Desde sempre o
país foi configurado como um paraíso de ilimitados privilégios e inacreditáveis
impunidades para os residentes nas elites em geral. Vivemos uma cultura pelo
avesso onde se busca o “direito” a privilégios e não a luta contra os mesmos.
A história do
país pode ser narrada da perspectiva dos incontáveis crimes que o Estado
cometeu contra o povo e nas raras vezes em que, por necessidade, a ele se aliou
para traí-lo. Desembolando este novelo de manipulações viemos a nos transformar
em uma República que se especializou em colocar os seus sucessivos governos a
serviço dos interesses particulares, em detrimento do povo. Para tanto se fez
necessário (cada vez mais) uma insustentável flexibilização das palavras, para
que as leis pudessem ser “interpretadas” consoantes a interesses determinados.
Desta forma, consagrar na nossa Constituição que a “lei é igual para todos” não
resiste minimamente a qualquer análise que se faça, mesmo em fatos
corriqueiros.
Neste processo
de “livre” interpretação das leis (e das palavras) tudo é permitido, desde que “justificado”,
mesmo estando a justificativa grávida de absurdos. Daí que se estipula em lei o
maior salário público em 29,4 mil e qualquer juiz de direito recebe todo mês
acima de 100 mil. Tem gente que consegue receber mais de 2 milhões em um mês,
legalmente, em contracheque. Como, sem burlar a lei? Simples: agrega-se
justificativas “boi com abóbora” e uns penduricalhos tipo auxílio moradia,
auxílio falta de caráter, auxílio esperteza, auxílio farinha pouca, etc. Tal procedimento
interpretativo se estende da primeira instância ao STF, em rito naturalizado.Veja-se
por exemplo, ano passado no estado do Rio de Janeiro em que governador,
deputados e secretários tiveram aumentos salarias substantivos ao passo que os
servidores nada obtiveram. Claro que soluções honestas e “iguais” existem, por
exemplo, aumento salarial no país é o mesmo para todos e de acordo com o
aumento concedido ao salário mínimo. Mesmo assim, existiriam meios de se
contornar este óbice legal, que é para isso que serve o STF, para formar
jurisprudência de que é constitucional um aumento “destutelado”, seja lá o que
isso signifique. Atrasam os salários dos servidores, mas nunca dos deputados,
senadores, juízes,ministros... A explicação jurídica é que estes são mais
iguais...
Então, para a
instauração de uma realidade desigualitária, se fez necessário construir um
corpo legal que atendesse o figurino de um Frankenstein, no qual literalmente cabe
tudo e tudo pode, pois as bocas do poder instituído entortam e “justificam”
todas as injustiças possíveis e imaginadas, desde que pertinentes para a
manutenção dos privilégios e impunidades.
Nesta avenida de
iniquidades, onde os desmandos foram se aprofundando, finalmente nos deparamos com
uma situação limite, em que dirigentes de um partido no poder tiveram a ousadia
(desdobramento natural) de aparelhar o Estado e institucionalizar uma quadrilha
para assaltar os cofres públicos, desviando valores inimagináveis para o partido
e mesmo para particulares.
Observando a
realidade e a história do Brasil, acredito que tal mega plano criminoso poderia
ter sido perpetrado com pacífica tranquilidade, não fosse o equívoco de o
furto se estender à Petrobras que, apesar de ser uma empresa sob o controle do
governo, tem capital aberto, ou seja, tem sócios particulares, sendo que muitos
deles detentores de poder e de privilégios. Neste momento crucial, a criatura
se voltou contra o criador. A cartilha dos desmandos para com a coisa pública tem
como corolário a regra básica de que pode roubar o que é público, pois não tem
dono. Entretanto, não se pode roubar de rico impunemente. Imagino quanto ricos
e poderosos (inclusive grandes empresas) detêm ações da Petrobras e foram lesados...
Faz sentido afirmar que você rouba o tesouro nacional impunemente, mas o mesmo
não acontece se você assaltar o Bradesco.
No rastro do Mensalão,
o chamado Petrolão ganhou manchetes escandalosas e imergiu a sociedade num
sentimento de desconfiança generalizada sem precedentes. Da mesma forma que o
cidadão (em sua maioria) não deixaria o filho de 10 anos passar uma noite no
Vaticano, a convite de Sua Santidade, o Francisco, ele não mais confia nem nos
sorteios dos prêmios da Caixa Econômica. Imagina comprovar-se que nestes
últimos anos, os sorteios da Mega Sena eram roubados? Tamanha hediondez seria o
fim dos tempos, mas desconfiar é preciso, pois que uma desconfiança autorizada
e justificada pelo rumo dos acontecimentos.
Neste panorama
de apodrecimento da gestão da coisa pública (os três poderes formando uma
quadrilha), instaurou-se na sociedade um debate equivocado, pois que se
caracteriza em Partido dos Trabalhadores versus
Direita, coxinhas versus mortadelas,
Dilma versus Temer versus Aécio... Ancorado em tal pauta
tacanha, passamos a assistir os estertores de um arcabouço que se mostra
insustentável. Fazendo valer as regras da impunidade e privilégios (na ausência
de regras claras), os poderosos do país (dos dois lados) esperneiam filigranas
junto a um STF sabidamente aparelhado (pelas regras tortas instituídas). Num
clima de Fla X Flu de alucinados, Chico Buarque, o maior compositor popular já
nascido neste país, é transmutado num merda qualquer. Enquanto se perde tempo
nesta disputa ociosa, o essencial é deixado incólume: o sistema construído sob
o figurino da má consciência.
Barack Obama é
seguramente o homem mais poderoso do planeta e tem poderes para destruir países,
entretanto, não conseguiria produzir uma Pasadena sequer, coisa minúscula
diante do conjunto da obra do Petrolão. Nenhum mandatário de um país
minimamente decente teria meios de produzir tantos desmandos. Seriam mais honestos que nosotros, cucarachas de merda? Não. O sistema os controla através
dos textos legais e da sua execução. Como macaqueamos quase tudo, temos leis
parecidas com as dos demais países, com a diferença de que a execução de tais
leis depende de... depende de... “com quem estamos falando”.
De toda sorte, o
afastamento de Dilma da presidência (mesmo porque a linha de sucessão
presidencial é uma lástima), deveria ser apenas um apêndice na discussão, pois
de nada serve se não forem promovidas mudanças estruturais e éticas que
coloquem o país num rumo verdadeiramente democrático, onde todos realmente
sejam iguais perante a lei.
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