sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Os Correios e o monopólio da arrogância

No Brasil, baseado na Lei nº 6.538/1978, a Empresa de Correios e Telégrafos – ECT detém o monopólio de entrega de correspondências e encomendas. Tal situação já foi questionada no Supremo Tribunal Federal, que o manteve. Em sua história, a credibilidade dos Correios esteve periclitante, depois melhorou, depois piorou... Vive numa eterna gangorra, pois que não consegue estabelecer um padrão de qualidade estável. Hoje se acha num estado de catalepsia. A situação é parecida com aquela em que todos estão no velório, de olho no caixão, na esperança de que o falecido se levante e solicite uma caipirinha pra desenferrujar a goela.
Além de ser um monopólio, ou por isso mesmo, a postura da ECT é arrogante e dita a seu bel prazer as condições assimétricas de como cumprirá a sua parte na prestação de seus serviços. Não bastasse, quando não cumpre, fica tudo por isso mesmo, pois não se digna a prestar satisfações aos prejudicados. Aliás, esta agência governamental trata os prejudicados, as vítimas, como culpados e, ao invés de punir ou consertar os erros cometidos por seus servidores, se limita a fazer exigências aos cidadãos prejudicados.
Atualmente existe um sério problema no Rio de Janeiro, mais precisamente no Centro de Tratamento de Benfica, onde fica reunida toda sorte de encomendas ou cartas. Neste mês de dezembro, os atrasos são tão notórios e absurdos que chegaram a ser motivo de matéria da Rede Globo de Televisão e na matéria, a ECT se limitou a dar como justificativa, uma verdade parcial, portanto uma rotunda MENTIRA. A justificativa foi a de que a ECT tem dificuldades de entregar encomendas (em geral) em áreas de riscos. A mentira reside no fato de que os Correios não estão fazendo entregas em TODA A CIDADE, ou seja, no seu entender, a cidade é uma imensa e indistinta área de risco.
Evidentemente, a desculpa das festas de fim de ano cai como uma luva, mas não justifica o que está ocorrendo, pois mercadorias normalmente entregues em 6 dias já completaram mais de mês de atraso. Em todo o país, com as festas, o movimento dos correios aumenta. Por que só no RJ este atraso é tão calamitoso?
Decerto aconteceu (e continua acontecendo) alguma coisa mais séria e a instituição prefere mentir para a população a revelar a verdadeira causa da catástrofe. Não há a mínima preocupação com transparência, ou será que a causa é tão inconfessável que derrubaria o governo mambembe da Dilma e levaria o Lula para a cadeia? Ou será que o chefete responsável por esta baderna está em Paris aproveitando a vida mansa?

Pois é; na ausência de transparência, de uma explicação razoável e diante de tantos desmandos na coisa pública, a cidadania tem direito de desconfiar de tudo e de todos. E pensar que é por este caminho que pensam construir uma sociedade decente e respeitadora das leis e dos direitos dos outros...

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Autoestima se mede através dos ganhos pecuniários?



O presidente do Supremo Tribunal Federal, além de ocupar o cargo de tamanha relevância na República é, também, o quarto personagem na sucessão presidencial. Desta forma, apesar de ocupar um cargo técnico (por indicação política), tem funções políticas e responsabilidades que vão além da toga. Neste momento, tal cargo é ocupado pelo Ministro Ricardo Lawandoski que, consoante a ladainha pra engrupir os otários, é portador de profundo saber jurídico e ilibada conduta moral. Ocorre que, mal assumiu, o ministro ficará presidente da República, por conta da viagem da Dilma, do Temer, do Henrique Alves e do Calheiros. Esses políticos da linha sucessória evitam assumir a presidência por questões legais, as leis eleitorais.
Vivemos num país onde a maioria esmagadora da população recebe salário mínimo e que milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza. Vivemos num país onde, apesar dos dados oficiais, a favelização é crescente, assim como a presença de pessoas vivendo nas ruas e se alimentado de restos tem aumentado exponencialmente. É neste cenário de miséria que o Ministro-Presidente do Supremo Tribunal Federal, Lewandowski entende necessário o aumento dos salários dos servidores (inclusive o dele) por ser medida crucial para devolver a "autoestima" aos magistrados.
Creio que a sociedade em geral não tinha conhecimento de que os nossos magistrados estavam com a autoestima batendo biela e seria muito conveniente o ministro explicitar para a patuleia infame as razões do desânimo dos nossos magistrados. Decerto que não é por culpa da sociedade que se mantém cordeirinha e não ousa desobedecer ou discutir o transitado em julgado, pois é de conhecimento geral que quem costuma fazer tais sortilégios é o próprio Estado, como por anos e anos assim procedeu, não pagando os precatórios (transitados em julgado).
Creio que o ministro-presidente deveria ser mais explícito nesta sua generalização inconsequente e acredito piamente que ele deveria ser mais sincero no seu apreço canino a essa sua desabrida manifestação corporativa. Ao condicionar autoestima a salários cada vez maiores, o ministro afirma que a autoestima do povo em geral está em petição de miséria (literalmente).
A impressão que guardei do episódio é a de que o ministro comunga daquela ideia burguesa na qual as madames costumam afastar o tédio (dar um upgrade na autoestima) fazendo compras compulsivas. Da mesma forma, o entender do Lewwandovski é que, turbinando os salários dos ministros, estes se sentiriam menos frustrados por viverem nababescamente, apesar de não atenderem às reais necessidades da nação a que deveriam servir.
Não mais nos estarrece o fato de homens públicos fazerem declarações tão pueris e de vasta insensibilidade, pois se os nossos magistrados estão com baixoestima em função de salários de 29,4 mil (mais as “ajudas” e mordomias outras), o que dizer da autoestima do trabalhador cujo salário mínimo é de 724,00?

O futuro presidente (interino), deveria usar de sinceridade ou mesmo ter mais pudor e restringir a afirmação cínica, à sua pessoa, pois acredito sinceramente que muitos desembargadores não estão com a autoestima em baixa, mas que, em função deste aumento arbitrário se sentirão constrangidos e talvez seja a causa de baixoestima de alguns.

Marcelo Cavalcante

domingo, 21 de setembro de 2014

O Supremo e a pimenta no fiofó dos outros

Tudo nos leva a crer que a única prioridade da justiça brasileira é a do contrassenso. Os seus exercícios cotidianos, com o fito de garantir privilégios, se equiparam a malabarismos circenses de difícil execução. Neste desiderato, não mais são levados em conta os fatos, a coerência ou a decência mínima que requer a condução da coisa pública.
Leio em notícia publicada no site oficial da Suprema Corte, intitulada “STF reafirma impossibilidade de fracionar execução contra fazenda pública”, na qual, no relatório do MD. Ministro Gilmar Mendes, há a afirmação de que é pacífica a vedação de fracionamento em execução contra a Fazenda Pública. Fechando a notícia, temos a afirmação do ministro-relator de que:
“Quanto ao argumento de que as verbas em questão têm natureza alimentar, ele citou precedentes do Tribunal nos quais se assentou que, mesmo nesses casos, é imprescindível a expedição de precatório, ainda que se reconheça, para efeito de pagamento do débito fazendário, a absoluta prioridade da prestação de caráter alimentar sobre os créditos ordinários de índole comum”. (grifo nosso).

Efetivamente, a Constituição não deixa dúvidas sobre a absoluta prioridade dos precatórios alimentares sobre os demais. Entretanto, na prática, o que tem sido executado pelos tribunais, é que a prioridade dos precatórios não é absoluta e quase inexiste, uma vez que foi reduzida a uma prioridade apenas DENTRO DO ANO DE SUA FORMAÇÃO. Tal prática foi instituída (pelos operadores da justiça) com a finalidade de protejer os interesses dos poderosos que são titulares de precatórios milionários, muitos dos quais resultantes de maracutaias do arco da velha. Tal prática tem criado verdadeiras IMPRIORIDADES, como, por exemplo, no município de Teresópolis, em que dois precatórios COMUNS mais antigos somados atingem mais de 80% dos débitos precatoriais. Pela atual sistemática eles, apesar de COMUNS, por serem os mais antigos, estão sendo quitados em detrimento dos precatórios alimentares. Pela sistemática antiga (PEC do calote) o município levaria uns 12 anos para quitá-los e só após é que passaria a pagar os precatórios alimentares (do ano subsequente).
Sobre esta questão, o ilustre presidente da Comissão de Precatórios da OAB, Marco Antonio Innocenti escreveu um livro no qual demonstra a ABSOLUTA PRIORIDADE que deveriam gozar os precatórios de caráter ALIMENTAR.
Há que se salientar, apenas por raciocínio lógico, que os precatórios alimentares são compostos, em sua maioria esmagadora, por valores modestos que não atravancam a fila. Não se tem conhecimento de precatório alimentar no valor de milhões, como é usual ocorrer nos precatórios comuns. Ou seja, os pagamentos de precatórios alimentares não impedem o pagamento aos portadores de precatórios comuns, mas o contrário está sistematicamente acontecendo.

