terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Os fascistoides fundaram a Liga Anti-Fascista

Meu caro petista da Liga Anti-Fascista.
Não tenho por costume escrever respostas a cartas apócrifas, principalmente guardando fundadas desconfianças de que se trata de um texto encomendado e pago a peso de ouro e a venda da consciência. Acreditei, a princípio, que o título do texto (O ódio das trincheiras) deveria ser uma análise dos embates midiáticos suscitados pelas inacreditáveis mazelas perpetradas pelos integrantes mais brevetados do Partido dos Trabalhadores. Muitos destes crimes já foram apurados (alguns até julgados), mas os indícios (robustos) apontam para coisas do arco da velha, enredo nunca posto em prática no mundo civilizado (nem na barbárie). Argumentam os petistas que tudo isso nada mais é que uma conspiração das elites para apear a esquerda do poder. Por que as elites teriam tal interesse, se todas as suas vantagens e seus privilégios foram mantidos (e aprofundados) nestes anos sob o comando de Lula e Dilma? Quais condições práticas teria uma oposição para inventar crimes e forjar tamanho manancial de provas, numa conjuntura em que o governo tem condições privilegiadas de defesa e mesmo controle sobre as investigações?
Acredito que quem despertou o ódio irracional foram os petistas, ao tentarem, a todo custo, defender o indefensável. Ao tentarem politizar questões de polícia e do judiciário, numa insensata negação dos fatos, os petistas se colocaram numa postura de seguidores religiosos fundamentalistas (outros por questões econômicas, a célebre boquinha que sempre é oriunda do dinheiro público) e isto açulou os aloprados fundamentalistas anti-PT, a direita raivosa e truculenta. Concordo que aloprados temos de todos os matizes, mas os com maior poder de malfeitar, são os que estão no poder. O supra-sumo da intolerância antidemocrática dos petistas fica patente na medida em que tentam impor os dirigentes petistas (simples mortais) como portadores de valores universais. Acusar Lula é atacar a democracia, pedir o afastamento de Dilma é ser antidemocrático, investigar indícios de crimes se transforma em conspiração de direita.
Concordo com você que é estupidez afirmar que o PT é comunista, seus quadros não têm envergadura para tanto, pois deve ter meia dúzia de comunistas em suas fileiras (os verdadeiros caíram fora na primeira leva, nas primeiras esparrelas do Lula na presidência). Lembro que nas discussões de apoio ao Lula no segundo turno, contra o Collor, lá em Cajamar (isto está publicado em livro), o velho Prestes afirmou que Lula não era nem nunca seria comunista, e apontou a principal razão, era preguiçoso e não queria estudar para entender o mundo.
Creio que você mesmo concorda com isso, pois reconhece que vivemos 13 anos de governos petistas “onde os banqueiros obtém recordes em seus lucros” (palavras suas). Então, não sendo comunista nem querendo assumir posturas de direita (apesar de manter e aprofundar a política neoliberal de FHC) o que restou ao PT em sua sanha de manter o poder? Eu, particularmente, acredito que a aposta política petista foi jogar todas as suas fichas num governo midiático e tal opção afastou seus dirigentes da realidade do povo deste país e mesmo da realidade cotidiana. Perambulam feito Alices, pois que o fã-clube perdeu os atrativos e os seguidores e simpatizantes já não salivam automaticamente. Isso acontece com muito artista famoso, porém sem conteúdo. A irresponsabilidade é patente, pois o mundo glamuroso dos olimpianos não se confronta com a miséria e o sofrimento dos esfomeados, mas os governos não são eleitos para escrever roteiros de fantasias. Acredito que estes governos petistas gastaram mais com propaganda do que com o bolsa-família, pois para eles era mais importante propagandear o feito (votos) do que a própria realização: amenizar a miséria dos mais necessitados. Acredito que deu mais dinheiro para os ricos do que para o bolsa-família e acredito que o montante de valores escoados pelos esgotos da corrupção foi maior que o empenhado no bolsa-família. Este seu próprio (?) texto desmascara a forma enrustida (uma espécie de venda casada) onde combate a extrema direita e as cassandras dos quartéis num contexto de defesa de Lula, Dilma, et caterva.
Perseverar espancando os fatos, reafirmando que Delúbios, Dirceus, Genuinos e Vaccaris, condenados e presos democraticamente, são heróis do povo, é mais fundamentalista e antidemocrático do que a atitude da direita aloprada que clama pelos militares. Absolver réus condenados na marra não está na nossa Constituição, porém a intervenção militar está.
