O
chorume que escorre
Vivemos
tempos sombrios em que absolutamente nada tem limites e a realidade se
apresenta pelo avesso. Duas premissas fundamentais para a sobrevivência
(individua e social) estão sendo sistematicamente sabotadas sem maiores
constrangimentos.
Em
primeiro lugar, a elites do país corroeu a regra, funcional e necessária, de
que todo sistema necessita ter coerência e manter a aparência de que suas
regras são justas e iguais para todos. Para tanto, os privilégios devem ser
discretos, imperceptíveis para a população em geral. Não é viável um sistema
que afirma que a lei não é igual para todos. A Constituição brasileira dispõe
que a lei é igual para todos, entretanto, a realidade anuncia e escancara em
seus alto-falantes que os privilégios pululam e escorrem por fendas cada vez
mais largas. Os privilégios corporativos são os mais visíveis, posto que banhados
e enxaguados em excessos e arrogância. Entretanto, é no Judiciário pátrio que a
manipulação (ideológica) se apresenta como uma fratura exposta. Evidentemente
que no país do jeitinho, do compadrio, do nepotismo e outros ismos, o
Judiciário como um todo apresenta desvios e mesmo crimes perpetrados por
magistrados, sendo a corrupção difusa e dependente do estofo moral individual.
Esta situação se torna insustentável (ideologicamente) quando esta crise se afunila
para o STF que é o símbolo maior da ideia de justiça. No bojo da crise
institucional provocada e alimentada pelo Partido dos Trabalhadores
(capitaneada por Lula), o STF vem deixando claro para a população que a lei não
é igual para todos. Tal cenário institucional, rudemente antidemocrático, é
sustentável? É viável a permanência e continuidade de um regime que confessa e
pratica a desigualdade dos cidadãos perante a lei?
A
segunda premissa detonada se refere a tomar fatos reais pelo avesso, costurar
narrativas desgarradas da realidade e tentar impô-las à sociedade como um todo.
Não estou me referindo à manipulação e/ou falseamento de determinados
incidentes, mas as narrativas clara e sabidamente absurdas para a população em
geral. É como afirmar, com natural empáfia, que uma geladeira não é uma geladeira,
mas, sim, um urso pardo que durante a noite passeia pelos telhados da
vizinhança com o fito de apaziguar o fervor do cio com as gatas vadias. Claro e
evidente que tal afirmação contraria a lógica, mas, se repetida exaustivamente
(dependendo de quem e por quem), tende a ser discutida com certa dose de
seriedade. A partir deste momento, os defensores de tal embuste adentram
solenes e cínicos no terreno da hipocrisia deslavada.
Todo este concerto canalha objetiva a obtenção de vantagens
e privilégios pessoais ou corporativos em detrimento da sociedade em geral e,
em sendo, não deveriam, apesar das máscaras, serem catalogados como militantes
ideológicos, muito menos de esquerda.
A sessão do STF do dia 21/03/2018 é emblemática, um marco-limite
que encerra a possibilidade de vigência do Estado Democrático de Direito no
país. Nela (além de outras anteriores) estão as impressões digitais e o DNA da
perversão da justiça, tanto em teoria quanto na prática. Não há como justificar
o julgamento do HC (preventivo) do Lula sob diversos aspectos. Existiam
inúmeros HCs impetrados antes deste, não poderia gozar de urgência uma vez que
o impetrante estava em liberdade. No momento em que a sessão do STF foi
encerrada, todos os ministros lá estavam presentes e uma possível ameaça de
abandono de dois deles não criaria quórum impeditivo, pois poderiam decidir a
questão com até 8 (oito) presentes. A cereja do bolo foi a inserção do jabuti traduzido
num salvo-conduto que cria sérios e incontornáveis problemas ao Judiciário. Ao
conceder o salvo-conduto ao Lula, o STF inventou no afogadilho da corrupção a
jurisprudência da responsabilidade do Judiciário em suas impossibilidades
fáticas, ou seja, se não podemos julgar hoje um HC, a culpa é nossa e não do litigante
e, desta forma, ele gozará do que pede até que possamos julgar. Por tal
jurisprudência, todos os HCs impetrados antes deste do Lula deveriam gozar do
mesmo privilégio jurisprudencial (salvo-conduto), uma vez que não foram julgados
por culpa do STF. Observe-se que o HC do Lula é preventivo, ao passo que muitos
outros da estão na fila de julgamento se reportam a pessoas efetivamente
presas. Observe-se, ainda, que não é razoável a decretação de um recesso
(apenas para o STF) de uma semana, por conta de um feriado cair numa sexta-feira.
Em toda sociedade existem as leis e os costumes que andam em
paralelo e se interpenetram e se complementam. Há a possibilidade de que legalmente
os ministros do STF consigam justificar suas atuações, mas é certo que deixam
indícios robustos de que andam defendendo interesses pessoais ou corporativos,
afastados das leis a que deveriam cumprir e fazer cumprir. Sob a ótica dos
costumes, para a sociedade em geral fica muito claro que ministros como Toffoli,
Levandowski e Gilmar, nada mais fazem do que defender grupos de interesses, ao
arrepio da lei. Chafurdam cotidianamente num lixão moral e o chorume que
escorre tem por finalidade asfixiar a sociedade e as suas esperanças.