Outra questão, ainda no capítulo dos precatórios, diz respeito à urgente necessidade da Suprema Corte decidir a modulação (em suspenso), uma vez que se trata de matéria atrelada ao fator tempo. Aliás, neste vergonhoso capítulo dos precatórios no país, a questão sempre foi (e continua se eternizando) de tempo, tempo este que os executivos tentaram (peitando as leis e com a conivência do próprio STF) estender para as calendas.
A questão fundamental reside no fator tempo e não se entende a morosidade daquela Corte em decidir sobre:
Recurso Extraordinário nº 612.707/SP, que teve repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal. A matéria versa sobre a preferência dos precatórios alimentares, conforme artigo 100, §1º e §2º, da Constituição, além da Súmula 655 do STF, podendo resultar, conforme destaque da proposição, uma preterição dessa preferência.
Segundo o presidente da OAB Nacional, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, os precatórios alimentares têm absoluta preferência sobre os credores comuns. “A urgência que demanda o pagamento alimentar é maior que a dos demais, estando garantida inclusive pela Carta Magna e por súmula da Suprema Corte”, afirmou.
(http://www.oab.org.br/noticia/27163/oab-vai-ao-stf-para-garantir-preferencia-aos-precatorios-alimentares)

De toda sorte, a afirmação do MD. Ministro Gilmar Mendes nos deixa imersos em duas possibilidades preocupantes:
a)      Realmente está estabelecido em lei que os precatórios gozam de “absoluta prioridade” e os tribunais estão desrespeitando a lei; ou
b)      O Ministro Gilmar Mendes não sabe o que está falando e mesmo escrevendo em suas relatorias.

Caso o ministro Gilmar Mendes esteja equivocado, pode-se arguir a nulidade do seu relatório por estar embasado em afirmação não verdadeira? Ou seria verdadeira pelas metades, está prescrito em lei, mas os Tribunais Estaduais simplesmente desobedecem? Ocorre que, de uma maneira ou de outra, o confronto destas duas possibilidades excludentes resultam numa incerteza de justiça e numa insegurança jurídica.
A verdade é que quando uma estrutura legal de um país permite a legalidade de absurdos – com a finalidade de garantir privilégios – e pune com rigor migalhas, estamos diante de simulacros da ciadania, fantasmagorias insustentáveis de um discurso vazio de democracia.

Marcelo Cavalcante

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

A farinha pouca e o pirão dos magistrados

No dia 16 de setembro, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, em decisão liminar, estendeu o auxílio-moradia a todos os juízes federais que não tenham residência funcional onde trabalham.
A justificativa é a equiparação de todos aos que já recebem regularmente a prebenda e nem por um milésimo de segundo pensou-se em simplesmente igualar a todos pela via contrária, ou seja, retirando a mordomia dos juízes que já gozam de tal indecência. Evidentemente os doutores em leis e prestidigitações outras, arguirão a minha ignorância jurídica, pois toda criança está careca de saber que direito adquirido é intocável e que existe um preceito legal que veda redução de rendimentos.
Toda criança remelenta sabe que as reduções de vencimentos que ocorrem na história pátria são sempre contra os assalariados chinfrins, sendo os mais notórios os aposentados. Mas para isso criou-se uma “legalidade” chamada “fator previdenciário”.
Nada obsta que seja sancionado em lei o “fator auxiliário”, mas, evidentemente (ao contrário do fator previdenciário), o nosso STF, sem morosidade, declarará sua total e rasa inconstitucionalidade.
O que importa é que, com esta jogada “equiparativa” do auxílio-moradia, cada juiz federal passará a engordar os seus miseráveis salários em mais uns 4 mil e poucos reais (para eles, uma mixaria, dinheiro de bolso).
Magistrados do RJ recebem 7.250 reais a título de auxílio-educação e, dia mais dia menos, isto será estendido aos valorosos membros do MP. Já teve juiz que recebeu mais de um milhão de reais em um mês... tudo nos conformes da lei... A desembargadora Cleonice Silva Freire, do Maranhão, recebeu 334.905,29 reais em apenas um contracheque, mas tudo dentro da lei, pois a magistrada tinha direito a 199 mil e uns quebrados a título de licença prêmio e mais 97 mil e uns quebrados a título de indenização de férias. A soma dos tais quebrados supera o salário mínimo em vigência no país.
São tantos os auxílios (creche, saúde, educação, locomoção, refeição, alimentação...) que não estão cabendo nas folhas de pagamento e já se está levantando a hipótese de reuni-los sob a rubrica auxílio-tudo.

Mas o populacho não deve se indignar ainda, pois decerto virá mais uma porrada pela testa, uma vez que o processo é lento e eles vão comendo pelas beiradinhas.
Recentemente, no mês de agosto, a presidente Dilma sancionou uma lei que concede ao Ministério Público da União uma tal gratificação por acúmulo de ofício (vetando a extensão do benefício aos magistrados federais). Claro e evidente que, passados uns tempos, o nosso glorioso Supremo estenderá o benefício aos magistrados, sob a argumentação de equiparação. Como afirmei, pelas beiradinhas.
Tudo isso faz sentido e se apresenta com a justeza dos honestos e ilibados, principalmente vivendo num país onde o salário mínimo já ultrapassa o valor astronômico de 700 reais.
Tudo isso faz sentido e se apresenta com a justeza dos honestos e ilibados, principalmente quando estribados em preceitos legais que repudiam a decência e a honestidade. Daí que levanto a tese (tolamente óbvia) de que uma coisa legal não é necessariamente decente ou honesta e se reduz a uma legalidade em si, pois que tem apenas a finalidade de garantir a primazia do pirão para alguns privilegiados.
Marcelo Cavalcante