Aos dezoito anos eu estava preso nos porões do DOPS, em Belo Horizonte, e por lá fiquei oito meses. Nunca tirei proveito disso. Não acredito numa solução militar e eles não têm um projeto para o país. O projeto de país elaborado nas casernas foi posto em prática, se esgotou e caiu de podre. Ninguém derrubou a ditadura, pois ela caiu de podre, mas antes negociou (como sempre) um acordo pelo alto, longe do povo (solução confiável de Tancredo Neves). Em treze anos no poder o PT teve oportunidades e condições objetivas de mudar uma estrutura perversa que tem como corolário o privilégio e a impunidade e não o fez, ao contrário, assumiu tal estrutura, aprofundando-a nos descaminhos da imoralidade hipócrita, desde que causa eficiente para os seus interesses. Nunca, em toda a história da República, um governo deixou tão patente que administra os seus interesses em detrimento dos interesses da sociedade. O que a Dilma tem feito, de forma escancarada, para se manter no poder, nem o Collor ousou em seus momentos mais extremos de delírio e arrogância.
Existem várias maneiras de combater a intolerância, a opressão e a estupidez. Mas não acredito numa que fala em defesa da democracia imbricada na defesa de cidadãos que estão sendo investigados, julgados e mesmo condenados pela justiça. Este seu texto não é uma defesa da democracia e nem mesmo do PT, mas antes a defesa dos principais mandatários de um partido, cuja maioria (os não detentores de foros privilegiados) foi condenada (democraticamente) e muitos estão atrás das grades.
Enfim, tenha absoluta certeza de que se o Lula for parar na cadeia, não terá sido pelo bom ou mau governo, por ter sido bonzinho ou mauzinho para com os pobres ou ricos, mas simplesmente porque usou os seus poderes (que são do povo) para tirar vantagens pessoais, cometeu ilícitos penais, delinquiu.
Neste particular, contrariamente ao que pensam os especialistas, a minha convicção, diante dos fatos, é que o Lula será condenado não só por provas contundentes, mas, e principalmente, pela ousadia de roubar de ricos. Ultrapassou os limites sagrados das regras capitalistas. Ao enfiar os dentes agudos da corrupção na Petrobras, os quadrilheiros do estado esqueceram de avaliar a reação dos particulares lesados. No Brasil, roubar verbas da educação, da saúde e dos aposentados é tarefa de facílimo cometimento, pois que dinheiro público, portanto, sem dono, terreno baldio de fácil acesso, livre manipulação e garantida de impunidade. Muito diferente é ter a ousadia de roubar fundos dos EUA, da Noruega e da Inglaterra. Desviar recursos do INSS pode, roubar do Bradesco e do Itau é aventura fadada a dar com os burros n´água.
Não se engane, persevere lutando pela liberdade e pelas causas que são justas, mas deixe as defesas judiciárias aos competentes e caros advogados, como prescreve as regras da democracia.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

O capitalismo, a corrupção e o aparelhamento do estado

Posto que, na modernidade, a hipocrisia se estabelece enquanto estruturada, como elemento estratégico que torna possível a continuidade de relações assimétricas entre países e mesmo nas questões da cidadania. O epicentro de tal arranjo, o seu estabelecimento de forma clara, se dá com o final da segunda guerra com a imposição de uma versão logicamente insustentável, na qual os perdedores foram demonizados e os vencedores endeusados e entronizados em santuário inconsútil. Uma história recontada de forma eivada de abusos, na qual se incutiu na memória social do mundo um Hitler mefistofélico em todos os sentidos e, ao mesmo tempo, se fez esquecer quem autorizou o lançamento de duas bombas atômicas sobre as cidades nipônicas. Óbvio que a justificativa de encurtar o sofrimento da guerra é conversa para alices mais desavisadas que a original. Creio que este é o marco fundador que estabelece e entroniza a hipocrisia enquanto categoria de sobrevivência (diplomacia possível), uma válvula de escape a impasses incontornáveis, diante forças extremamente díspares. Destarte, seguimos, até uma ruptura, uma existência sob o signo e o jugo do nojo.
O sistema capitalista tem regras que, apesar de modificadas pari passu ao avanço das forças sociais, mantem como eixo basilar o crescimento da produção e dos mercados, ou seja, a expansão capitalista. Tal desiderato (ou condenação) é inerente ao próprio sistema e independe de comandos determinados.
A abolição (embora tardia) da escravidão no Brasil ocorreu muito mais em função de pressões do capitalismo internacional nascente (capitaneado pelos ingleses) do que por força dos sentimentos humanitários da princesa Isabel, a redentora. A escravidão se tornou inviável, não em função de derramados discursos de cunho sentimentaloide, mas sim pelo fato de que era um entrave à expansão do capitalismo, posto que contrariava a sua lógica de previsão e controle do processo produtivo.
