Eis que resolvi
escrever o terceiro livro que fecha uma trilogia de ficção política. O seu primeiro
tomo, Alvoradas de Mercúrio, trata
dos chamados anos dourados, um tempo onde imperava a maldade do poder sob um
disfarce de ingenuidade. Existia um pudor a recobrir o vilipêndio da coisa
pública, como recomenda Maquiavel e as boas (?) lições da ideologia na busca e
manutenção do poder.
No segundo livro,
Noites de Chumbo, me debruço sobre o
período da ditadura militar e suas intervenções materiais na realidade brasileira e seus incômodos à lógica burguesa, que se autodefinia como democrática.
Este terceiro e
último romance, Dias de Cádmio, traça
um panorama da democracia restaurada e busca analisar até onde é possível
desfigurar o conteúdo de uma palavra sem que ela perca totalmente o significado
original.
Os capítulos
finais deste último livro enfoca a ascensão do PT ao poder e a sua trajetória
até a presente data e os melancólicos descaminhos de sucessivos escândalos que
desembocaram no chamado Petrolão.
Livro terminado,
dever cumprido, não fosse um surto imaginativo que me levou a especular e
rascunhar um possível roteiro alternativo, qual seja, a possibilidade de que
tudo que ocorre na atualidade – os estertores de um partido que se formou e
ganhou expressão nacional baseado em ideais éticos, que o diferenciava dos
demais partidos até então existentes no país – se trata de uma conspiração da
direita que estruturou uma trama gigantesca para enlamear e derruir o Partido
dos Trabalhadores, vencedor de quatro sucessivas eleições e governando o país
por quatorze anos.
O mais
fundamental princípio da ficção é exatamente e infinita liberdade que o autor
goza. Entenda-se infinita em sua plenitude, posto que a única limitação reside
na própria riqueza imaginativa do ficcionista. Destarte, num ambiente despido
dos limites da realidade, tudo se torna possível e verossímil de acontecer. Doce
magia, tenebrosa tortura.
Confesso que
escrevi quarenta páginas de uma ficção na qual o Lula e o PT são vítimas de uma
conspiração (inclusive de forças internacionais) que tem por finalidade
recolocar o país nos trilhos cáusticos do pensamento neoliberal, principalmente
em termos econômicos. Claro que trama de tamanha envergadura envolve uma gama
imensa de personagens poderosas em constante produção de mentiras e engodos.
Temos (no texto ficcional) todo o aparato policial do país forjando provas
(documentais e delações verbais), mesmo porque tem a facilidade de ser subordinado
ao ministro da Justiça que odeia a presidente que o nomeou; um Judiciário conduzindo
os processos de forma atrabiliária e prolatando sentenças perversas e até o
Supremo Tribunal Federal obedecendo a ordens emanadas da oposição, motivado por
ter a maioria dos seus membros indicada pelos governos petistas. Neste cenário,
os indicadores econômicos depauperados são verdadeiras peças fantasiosas, inventadas
por maquiavélicos coxinhas e os panelaços e manifestações populares nada mais
são que peças filmadas por Spielberg. Claro, tudo isso fartamente divulgado
pelos meios de comunicação que estão descontentes com o brutal AUMENTO da verba
institucional para propaganda que governo do PT providenciou em consecutivos orçamentos. Evidentemente
que o impeachment da presidente Dilma é (indubitavelmente) um golpe na
democracia, posto que está democraticamente capitulado na Constituição cidadã. Estes
mesmos integrantes da mídia transformaram o Cunha (um coadjuvante – mero
integrante da quadrilha) no protagonista do Petrolão, mesmo sabendo-se que não
existe quadrilha e muito menos Petrobras. O Lula e seus filhos (que trabalharam
duro e em condições insalubres, por anos e anos) são injustamente (os robustos
indícios são meros detalhes, filigranas da razão) acusados de enriquecimento
ilícito e, entretanto, moram de favor em suntuosas residências de amigos. Os
mais conceituados advogados (e mais caros), defensores dos petistas encalacrados
(vítimas inocentes, verdeiros heróis do povo), assinam um manifesto onde
denunciam a continuidade da prática de julgamentos inquisitórios, como sempre
aconteceu no país, quando se trata de punir os ricaços e poderosos... Mesmo
porque a ciência já comprovou que estes surtos de probidade e impessoalidade (endurecimento
da Justiça no lombo de jabarandaias), nada mais é que o resultado de uma doença
(Síndrome Petrallhus) advinda do anglicanismo asiático, cominada com o ovo da
Zika em conjunção com os trezentos avessos da presidente Dilma.
Desanimado,
desisti da empreitada, pois fui assaltado (epa!) por uma estranha sensação de
que, publicando tais delírios, poderia ser incensado como o escritor que transformou
Kafka num amador, num desnutrido aprendiz de absurdez.
Aliás, os reais delírios
petistas suplantam em muito o meu esforço ficcional e desafiam a minha fértil imaginação,
mesmo porque perto deles o Kafka é pinto!