sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

COXINHAS, MORTADELAS E ESTRUTURAS APODRECIDAS

Desde sempre o país foi configurado como um paraíso de ilimitados privilégios e inacreditáveis impunidades para os residentes nas elites em geral. Vivemos uma cultura pelo avesso onde se busca o “direito” a privilégios e não a luta contra os mesmos.
A história do país pode ser narrada da perspectiva dos incontáveis crimes que o Estado cometeu contra o povo e nas raras vezes em que, por necessidade, a ele se aliou para traí-lo. Desembolando este novelo de manipulações viemos a nos transformar em uma República que se especializou em colocar os seus sucessivos governos a serviço dos interesses particulares, em detrimento do povo. Para tanto se fez necessário (cada vez mais) uma insustentável flexibilização das palavras, para que as leis pudessem ser “interpretadas” consoantes a interesses determinados. Desta forma, consagrar na nossa Constituição que a “lei é igual para todos” não resiste minimamente a qualquer análise que se faça, mesmo em fatos corriqueiros.
Neste processo de “livre” interpretação das leis (e das palavras) tudo é permitido, desde que “justificado”, mesmo estando a justificativa grávida de absurdos. Daí que se estipula em lei o maior salário público em 29,4 mil e qualquer juiz de direito recebe todo mês acima de 100 mil. Tem gente que consegue receber mais de 2 milhões em um mês, legalmente, em contracheque. Como, sem burlar a lei? Simples: agrega-se justificativas “boi com abóbora” e uns penduricalhos tipo auxílio moradia, auxílio falta de caráter, auxílio esperteza, auxílio farinha pouca, etc. Tal procedimento interpretativo se estende da primeira instância ao STF, em rito naturalizado.Veja-se por exemplo, ano passado no estado do Rio de Janeiro em que governador, deputados e secretários tiveram aumentos salarias substantivos ao passo que os servidores nada obtiveram. Claro que soluções honestas e “iguais” existem, por exemplo, aumento salarial no país é o mesmo para todos e de acordo com o aumento concedido ao salário mínimo. Mesmo assim, existiriam meios de se contornar este óbice legal, que é para isso que serve o STF, para formar jurisprudência de que é constitucional um aumento “destutelado”, seja lá o que isso signifique. Atrasam os salários dos servidores, mas nunca dos deputados, senadores, juízes,ministros... A explicação jurídica é que estes são mais iguais...
Então, para a instauração de uma realidade desigualitária, se fez necessário construir um corpo legal que atendesse o figurino de um Frankenstein, no qual literalmente cabe tudo e tudo pode, pois as bocas do poder instituído entortam e “justificam” todas as injustiças possíveis e imaginadas, desde que pertinentes para a manutenção dos privilégios e impunidades.
Nesta avenida de iniquidades, onde os desmandos foram se aprofundando, finalmente nos deparamos com uma situação limite, em que dirigentes de um partido no poder tiveram a ousadia (desdobramento natural) de aparelhar o Estado e institucionalizar uma quadrilha para assaltar os cofres públicos, desviando valores inimagináveis para o partido e mesmo para particulares.
Observando a realidade e a história do Brasil, acredito que tal mega plano criminoso poderia ter sido perpetrado com pacífica tranquilidade, não fosse o equívoco de o furto se estender à Petrobras que, apesar de ser uma empresa sob o controle do governo, tem capital aberto, ou seja, tem sócios particulares, sendo que muitos deles detentores de poder e de privilégios. Neste momento crucial, a criatura se voltou contra o criador. A cartilha dos desmandos para com a coisa pública tem como corolário a regra básica de que pode roubar o que é público, pois não tem dono. Entretanto, não se pode roubar de rico impunemente. Imagino quanto ricos e poderosos (inclusive grandes empresas) detêm ações da Petrobras e foram lesados... Faz sentido afirmar que você rouba o tesouro nacional impunemente, mas o mesmo não acontece se você assaltar o Bradesco.
No rastro do Mensalão, o chamado Petrolão ganhou manchetes escandalosas e imergiu a sociedade num sentimento de desconfiança generalizada sem precedentes. Da mesma forma que o cidadão (em sua maioria) não deixaria o filho de 10 anos passar uma noite no Vaticano, a convite de Sua Santidade, o Francisco, ele não mais confia nem nos sorteios dos prêmios da Caixa Econômica. Imagina comprovar-se que nestes últimos anos, os sorteios da Mega Sena eram roubados? Tamanha hediondez seria o fim dos tempos, mas desconfiar é preciso, pois que uma desconfiança autorizada e justificada pelo rumo dos acontecimentos.
Neste panorama de apodrecimento da gestão da coisa pública (os três poderes formando uma quadrilha), instaurou-se na sociedade um debate equivocado, pois que se caracteriza em Partido dos Trabalhadores versus Direita, coxinhas versus mortadelas, Dilma versus Temer versus Aécio... Ancorado em tal pauta tacanha, passamos a assistir os estertores de um arcabouço que se mostra insustentável. Fazendo valer as regras da impunidade e privilégios (na ausência de regras claras), os poderosos do país (dos dois lados) esperneiam filigranas junto a um STF sabidamente aparelhado (pelas regras tortas instituídas). Num clima de Fla X Flu de alucinados, Chico Buarque, o maior compositor popular já nascido neste país, é transmutado num merda qualquer. Enquanto se perde tempo nesta disputa ociosa, o essencial é deixado incólume: o sistema construído sob o figurino da má consciência.
Barack Obama é seguramente o homem mais poderoso do planeta e tem poderes para destruir países, entretanto, não conseguiria produzir uma Pasadena sequer, coisa minúscula diante do conjunto da obra do Petrolão. Nenhum mandatário de um país minimamente decente teria meios de produzir tantos desmandos. Seriam mais honestos que nosotros, cucarachas de merda? Não. O sistema os controla através dos textos legais e da sua execução. Como macaqueamos quase tudo, temos leis parecidas com as dos demais países, com a diferença de que a execução de tais leis depende de... depende de... “com quem estamos falando”.
De toda sorte, o afastamento de Dilma da presidência (mesmo porque a linha de sucessão presidencial é uma lástima), deveria ser apenas um apêndice na discussão, pois de nada serve se não forem promovidas mudanças estruturais e éticas que coloquem o país num rumo verdadeiramente democrático, onde todos realmente sejam iguais perante a lei.




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