Bertolt Bretch e a censura à revista Istoé

Sinceramente não entendi por que um fato tão corriqueiro ganhou tamanho espalhafato na mídia. Confesso que ainda não entendi a importância que estão dando à proibição da circulação da Revista IstoÉ.
Bastou a justiça tomar uma decisão corriqueira para que, inesperadamente, o mundo vir a baixo. Ora, senhoras e senhores, desde o ano de 2001 que a realidade nua e crua me ensinou e comprovou que esse negócio de retirar revistas e jornais das bancas é uma prática legal e corriqueira. Custei a acreditar que tão importantes instituições manifestassem indignação por tão pouco. A Federação Nacional de Jornalistas, a Associação Brasileira de Imprensa e até mesmo a Sociedade Interamericana de Imprensa condenaram o ato, clamando por liberdade de imprensa e condenando a existência de censura prévia na terra do pau de tinta.
Não entendi muito bem o porquê de tanta celeuma, uma vez que existe uma lógica muito bem argumentada pela pretensa vítima, o Cid Gomes, qual seja: “a investigação ainda não terminou e corre sob sigilo processual e que, desta forma, a divulgação não poderia ocorrer, já que são sigilosas”. Concordo que é uma argumentação meio fraquinha, posto que o STF já proferiu decisão em contrário e que, no entender da nossa mais alta corte, o segredo de justiça não alcança a imprensa.
Mesmo assim, continuo não entendendo tanta celeuma em torno do que, para a minha humilde pessoa, trata-se de um fato corriqueiro, pois assim me mostrou a justiça, a realidade e a consumação dos fatos.
No ano de 2001, com muitas dificuldades e custeando com dinheiro do próprio bolso (a única forma de um jornal interiorano ser independente), escrevia e publicava um jornal em Teresópolis/ RJ. Certamente desagradava a todos, uma vez que não tinha lado, ou seja, não tinha nenhum vínculo com os poderosos (situação ou oposição) e os criticava pelos seus atos e não pelas suas cores partidárias. Apesar das ameaças veladas e do ranger de dentes, nunca me afrontaram de forma franca e nem tentaram me censurar até o dia em que decidi abrir uma manchete que era a expressão verdadeira dos fatos: Nilton Salomão premia traficante. Os fatos incontestáveis e a documentação exposta comprovavam que o deputado Nilton Salomão concedera título honorífico da Assembleia Legislativa do RJ ao Elias Kanaan que era (?) reconhecidamente um traficante internacional de armas. O que sei é que o desenlace foi muito simples, rápido e rasteiro, dentro do nosso cotidiano hipócrita: o deputado solicitou e o juiz Paulo Maximiniano Tostes mandou fazer a apreensão da edição do jornal. Claro e evidente que as fímbrias da justiça se encarregaram para que este processo nunca tenha sido julgado no mérito, ou seja, atendeu aos interesses do poderoso e depois sumiu.
Ingênuo, acreditando que isso não podia acontecer num país democrático, esperneei enviando a informação para os meios de comunicação e ninguém se dignou a escrever uma única palavra sobre os atos e fatos ocorridos. Cheguei a escrever em um livro (O poder das latrinas) que se o mesmo viesse a acontecer com um membro da grande imprensa, ia acontecer uma enxurrada de protestos e notícias. Não deu outra.
Numa democracia de conveniências, numa democracia pelo alto, portanto, numa sociedade hipócrita, a justiça censurar um jornalzinho interiorano, apesar da ilegalidade, não merece atenção ou importância, como se estes fatos estivessem fora da realidade, como se a lei não fosse para todos. Os inúmeros jornais modestos espalhados pelo país podem ser recolhidos pela polícia (a mando do Judiciário) que não suscitará maiores indignações, notícias ou protestos. Entretanto, quando envolve mídias parrudas a postura ganha o avesso e a gritaria ribombeia ensurdecedora.

Acredito que o poema de Bertolt Bretch bem pode resumir o meu desencanto com uma sociedade cindida entre o desejo de ser e a impossibilidade de agir de forma justa e igualitária.

Na primeira noite, eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim: não dizemos nada.
Na segunda, já não se escondem. Pisam as flores, matam o nosso cão e não dizemos nada.
Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Marcelo Cavalcante

terça-feira, 9 de setembro de 2014

A Comissão da Verdade e a verdade das comissões





Informo ao desavisado leitor que, de plano, as argumentações abaixo tecidas não buscam justificar a tortura e muito menos criar óbices para a apuração da verdade histórica na terra brasilis. Propugno, inclusive, um mergulho mais fundo na busca das verdades que se acoitam nas fímbrias cavernosas da impunidade que grassa por estas plagas. Informo, ainda, que fui vítima da violência da ditadura militar e que fiquei sob o jugo dos torturadores no DOPS de Belo Horizonte, quando contava apenas 18 anos de idade. Não virei um Geraldo Vandré, não fiz hinos para as forças armadas, mas também não me transformei num profissional daquelas circunstâncias, não optei em ser cafetão de circunstâncias históricas. O que fiz foi dissentir dos rumos que davam ao meu país, e paguei o preço desta atitude, mesmo porque ciente estava das regras e dos perigos. Fi-lo porque qui-lo. Quando digo meu país, refiro-me ao povo que aqui vive sob as tantas dificuldades materiais que enfrentam e mais as tantas inventadas por uma elite insensível, mas que reputada portadora de idoneidade inatacável e conduta ética ilibada (até o próximo escândalo de corrupção).
Hoje temos a notícia na grande mídia, de que o tenente reformado José Conegundes do Nascimento não só se recusou a comparecer a uma audiência para a qual foi convocado para prestar depoimento perante a Comissão da Verdade, como devolveu o ofício escrevendo nele que não ia comparecer e acrescentou: “Se virem. Não colaboro com o inimigo”. Diante de tal atitude, o coordenador do grupo, Pedro Dallari, disse nesta segunda-feira (8) que pedirá investigação do Ministério da Defesa e classificou a atitude do militar como uma “afronta” (http://g1.globo.com/politica/noticia/2014/09).
Sinceramente, não sei aonde o Dallari sacou tais argumentos rombudos que ofendem o estado democrático de direito e a inteligência dos brasileiros que lhe pagam R$ 11.179,36 (onze mil, cento e setenta e nove reais e trinta e seis centavos) pelos serviços prestados, no caso, para tocar uma comissão que não está dotada de poderes de constrangimento legal. A verdade é que a Lei (Nº 12.528, DE 18 DE NOVEMBRO DE 2011) que instituiu a Comissão da Verdade dá a esta o direito de convocar pessoas a prestar depoimentos, mas não a dotou de poderes de impor sanções. Desta forma, sob o aspecto legal, o tenente Conegundes pode mandar os membros da Comissão catar coquinhos e os seus membros devem engolir o sapo.
Reconheço que estas minhas afirmações acima estão eivadas de imoralidades, entretanto é assim que a banda toca. Quem inaugurou este processo imoral foram os próceres desta república de bananas, uma vez que encastelados no poder, usaram e abusaram deste expediente e nunca vimos (ou ouvimos) o senhor Pedro Dallari (ou os outros Dallaris) afirmar que era uma afronta. Por exemplo, na questão dos precatórios, a Constituição prescrevia o pagamento do transitado em julgado no ano seguinte. As dezenas de governadores e os milhares de prefeitos deste rincão simplesmente não obedeceram e nada aconteceu, e NENHUM deles foi punido, uma vez que não existia previsão de punição. Nestes anos todos, este procedimento se repetiu milhares e milhares de vezes e o senhor Dallari não viu afronta. Entretanto, bastou um tenente reformado, desconhecido e (provavelmente) pobre praticar o mesmo ato, para ser taxado de afrontoso.
Como nada mais me espanta, acho bem provável que vão encontrar uma forma de punição para o tenente atrevido assim como manipularam uma jurisprudência no STF para safar os governadores e prefeitos da sanção que estava capitulada em lei constitucional. Com transparência cristalina podemos observar que não se trata da aplicação da lei, mas de demonstrar quem é que manda (e desmanda) consoante os caprichos, idiossincrasias, interesses e conveniências.
Triste e decrépita elite que prescreve pomposa e cinicamente que a justiça é igual para todos e não perde uma oportunidade de desigualá-la na prática, para garantir privilégios, impunidades e contas bancárias robustecidas pelo roubo da coisa pública.

