarado um recebimento de 100 reais
(aconteceu comigo!). Desta forma, a não detecção de movimentações ilegais
vultosas, de milhões e milhões de dólares, só é possível com a intervenção de
instâncias que detêm o mando destes controles. O mesmo serve para os três
poderes desta República nada republicana.
Como é difícil comer
melado sem se lambuzar, os abusos sobre a coisa pública ganham aumento
exponencial ao ponto de um desvio de 1 bilhão ser considerado troco, dinheiro
de bolso.
Tenho convicção de
que os desmandos para com a coisa pública não têm limites (nem nunca terá),
pois a nossa elite não tem freio em suas idiossincrasias (nem nunca terá). Esta
minha afirmação entra em contradição com a realidade presente, em que nos
deparamos com olimpianos endinheirados e poderosos condenados e encarcerados e
mesmo um ex-presidente sendo encurralado por investigações que seguem uma esteira
de indícios robustos de grossa maracutaia para enriquecimento pessoal. O que
está acontecendo?
Toda vez em que há
uma tentativa de quebra do tal pacto patrimonialista, que tem existido desde a
descoberta do país, a parte prejudicada (alijada dos privilégios) reage usando
(hipocritamente) como arma a estrita legalidade. Para tanto se alia (momentânea
e oportunisticamente) aos princípios da cidadania.
O pacto
patrimonialista funciona azeitadamente e navega em céu de brigadeiro nos
(longos) períodos em que toda a elite exerce e frui os privilégios e entra em
crise quando apenas parte da elite tenta monopolizar tais privilégios.
Isso ocorreu com o
regime militar quando cometeu a sandice de estabelecer regras (AI5, 477, por
exemplo) que apartavam berços abençoados e coroados do mando e usufruto de
privilégios. Claro que a falange excluída reagiu, pois que, enquanto elite, tem
poder de articulação. Ao invés de construir um discurso (sincero, mas não
funcional) de que queriam seus direitos (patrimonialistas) de volta, os
jabarandaias exilados e excluídos lançaram mão da palavra tão cara aos ouvidos
dos ingênuos e românticos de diversas cepas: redemocratização! Vieram as
diretas e a democracia que, de lá para cá, nada mais foi que um simulacro onde
não cabe minimamente a cidadania plena.
O mesmo aconteceu (em
outro formato) com o governo Fernando Collor que sinalizou que roubaria
sozinho. Não pode! A partir deste momento as instituições (e a lei) passam a
funcionar com rigor (que deveria ter sempre, pois que instituído em lei) e as
mazelas Colloridas passam a surgir em profusão maior que xuxu na cerca. Mais
uma vez, as elites, aliadas à plebe ignara, destronaram o aquillo roxo
alagoano, após o que, as instituições afrouxaram suas tenazes e todos
perseveraram em conúbio carnal, estuprando a coisa pública.
Com a ascensão do PT
ao poder, logo nos primeiros passos, ficou claro que a companheirada não
atingira o poder para cumprir o discurso ético cantado e decantado por anos,
mas para aferir vantagens pessoais e partidárias, a qualquer custo. Foi neste
desiderato que construiu com desenvoltura impressionante uma
institucionalização quadrilheira (nunca antes ousada) que buscava monopolizar o
assalto ao Estado. Claro, mais uma vez, que esta quebra do pacto ancestral redundou
(como sempre) numa reação de parte da elite, a que foi alijada das benesses e
privilégios, usos e abusos. Tal reação veio, como sempre, com forte apelo à
cidadania, junto às massas, com o mote emblemático (quimera no Brasil) de
justiça para todos.
Os petistas balbuciam
defesas vazias, desentocam teorias conspiratórias da mídia, tartamudeiam teses
jurídicas indefensáveis. Mesmo porque, em verdade, enfiaram o pé na jaca e
cometeram crimes de avantajados calibres. Em último jus sperniandi, como
defesa, passam a argumentar que outros governos fizeram o mesmo: roubaram a
coisa pública. Verdade! Nossos governos são corruptos (e serão ad aeternum)
em função do pacto das elites. Dessa forma, os inúmeros e onipresentes crimes
contra a coisa pública ganham legitimidade (e impunidade) quando perpetrados
pela elite consensual e, por seu avesso, se cometidos por uma fração da elite,
se transformam em escândalos (adesão popular) puníveis pelo rigor das leis
(antes frouxas). Neste ponto chegamos ao patético, senão trágico, axioma do saudoso
e fundamental Stanislaw Ponte Preta: Ou restaure-se a moralidade ou
locupletemo-nos todos!