Marcelo Cavalcante

domingo, 22 de junho de 2014

Thiago Lacerda e o civismo mínimo

Thiago Lacerda e o civismo mínimo
Por Marcelo Cavalcante

O problema de se misturar fama com inteligência, conhecimento ou bom senso é sintoma de falta de inteligência, de conhecimento e de bom senso. É óbvio que uma pessoa que alcança a fama (pelos motivos mais diversos e prosaicos) não é, necessariamente, inteligente, instruído ou centrado, pois que a fama é apenas um predicado externo à pessoa. Pelé foi um excepcional jogador de futebol e as pessoas se espantam quando ele profere as suas costumeiras bobagens político-morais. Muito provavelmente, não fosse o futebol e certas circunstâncias, o cidadão Edson Arantes do Nascimento hoje seria um aposentado (com o mínimo) por ter trabalhado como balconista num pé-sujo de Bauru. Numa melhor hipótese ele poderia ter sido um servente de pedreiro na capital, mas a aposentadoria não melhoraria muito. Caso uma das hipóteses tivesse se concretizado, ninguém estranharia a opinião daquele senhor aposentado, posto que é um pobre coitado, que não estudou e que, portanto, não entende muita coisa.
Nestes dias, parece que o mais forte candidato ao Febeapê (Festival de Besteiras que Assola o País) é o ator (?) Thiago Lacerda que, não pelos seus vastos conhecimentos, mas apenas pela fama, tem suas declarações ecoadas pela mídia de famosidades. Primeiro, ele acha que o Paulo Betti não pode ser irônico diante de ações políticas levadas a cabo por seus colegas de profissão. Pode, sim. Agora, o ator global acha que o Diego Silva, um jogador de futebol, não poderia, sob hipótese alguma, aceitar jogar pela seleção espanhola, em detrimento da Amarelinha. Segundo ele, o cara tem que ter uma responsabilidade cívica mínima. Nem vou perguntar ao moço o que seria uma responsabilidade cívica máxima.
Com esse pensamento ele irá ao estádio do Maracanã vaiar o traidor da pátria, um menino que vai entrar em campo para jogar futebol. A pátria de chuteiras é isso, é essa miséria intelectual. E eu que pensei que disputas futebolísticas tivessem platéias que ali vão para ver um bom espetáculo...
Não conheço a vida pregressa do jogador Diego Costa, mas acredito que seja um cidadão que veio lutando com muitas dificuldades e chegou até onde chegou pelo talento que tem com a bola e que, por motivos de foro íntimo, fez uma opção que tem relação com a sua carreira e o seu futuro. Neste fato não há nada de ilegal ou imoral.
Entretanto, não me parece que o moço global esteja tão preocupado com RESPONSABILIDADES CÍVICAS, uma vez que NUNCA o vi cobrando este civismo mínimo dos ladrões públicos do país.
Talvez, o civismo (mínimo) do senhor Lacerda seja seletivo, ou melhor, temático, e esteja adstrito às questões futebolísticas, não importanto muito as incontáveis mazelas que acontecem diuturnamente neste país de miseráveis, onde um Estado nababesco (assessorado por uma elite fútil) assiste indiferente a um exército de pessoas (cada vez maior) dormindo nas ruas e comendo as lavagens recusadas pelas pocilgas das periferias.
Com o Lacerda, aprendemos mais uma lição: futebol é assunto patriótico ao passo que saúde, educação, moradia, fome, miséria são coisas que estão aí pela realidade, ao acaso, distantes da pátria e (principalmente) dos famosos (e ricos) por coisa nenhuma.

terça-feira, 17 de junho de 2014

Usando a decência para cometer indecências

Usando a decência para cometer indecências
por Marcelo Cavalcante

Notícia publicada no Consultor Jurídico (www.conjur.com.br) dá conta de que uma carta solicita que ministros do Supremo corrijam “violações” de Barbosa.
Sem entrar no mérito do pedido da tal carta, o meu primeiro estranhamento é uma carta endereçada aos ministros do Supremo vir a merecer tamanho destaque e ser levada em conta nas lides jurídico-legais.
Consta, no corpo da notícia, que a tal carta foi assinada por 300 pessoas, entre elas artistas, acadêmicos, jornalistas, políticos e membros da classe jurídica, como Wadih Damous, ex-presidente da seção do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil, e Takao Amano, membro da Comissão da Verdade da seccional paulista da OAB.
No seu conteúdo, podemos ler os nomes dos pretensamente injustiçados (Delúbio Soares, João Paulo Cunha, José Dirceu de Oliveira e Silva e José Genoíno), o que nos leva a crer que a mesma faz referência a um fato determinado.

O fecho da tal carta contempla a seguinte afirmação, com a qual concordo em número, gênero e grau:
“O desrespeito aos direitos de um único cidadão coloca em risco o direito de todos, e o Brasil já sofreu demais nas mãos de quem ditava leis e atos institucionais, atacando os mais elementares direitos democráticos”.

Mas tem uma coisa da qual discordo frontalmente e à qual dedico um nojo imenso, qual seja, o fato hipócrita de usar da decência para praticar atos indecentes. Nesse caso, a frase é correta, decente, entretanto o contexto é profundamente indecente, pois que objetiva apenas defender uns criminosos de escol e não “o desrespeito aos direitos a um único cidadão”, de uma forma geral.
Caso as intenções desses signatários da missiva fossem coerentes com a frase, todos eles já teriam escrito dezenas de milhares de cartas de igual teor, no pós-ditadura militar, uma vez que diuturnamente vemos (com rotineira e natural desenvoltura) direitos dos cidadãos serem desrespeitados de forma bem mais clara e perversa.

Um exercício interessante seria buscarmos as assinaturas destes signatários em outras cartas à Justiça, propugnando contra o desrespeito aos direitos de outros cidadãos. Caso não encontremos, podemos concluir que os signatários da missiva estão preocupados tão somente (e convenientemente) com os criminosos do mensalão e não com “o desrespeito aos direitos a um único cidadão”.

sábado, 7 de junho de 2014

A Xuxa, o senado e as pobres crianças

 A Xuxa, o senado e as pobres crianças
Por Marcelo Cavalcante

No início da década de 1970 me deparei com uma prática comunicacional que me deixou estarrecido e indignado. Tratava-se de uma notícia que não era notícia, uma vez que tinha como único objetivo colocar em evidência uma determinada atriz global. Ocorre que, hoje em dia, esse fato não causa estarrecimento ou indignação, pois que foi transformado em prática corriqueira. Nada mais natural vermos publicado e/ou difundido nos meios de comunicação de massa que a atriz fulana (às vezes nem tão famosa) desceu ao play do condomínio para brincar com o seu rebento que conta duas (Alice no país das maravilhas) primaveras entupidas de fausto e consumo conspícuo. Evidentemente isto não é uma notícia, pois milhares ou milhões de mães fazem o mesmo cotidianamente.
No início do presente século, deparei com uma banca de revistas na qual dois jornais da grande imprensa estampavam (na primeira página) a notícia de que a atriz (?) Cléo Pires tinha beijado o namorado na praia. Era um verão esplendoroso com as praias do Rio de Janeiro repletas de moças, seguramente alguns milhares delas beiçaram os seus namorados, ficantes, maridos, amantes e mesmo empregados, uma vez que já temos o personal scort para amenizar determinados fogos na bacorinha.
Acredito que, hoje em dia, mais da metade das matérias veiculadas pela mídia são deste jaez, ou seja, são falsas notícias uma vez que nada mais são do que marketing disfarçado, o tal merchandising. Apesar de ser medrado numa falsa aparência (uma mentira) de que se trata de uma notícia, a mídia faz largo uso deste expediente, pois sabe que tal enganação tem o poder adicional de não se caracterizar no que é: uma peça publicitária.
A grande jogada neste me engana que eu gosto, é o farto uso da ideologia, no que diz respeito ao esvaziamento da história. Observe-se que a maioria das notícias são veiculadas sem maior senso crítico na busca de justificativas para o fato de serem ou não notícias. A falta de antecedentes históricos faz as notícias surgirem como se geração espontânea, coisas que surgiram do nada e vão para lugar nenhum, exceto para o sucesso e os lucros dos envolvidos.
Então, a mutreta se estrutura na ocupação da mídia a qualquer custo, pois esta condição garante sucesso e dividendos altíssimos, independente do que seja ou do que se reporte. Mesmo quando famosos participam de campanhas filantrópicas (emprestando suas imagens gratuitamente), amealham ganhos elevados, pois que aumentam os seus cacifes mercadológicos.
Como disse acima, a ocupação do espaço midiático a qualquer custo, mesmo em situações absolutamente patéticas, é o maior desiderato do marketing desmesurado e é nesse corolário que encontro uma explicação plausível para a presença da apresentadora (?) Xuxa no Senado Federal, como convidada de honra, durante a aprovação da Lei da Palmada.
Convidar alguém para uma sessão em que não pode se expressar, não tem direito a falar, significa exatamente o quê? A entronização de um objeto estranho e desnecessário, um penduricalho que não soma nem diminui, embora um ícone de vazia simbologia, mas que, às custas do povo, dali retira enormes dividendos.
Quais foram os parâmetros seguidos para o convite recair exatamente sobre a rainha dos baixinhos? Seguramente apenas de perfumarias, pois temos no país pessoas que dedicam anos e anos de suas vidas ao estudo sobre a questão da criança, fizeram pesquisas, publicaram livros, etc.
Por via transversa, podem os energúmenos da objetividade arguir a escolha pelo fato de a tal senhora ser apresentadora de programas infantis. Ora, por que não convidar outras que fazem e fizeram a mesmíssima coisa?
Ocorre que a argumentação para o convite não encontra respaldo numa análise objetiva, uma vez que estamos falando de uma Lei polêmica que tem como maior objetivo aprofundar a intervenção do Estado na vida privada do cidadão e não na proteção das nossas crianças. Até onde conseguiu demonstrar ao grande público, a senhora Meneghel é versada em posar para revistas de mulher pelada, namorar o Pelé, fazer filmes de péssima qualidade, escolher um garanhão para ter um filho (eugenia?), apresentar programas infantis de apelo erótico, e ser uma pessoa pública, sem necessariamente ter grandes talentos, cultura ou predicados. Em suma, o seu maior feito é ser uma marca comercial, o que a desumaniza.
Outro argumento plausível seria o de que a Xuxa é uma mãe exemplar (tendo em vista a questão dos maus tratos às crianças). Pode ser, acredito sinceramente que ame a sua Sasha, assim como as Marias, Severinas e Goretes dos rincões amam os seus rebentos. O que não se coaduna é a questão dos maus tratos. Como uma pessoa como a apresentadora poderá entender as condições exasperantes de uma vida de misérias, de privações e bestializações que criam desesperos que culminam em maus tratos? Ora, isso não justifica os maus tratos. Claro que não, mas explicam, e esta explicação a Xuxa jamais entenderá, pois a sua vida de olimpiana lhe impõe tal interdição.
Nesta irresponsabilidade institucional, restou que a Xuxa colheu o seu espaço midiático e a Lei da Palmada foi aprovada e submetida à sanção presidencial.
Quais os dividendos que a sociedade colhe com a presença da loura nesta quadra de produção de factótens? Nenhum. Como podemos observar, ela defendeu o texto aprovado e negou que a lei vá punir pais que queiram educar os filhos. “As pessoas entenderam que não se trata de querer prender quem quer educar o filho. É mostrar que se pode educar, se deve educar sem violência. Ninguém vai ser preso por dar uma palmada como estão querendo dizer. Mas talvez um dia as pessoas vão entender que nem essa palmada é necessária, que se pode conversar”.
Esta frase acima demonstra que La Meneghel estava no Senado Federal apenas por força de sua marca (no trabalho estafante de angariar mídia) e bastava afirmar qualquer “boi com abóbora” e a coisa estava sacramentada. Afirmou que “As pessoas entenderam que não se trata de querer prender quem quer educar o filho” passando a régua na polêmica que ainda está a suscitar tal Lei. Ao afirmar que “É mostrar que se pode educar, se deve educar sem violência”, não lhe ocorreu que as leis são para ser aplicadas e dificilmente educam, mas constrangem a comportamentos determinados. Nesta lógica, fechemos as escolas e universidades e acabemos com a instituição da família, em substituição façamos leis. Qual a garantia que a Xuxa nos oferece ao afirmar o estapafúrdio de que “Ninguém vai ser preso por dar uma palmada como estão querendo dizer”? Além de não entender de criança (stricto sensu) ela não entende nada da realidade deste país onde as leis são interpretadas com a maleabilidade de um chiclete na boca de um adolescente. Finalmente, como corolário ao vazio de conteúdo ela nos brinda com uma paulocoelhada de fazer inveja ao próprio, afirmando que “Mas talvez um dia as pessoas vão entender que nem essa palmada é necessária, que se pode conversar”. Estupefato, concluo que ela saiu direto da Terra do Nunca, para o tal convescote no Senado Federal. Mas não descartando a afirmação abstrata (talvez um dia), concordo, pois acredito que talvez um dia as pessoas vão entender que nem a guerra é necessária, que se pode conversar; o diabo é que não usamos isso para aprovar ou desaprovar leis que causam efeitos concretos e imediatos em toda a sociedade e nem por isso os países deixam de aumentar os seus estoques de artefatos bélicos, embalados tão somente no talvez um dia xuxeano.
Por fim, fechando o circo de horrores do dia (a cada dia temos um), a tal Lei recebeu do Senado o nome de Lei Menino Bernardo, em homenagem ao garoto morto pelo pai e pela madrasta no Rio Grande do Sul. Haja forcação de barra, uma vez que o caso hediondo recentemente ocorrido (com intensa cobertura da mídia – deve ser por isso) não tem absolutamente nenhum vínculo jurídico com o caso do menino Bernardo.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

OS FIOS DA MEADA- Da ausência de responsabilidade do Estado



Em decisão acertada, no governo do FHC, foi instituída uma lei de responsabilidade fiscal, a qual tem por objetivo colocar um freio nas megalomanias e descontroles dos gastos públicos e, por tabela, coibir a roubalheira generalizada que grassa no setor público. Mas não temos muito a festejar, pois sabemos que, no Brasil, leis foram feitas para serem interpretadas e só aplicadas nos casos em que não afetam os interesses dos poderosos. Com pouco tempo de vigência desta lei constatou-se que as suas ordenações não estavam sendo cumpridas, mas serve aos administradores públicos como uma excelente justificativa para não executar determinadas obrigações que não tem interesse ou vontade política de executar. Isto serve, inclusive, como argumento para a não construção de escolas, o não aumento de salários dos professores, a não construção de postos de saúde, o não aumento de salários dos médicos, etc. Entretanto, nunca tive notícia de que algum prócer dessa República de Bananas arguiu a Lei de Responsabilidade Fiscal para impedir a roubalheira dos cofres públicos.
Essa diatribe acima serve como intróito para uma análise mais geral de como a lei e a democracia é formatada (na cabeça de uma elite esclerosada) e empurrada goela abaixo da sociedade.
A primeira distinção a se fazer é a de que, as leis no país, desde sempre e tradicionalmente, são criadas para uma sociedade idealizada e não real. Como exemplo recente, um babaca de um prefeito acha que dota de civilidade a cidade que ele “alcaideia” tal qual Paris ou Londres, com a simples promulgação de uma Lei que pune o cidadão que joga uma guimba de cigarro nas sujas calcadas de uma cidade suja. É duplamente babaca por desconhecer que várias gerações foram viciadas em tabaco, com o amplo beneplácito e concurso do poder público. É triplamente babaca (fingir) desconhecer que até bem pouco tempo, nenhum carro era construído no país sem cinzeiros, os ônibus tinham cinzeiros, e até nos hospitais os cinzeiros eram peças obrigatórias e que o fumo era bem visto e bemquisto em qualquer lugar (mesmo em elevadores cheios), visto que o tabagismo era tido como um valor positivo, mesmo necessário. Ok. Respeitemos as diarréias histéricas dos neo-naturebas, mas reconheçamos os costumes arraigados nos cidadãos.
A segunda, e crucial distinção, é observarmos que existe um fosso imensoooooo entre as Leis e a administração destas mesmas Leis pelos operadores da justiça. Há que se observar que, no contexto presente, existem duas esferas que se complementam: a lei e a sua aplicação. Bastassem as palavras o mundo viveria num estado idílico, melhor que os paraísos mais detalhadamente descritos em livros sagrados ou profanos. As palavras, para deixarem de ser meros discursos vazios, necessitam ser calcadas com atos concretos na realidade concreta e as Leis, por terem caráter e poder de constrangimento, devem ser as que mais necessitam obrigatoriamente de ter existência na concretude da sociedade como um todo (cidadãos e Estado). Por mais que se admita uma carga de subjetividade nas interpretações, não há como se tolerar a existência de exorbitantes assimetrias, questões idênticas terem decisões (sentenças, poder de polícia, etc.) totalmente opostas. Tais casos ocorrem corriqueiramente, de forma grosseira, com a maior naturalidade, como por notório exemplo, condenar uma mulher à prisão por furto de uma lata de bananada e absolver os menininhos ricos que queimaram um índio vivo, que dormia em praça pública. Tais discrepâncias não têm evidentemente nada a ver com interpretações subjetivas, mas tão somente com a imposição de um modelo de justiça que não é absolutamente igual para todos. Isto desmoraliza as leis e faz a sociedade descrer do poder público. Aliás, falando em corda em casa de enforcado, qual o respaldo moral de um Congresso, no qual verdadeiros (e conhecidos) bandidos aprovam leis?
A terceira distinção reside na assimetria com que o Estado controla os cidadãos e não controla os poderosos encastelados no poder do próprio Estado. Lembro que faz uns dez anos que caí na malha fina do nosso glorioso IRRF por um motivo prosaico, mas que levado com extremo rigor (como deveria ser com TODOS os cidadãos) pelos agentes do Leão. Simplesmente esqueci de declarar 100 reais que recebera da Faculdade, como serviços prestados (palestra). O contador explicou que não havia problema, uma vez que aquele valor não fazia NENHUMA diferença na apuração final. Qual o quê, seo moço! A Receita Federal me colocou dois anos na suspeição da malha fina. Até acharia justo, desde assim procedessem com TODOS, o que certamente não acontece. Num país onde pululam notórios ladravazes da coisa pública, com expressiva presença na mídia e ostentação de riqueza incompatível com os seus possíveis ganhos, nunca são incomodados ao passo que um humilde professor é acossado por causa de 100 reais não lançados na sua declaração. Mas isso indica, com certeza, que a Receita tem controle absoluto do que se faz ou deixa de fazer com dinheiro. Então, senhoras e senhores, como é que o Lula explica o seu patrimônio? Melhor, ainda, como é que a Receita não lhe cobra explicações? O ex-presidente é apenas um exemplo entre tantos outros que poderiam ser citados, mas acredito que nomear todos levaria uns duzentos anos e não creio que vá viver tanto. São tantos os casos no Judiciário em que procedimentos são levados a efeito de formas totalmente antagônicas, dependendo dos personagens envolvidos. Fico estarrecido com os rapapés e salamaleques com que a justiça trata os criminosos do (foram condenados = trânsito em julgado) mensalão, tanto quando do julgamento quanto na questão do cumprimento das sentenças. Não discuto se os procedimentos do STF no caso estão certos ou errados, mas questiono simplesmente se este é o procedimento padrão dispensado a TODOS os brasileiros, se é assim que Suas Excelências mandatárias das Execuções Penais agem de plano.
Tenho a expectativa de que, de um momento para outro, o menino vai gritar que o rei está nuzinho em pelo e esta arquitetura de fracaria desaba feito jaca madura. A desenvoltura com que os ladrões públicos desfilam nos noticiários cotidianos só rivaliza com a infalível impunidade que lhes é reservada/assegurada.
Mas tais penduricalhos de privilégios de classe são perfumarias, se comparados à in-co-men-su-rá-vel irresponsabilidade com que os agentes públicos atuam sem serem responsabilizados. Os Congressistas do país contam com inúmeros assessores e o próprio Congresso Nacional gasta uma fábula para ter informações de qualidade, além de poder fazer as consultas que desejar a quaisquer experts deste mundo e do outro. Apesar de contar com esta parafernália de meios (ilimitados), como é que o Congresso Nacional consegue aprovar leis (que são sancionadas pela Presidência da República) que posteriormente são consideradas inconstitucionais? Tal ocorrência deveria ser rara (caso fortuito) e, entretanto, tornou-se fato corriqueiro. Dependendo da matéria de que trata, uma Lei pode interferir, prejudicar ou constranger a vida de milhões de cidadãos e depois de causar os seus efeitos (indevidos, pois causados por uma lei que não poderia ter existido), é considerada revogada e NINGUÉM tem nada com isso, ninguém é cobrado pelos prejuízos e transtornos causados a milhões de cidadãos. Ora, isso é próprio da democracia... Não, não é. Em defesa dos congressistas que aprovam uma Lei inconstitucional, podemos arguir que erraram. Ok. Ocorre que cometeram um erro que poderia ser evitado, pois tiveram tempo e assessoria (em todos os níveis) para evitar o erro. Passa batido, como se natural, e ninguém é responsabilizado. Entretanto, o cidadão comum, comete um erro, no qual ele não teve tempo nem assessoria, e é submetido aos ditames das Leis que o responsabilizam por toda sorte de dano que cometeu acidentalmente.
Daí que, por exemplo, um prefeito de uma pequena cidade resolve desapropriar um terreno de uma grande empresa incorporadora, ninguém liga ou toma conhecimento. Ocorre que este mesmo prefeito não paga a indenização devida e ninguém protesta ou toma conhecimento. Daí que a procuradoria (ou advogados) da prefeitura (industriada pelo prefeito) perde a causa e a sentença vem pesada, normalmente com um valor absolutamente incompatível (acima) com o valor original (e aí tem inúmeras formas de artificializar a traquitana), ninguém se estarrece (muito menos os MPs). Em seguida, esta sentença é transformada em precatório comum e entra na fila dos credores. Sobre este fato repousa um silêncio sepulcral. Ocorre que um dia, numa fila em que prioridades alimentares foram arregadas pela própria justiça, este precatório entra na vez de ser honrado. Aí o bicho pega (mas nem tanto) e o iceberg começa a procurar o seu Titanic. Neste exemplo, cabem absurdos os mais variados, os mais estapafúrdios que a criatividade humana tem capacidade de inventar. Acontece que a prefeitura tem um orçamento anual no valor de 500milhões e o precatório tem um valor de 400 milhões. Sem contar com a roubalheira que acontecerá no rastro do tal precatório, segundo o limite (estabelecido em lei) de 2% ao ano para tais pagamentos, a prefeitura levará 40 anos para pagar o que transitou em julgado. Ocorre que o titular do precatório não se estertora em desespero, uma vez que, ao receber a primeira parcela, já ressarciu aquele terreno original e os 390 milhões restantes virão nos próximos 39 anos. É só isso? Claro que não, tem a parte mais perversa (que deve deliciar os juristas sádicos) que se traduz no fato de que TODOS os demais precatórios (alimentares ou não) da fila terão que esperar o pagamento deste que demorará o pequeno espaço de tempo de 40 anos. Podemos piorar ainda mais esta história? No Brasil, sempre é possível, entende? Uns 30 anos se passam (enquanto isso, na fila dos precatórios vários cidadãos já faleceram sem ver tostão) e um turista desinformado vendo um terreno abandonado, com a cerca derribada pelo corroer das intempéries, tenta se informar do proprietário e descobre que é um terreno da prefeitura. Acredito que o leitor já adivinhou de que terreno estamos falando... Pois é, o terreno que foi desapropriado, encalacrou a prefeitura em dívidas, ferrou com a vida de inúmeros cidadãos que ganharam ações na justiça e nunca foi usado para nadica de nada. Mesmo que fosse uma tramóia (ladroagem) recente, nestes casos, ninguém é processado e muito menos vai para a cadeia, mas normalmente este processo se esconde atrás do biombo do passar dos anos que garante ao RESPONSÁVEL pelo dano uma coisa jurídica chamada prescrição.

Sei que toda estrutura de poder tem necessariamente que proteger os seus interesses determinados e a melhor forma de implementar isso é através da ideologia, num jogo de prestidigitação em que faz a sociedade como um todo acreditar que as regras são honestas e garantem igualdade para todos. Não é verdade, mas tem a aparência de verdadeiro. No Brasil, as nossas elites são tão incompetentes e arrogantes que deixam escancarado um panorama nítido no qual igualdade e privilégios são para quem pode e não para um poviléu embrutecido e bestializado por uma mídia inescrupulosa que vem convencendo a todos que a felicidade na vida é torcer pelo Flamengo, escutar pagode (tem piores) e acreditar que a Xuxa está preocupada com os destinos das crianças do país.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

As mil e uma utilidades dos precatórios (nenhuma decente)



O vandalismo, um tema que está em voga ultimamente, costuma produzir nas pessoas uma imediata repulsa, uma vez que perpassa por toda a sociedade em geral a ideia consolidada de um utilitarismo rasteiro. De fato, a destruição de um bem (público ou privado) de forma imotivada (para o bem ou para o mal) causa imediata repulsa. Por que destruir um bem sem uma justificativa, ou apenas pelo prazer de destruir?
Mas existem outras formas de vandalismo, assim como uma possível graduação. Por exemplo, um cidadão compra fios de eletricidade no valor de 10 mil reais. Vem o ladrão e furta estes fios, em seguida queima os mesmos e se dirige ao ferro-velho e vende um monte de arame de cobre por irrisórios 40 reais. Evidentemente que houve uma motivação do ladrão, mas esta está desproporcional ao dano que causa ao transformar um bem no valor de 10 mil em 40 irrisórios reais.
Assim como o exemplo acima, existe no Brasil um imenso processo de vandalismo que vem se perpetuando anos a fio e que é levado a cabo pelo poder público, incluindo-se neste fazer, as três esferas de poder (Executivo, Legislativo e Judiciário) que se não se mostram tão autônomas, certamente são harmônicas quando se trata de oferecer privilégios e impunidades aos olimpianos do país. Este vandalismo (existem outros, of course!) ganhou o nome jurídico de precatório e o apelido popular de calote.
O roubo da coisa pública é um câncer maligno que cresce a cada dia, e isto tem como principal fato propulsor as garantias jurídicas de impunidade que diuturnamente tomamos conhecimento, e tendem a crescer exponencialmente na mesma medida em que as elites dirigentes vão perdendo credibilidade e desmoralizando o poder do Estado.
O roubo corriqueiro da coisa pública, normalmente pode ser “justificado” consoante os roubos em geral, ou seja, o ladrão se apossa do valor integral do furto (normalmente os membros da quadrilha, pois não se rouba o Erário sozinho). Os ladrões que roubam 1 bilhão da previdência, se apossam de 1 bilhão e a sociedade (principalmente os mais necessitados) fica com menos 1 bilhão. Sem entrar nos méritos das perversidades sociais, quando uma quadrilha rouba 500 milhões da Saúde, ela se apodera de 500 milhões e a sociedade perde os mesmos 500 milhões. Evidentemente que nestas contas existem outros fatores não contábeis a se observar, sendo o mais evidente, o desgaste na confiança da sociedade face aos entes públicos.
Entretanto, a mesma conta dos dois exemplos acima, não serve no caso dos precatórios, pois que, neste caso, adentramos num vandalismo, que aprofunda e perpetua os efeitos nefastos do furto original.
A história (nojenta) dos precatórios do país está a merecer uma reflexão profunda e uma auditoria externa.
Como tudo no país, as espertezas, os privilégios e as maracutais têm como ponto de partida uma lógica aparentemente razoável. Não faz muito tempo, os nossos gloriosos vereadores não recebiam nenhum centavo para o desempenho das suas funções que eram (e continuam sendo) um desempenho cívico e não uma profissão. Aos poucos surge um raciocínio de que o vereador, para o desempenho da vereança, deveria ser ressarcido de gastos com a sua função. Parece razoável e (inicialmente) se estabelece uma merreca mensal. À medida que este valor simbólico ganha legitimidade, se dá uma escalada nestes valores e vereadores de cidades miseráveis recebem estipêndios acima de 10 mil reais, acrescidos de mordomias e alguns cargos de confiança. Um olhar para a história (recente) nos informa que um desempenho antes gratuito/cívico se transformou num valor acima de 20 ou 30 mil reais ao mês. Não mais se está discutindo se vereadores têm ou não direito a pagamento, mas sim o quantum. Esvazia-se a história e se elege o fato consumado como único parâmetro a ser levado em conta.
A mesma coisa aconteceu com os precatórios no Brasil Republicano. O princípio basilar da segurança jurídica repousa no bordão de que não se discute a coisa transitada em julgado, cumpre-se. Então, como se faz possível o Estado (guardião e aplicador das leis que ele mesmo produz) burlar este princípio? Elementar, meu caro Lewandovski: utilizando-se um raciocínio razoavelmente lógico (que nenhum país civilizado ousou parir) de que a máquina administrativa necessita de um tempo hábil para efetuar os pagamentos dos precatórios. Necessita prever estes recursos em orçamentos, etc. E assim, dentro desta razoabilidade canhestra, se fez: paga no ano seguinte.
Como sempre, após o cachimbo entortar a boca, ou seja, após o tempo em que este dispositivo ganha legitimidade, pode-se alargar indefinidamente este prazo, pois que não mais se está preso ao raciocínio original (com alguma razoabilidade), mas, sim, ao fato de que o prazo legal de míseros 12meses pode ser alargado para 10 / 15 / 20 ou mesmo 50 anos. Qual o problema? Não mais estamos falando de cumprir uma sentença transitada em julgado, mas, sim, de uma lei que estipula um prazo para o pagamento. Muita cara de pau desses caras, né não?
Dessa mixórdia jurídico/legislativa, a resultante é que os Entes Públicos (Executivo) deixaram de honrar os pagamentos sob o beneplácito e leniência do Judiciário e incrementado por leis (Legislativo) que culminaram com a PEC do Calote, que estabelecia 15 anos para o pagamento dos precatórios. Tal descalabro resultou num acúmulo de uma dívida estimada (por baixo) em 94,3 bilhões de reais.
O pior desta história macabra (e sempre pode ser pior) é que, não existe apenas esta dívida a sair dos cofres públicos. Existem (e aí entra o conceito de Vandalismo Estatal) os bilhões que foram roubados dos cofres públicos em função desta formatação pátria de precatórios (e ninguém foi pra cadeia!) e dos bilhões que continuam sendo roubados, ad eternum. Só pra se ter uma ideia da coisa, recentemente foi noticiado que o TJ da Bahia, comandado por uns desembargadores jabarandaias surrupiaram 1 bilhão de reais. Olhando a nossa realidade, tudo indica que esse pessoal consegue roubar um bilhão (ou 2 ou 10) do dinheiro público com mais facilidade (e impunidade) do que um pobre faminto tem para afanar banana em final de feira.
Ainda, no campo dos valores econômicos, devemos adicionar os custos (judiciais e administrativos) que se tem (dinheiro público) para gerir o monstrengo “precatorial”.
Essa história pode ser pior? Claro, meu caro Barbosa! Além dos danos materiais ao erário público, que já pagou esta conta uma vez ou duas (aos ladrões que a surrupiaram) e que terá que efetuar este pagamento legitimamente, devemos contabilizar prejuízos não econômicos, mas que são mais importantes que os valores monetários. São os danos morais que os responsáveis pela coisa pública impingiram (ativa ou passivamente) ao povo brasileiro.
O primeiro dano é que o Estado se afastou de uma premissa de que o Judiciário é o principal instrumento para diminuir as tensões sociais. A existência e permanência de inúmeras ações (sobre precatórios) desnecessárias, certamente não minimizam as tensões, mas, ao contrário, as agudizam.
Transformou o cumprimento das sentenças numa questão lotérica (prosaica), numa roleta judiciária de sorte ou azar. As sentenças e os objetos são idênticos, entretanto, se o precatório do sortudo cidadão for do Estado do Rio de Janeiro, ele recebeu (mesmo um precatório recente), ao passo que se o indigitado precatório for do Município de Teresópolis, o azarado cidadão não sabe quando receberá (mesmo precatórios antigos). Nesta altura do campeonato, tem muito gaúcho maldizendo a sina azarada de não ter nascido carioca. Os doutores jurisconsultos que gostam de nomear tudo, deveriam criar um conceito para isso (e aí, ganha foros de legitimidade), no meu modesto entender trata-se de mixórdia jurídica ou simplesmente esculhambação.
Os interesses dos poderosos no entorno dos precatórios forçou o STF a firmar jurisprudência absurda (contra o texto Constitucional) sobre as possíveis punições aos executivos inadimplentes.
Os interesses dos poderosos no entorno dos precatórios forçou o STF a firmar jurisprudência absurda (contra o texto Constitucional) sobre as prioridades de pagamento dos precatórios tidos como alimentares, atropelando inclusive os tratados internacionais, tão fundamentais para o M. D. Ministro Celso de Mello na hora de defender os embargos infringentes que retiraram os mensaleiros da frigideira. O Ministro afirmou fundamental e intransigente reconhecimento da competência da Corte Interamericana dos Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação daquela Convenção.
Os interesses dos poderosos no entorno dos precatórios vem forçando o STF a adiar reiteradamente a votação da modulação proposta pelo M. D. Ministro Luiz Fux.
O precatório no Brasil tem uma história horripilante de desobediência sistemática à lei, de inúmeras maracutaias (legais e ilegais), de malversação do dinheiro público, de escândalos de calibres variados, de leniência e mesmo conivência do Judiciário, de descompromisso da classe política para com a cidadania e os direitos fundamentais da pessoa humana.
Se a estrutura atual do sistema de precatórios interessa apenas aos ladrões da coisa pública (contados aos milhares), como explicar a sua existência e permanência se isto tortura e retira a cidadania de legítimos portadores de direitos adquiridos (contados aos milhões) e só causa vicissitudes à correta condução da coisa pública?
Se os precatórios (conduzidos de forma malandra) não produzem nenhum bem social e são uma eterna fonte de produção de problemas (econômicos, legais e sociais), como explicar a sua persistente existência na vida pública dos brasileiros?
Será que estes poucos aproveitadores são tão importantes, a ponto confrontar a sociedade como um todo e impor uma excrescência danosa ao povo e às instituições, apenas para manter mais um nicho de privilégios e roubalheiras?
Marcelo Cavalcante

quarta-feira, 5 de março de 2014

SEDUZ

SEDUZ

marcelo cavalcante
césar ceará

ver no céu
como se cria o azul
ter no eu
um canto, um eterno blues
então, de tão
frio o rumo sul
vão, em vão,
em vôos cegos,
vagos nus.
nas voltas da vida / vivi
provei do amargo fel
porrei as bebidas que não bebi
trancei os sonhos de rapunzel
dancei as danças do escarcéu
pintei os quadros de dali
e aí,
já que nada seduz
meu amor,

por favor, apague a luz.

PIPAS NO AR

pipas no ar
marcelo cavalcante
césar ceará

vai, companheiro de vida, vai
leva a certeza tão clara
de quem tão bem brinca e cai
no frescor dessa água,
no ardor da corrida
de quem busca pipas no ar
deixa a saudade no tempo
criando nuvens ensinadas
quase nada ao vento
tendo tudo no nada
como voz de alento
pra nos celebrar

paz, nos ensina a calma da paz
que desaprendo na luta
e não desdobra filho em pai
nem amansa a morte bruta
no sabor da partida
de quem busca pipas no ar
reza uma estrofe linda
de companhia breve
de melodia finda
de quebranto leve
nas dobras que ainda
vêm nos relembrar

vai, companheiro de vida em paz

vai, nas pipas da paz

CANTO DAS GENTES










(marcelo cavalcante & mano ferreira)

a noite começa,
eu vou trabalhar
o canto das gentes,
nos bares cantar.
nos tantos lugares
toca o coração,
pedaços de amores,
restos de paixão.

eu vejo as pessoas
na ânsia de amar,
nos prantos ausentes
mascaram o luar,
esboçam cantares,
bebem solidão,
tira-gosto de dores,
sonegam paixão.

a noite termina,
encerro o cantar
e a alegria aparente
vai recomeçar
nos mesmos lugares,
no meu violão,
na bebida, nos bares

do meu coração.

etc & tal

etc & tal
marcelo cavalcante / césar ceará

como num sonho, / estranho sonho,
eu me vi só
sem paradeiro / em solo estrangeiro
perdido em mim / terra e capim
tudo tão ruim / enterro e fim
como um espelho / reflexo e medo
eu me vi só
sem sexo ou alma / deserto e calma
encontro em mim / restos de cauim
o não e o sim / despertos em mim

vi bebedeiras em funeral
o valor vencido, impessoal
tanta doideira em tribunal
bebi a raiva do temporal
atravessei o que é normal
um açucareiro de fel e sal

falei em defesa do pantanal
meu amor, perdi o luar
numa vereda marginal
tantas penas pra pagar
cansei do cansaço desigual
de quem morre em vida pra sonhar

vi bagaceiras em catedral
o amor vendido sensacional
tanta besteira no seu jornal
bebi a raiva do temporal
atravessei o que é normal

seu travesseiro de mel e mal

COMO EMBALAR O SONHO

COMO EMBALAR O SONHO

Marcelo Cavalcante
César Ceará

como embalar o sonho
como ler e ter encanto
se o dia se faz medonho
na noite de tanto espanto?
todo o meu encantamento
se perde nesse imaginar
dia claro, firmamento
noite, breu. cadê luar?
como fazer a canção de amor
sem falar de dor?
eu sem você no refrão, meu amor,
pra rimar com amor
tanto querer sem razão pra sonhar
com esse não ter ou que ter
que querer-te.
resolver a questão decifrar
conhecer, não saber / imaginar-te / arte

como escrever a vida
se o falar se cala
se a boca beija, enseja
e a saudade nos embala?
todo o meu alumbramento
se acha neste caminhar
poemas, rimas, sentimentos
lendas, sinas de encontrar
como não ver os plurais
a vida e seus sinais
gênios, gnomos, feitiços
guizos, geniais?
lento prazer, senão singular
falta chão, falta ar pra viver-te
tento não ser o irmão a jogar
com a ilusão de um viver semi-arte
parte


voz: césar ceará / violões e bandolim: alexandre guichard

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

AS PRIORIDADES DO STF E OS INTERESSES GERAIS DA NAÇÃO

EXMOS. SRS. M. D. MINISTROS DO STF.

Causa muita estranheza a ordem com que recentemente foi reorganizada a pauta do STF. O Sr. Presidente da Instituição, ministro Joaquim Barbosa, segundo noticiado, afirmou que as prioridades seriam as questões econômicas (defasagem dos planos econômicos e a continuidade da modulação dos precatórios). A meu ver isto obedecia a uma lógica razoável, pois que estas matérias têm como ponto FUNDAMENTAL a questão de TEMPO.
No caso dos precatórios, resta como obviedade ululante o fato de que TEMPO é requisito (e problema) fundamental, eis que a questão da inconstitucionalidade da PEC do Calote se deu EXATAMENTE pelo tempo estipulado de 15 anos para o pagamento destas dívidas públicas (transitadas em julgado). Ainda no caso dos precatórios, estamos perto de completar UM ANO desde que o STF julgou Inconstitucionais as disposições da PEC Caloteira.
Mesmo e apesar disso, os Entes Públicos continuam agindo dentro dos parâmetros DECRETADOS INCONSTITUCIONAIS PELO STF, por força do despacho do MD. Ministro Fux.
Dentro deste panorama jurídico inconsistente e da questão (desesperadora) do TEMPO para a quitação dos débitos com os precatórios, seria razoável se esperar que a modulação pendente fosse matéria prioritária a ser resolvida. Entretanto, decepcionado, observo que o STF achou mais importante e relevante resolver os problemas de meia dúzia de criminosos (condenados por prática de crimes) em detrimento de assuntos (QUE DEPENDEM DO TEMPO) que envolvem milhares ou milhões de cidadãos.
Para os Delúbios e Dirceus da vida, serem julgados (os infringentes) hoje ou daqui há um ano, não faria muita diferença para a sociedade (pois continuariam presos), mas certamente, para os milhares (milhões) de credores dos precatórios o atraso de um dia sequer seria (e é) fundamental em suas vidas.
A quem aproveita isso? A algum interesse particular para desincompatibilização político-eleitoral? Ou apenas ao varejo de interesses político-partidários?

De toda sorte, como o jogo dos Entes Públicos devedores (caloteiros com o beneplácito e a leniência das Leis do país), sempre foi GANHAR TEMPO, o nosso STF, com essa modulação a passo de cágado, está contribuindo para que essa cultura se estenda (PELO MENOS) por mais um ano. Ou será (o que duvido muito) que a modulação descontará este tempo de espera? Saudações decepcionadas.

Desalmo - Lançamento - editora AMC Guedes

Uma morte numa briga, resultante de uma discussão trivial, desencadeia uma rede interminável de vinganças envolvendo duas famílias tradicionais do sertão cearense. Um crescente de violência deságua em paroxismo e as ações fogem ao controle das partes que perseveram por mais de vinte anos numa guerra insana, pontilhada de perversidades e atos corajosos e generosos. A motivação de tudo são os sentimentos da honra e as ligações de sangue.
Indepedente de tal rixa, perpetuada nas mentes dos envolvidos, ensejar a decadência das famílias, estas perseveram numa intolerância que em muito supera a razoabilidade e a prudênca humanas.
O coroamento da tragédia se dá quando, neste panorama assombroso, surge a figura mística de Leoldo que retorna ao seio da família após anos de sumiço sem notícias. Através de ações místico-religiosas, ideias manipuladas consoante o seu entendimento, o homem santo aparentemente conjura finalmente, através de violência inaudita, a sucessão de mortes por força de atos vingativos.
Apesar da paz aparente, anos depois se desvela um peronagem que busca recompor a justiça, através de uma vingança definitiva, efetivando a extinção física de pessoas que possam dar continuidade a aquele processo, pois que, para ele, inexistem laços de honra ou de sangue.