O processo de descolonização no continente africano não resultou da tomada de consciência humanitária do reconhecimento de direito e merecimento de respeito à autodeterminação dos povos, mas sim com a implementação de novas formas, mais eficazes, de exploração de riquezas pelo mundo afora, sem a necessária ocupação territorial que onerava o capital desnecessariamente. Assim como não há almoço grátis, não há um pingo de sentimento nesta carruagem povoada de lógica irreformável, máquina desgovernada, com o feio nos dentes, que constrange a ricos e pobres aos seus ditames de lucro. Mesmo Bill Gates e outros com fortunas maiores não contrariam as suas regras gerais sob pena de sofrer a decadência econômica.
Nesta sua nova fase, mais uma vez por rotas transversas, o sistema hegemônico passa a promover um combate à corrupção, post que este, alastrado pela periferia do sistema produz entraves para a livre expansão ao seu livre curso. A lógica do capital, apesar de objetivar o lucro não comporta o roubo puro e simples como uma de suas prerrogativas. O suborno de empresas e governos, no âmbito de concorrências transnacionais, está na contramão da lógica dos negócios, posto que o sistema não se reproduz através de crimes, pelo menos não dos crimes capitulados nos códigos criminais da quase totalidade do concerto das nações.
Hoje, no Brasil, nos rastros retumbantes de escândalos nunca vistos, através de crimes nunca ousados, nos deparamos com a sociedade brasileira extravasando uma indignação nunca antes registrada. O debate renhido e ainda incruento se dá em torno de uma operação denominada Lava-Jato, que teve como ponto de partida atos de corrupção na Petrobras e que se espalhou pela máquina administrativa estatal e que agora coloca no epicentro o ex-presidente Lula, como principal suspeito de ser o chefe de uma quadrilha com atuação sem precedentes na história do mundo dito civilizado. Por ter como alvo a elite no poder (empresários e políticos), as investigações e os julgamentos sofrem uma extrema e indevida politização de lado a lado que atiçam paixões desenfreadas e argumentações alucinadas. Neste momento, o debate está centralizado em torno do poder, no afastamento da presidente Dilma e convocação de novas eleições. Tal debate tem criado o mito de que a eleição de um novo presidente da república purgará a sociedade de seus principais males. Vã demagogia! Ingênua quimera!
Os problemas do país são mais sérios e mais profundos do que promover eleições e empossar eleitos, pois reside no que, como e para quem irão governar. Faz muito tempo que a máscara caiu e que o poder é adquirido e sustentado tão somente através de fisiologismos escancarados. Faz muito tempo que a escolha de um ministro não recai sobre um cidadão preparado para desempenhar as funções da sua pasta, uma vez que um ministério representa a adesões e apoios ao que eles denominaram de base parlamentar. Esqueceram que o Ministério da Saúde existe com a finalidade precípua de organizar a prestação de serviços de saúde para a população e não para manter um presidente com maioria no Congresso. Dessa forma o Estado passa a atender as suas necessidades em detrimento da população em geral, ou seja, deixa de administrar a sociedade para se dedicar a cevar a elite ora no poder.
A primeira e mais aguda perda, é a autoridade moral. Sem parâmetros éticos as nossas elites não se apercebem que perderam há muito os referencias que norteiam uma sociedade minimamente estruturada em igualdade e justiça. A crise moral que recobre os poderes da República e as elites nacionais é muito mais danosa e intransponível do que a crise econômica de singular crueza.
Foram tantos os séculos e tão fartas as doses que as seringas da hipocrisia irrigaram as veias das nossas elites a um ponto de esbarrar numa overdose, ponto sem retorno no vício. O patrimonialismo, paulatinamente estruturado, atingiu um limite em que sufoca a sociedade com suas demandas por privilégios cada vez mais abusivos. Perdeu-se a noção da razoabilidade na medida em que tudo, qualquer monstruosidade pode ser justificada. Vivemos num país em que cartorialmente as justificativas não necessitam ser minimamente racionais ou razoáveis, pois se esgotam na própria justificativa. Neste sentido, por exemplo, um juiz concede um habeas corpus a um traficante sob a justificativa de que as celas da Polícia Federal não reúnem condições dignas de mantê-lo. Espantosamente a comprovação de que todas as demais celas do país são piores não levam os nossos juízes a mandarem soltar todos os presos do Brasil. Dessa forma, juiz pode justificar qualquer coisa, pois o que se requer é uma justificativa, não importando o seu conteúdo.
A assimetria está incorporada ao nosso cotidiano de forma tão empedernida que mesmo cidadãos bem intencionados não mais conseguem distinguir o justo do injusto, o legítimo do privilégio, o honesto do desonesto. Difícil, senão impossível, encontrar algum nicho de poder que não esteja eivado de privilégios. Tornou-se lugar comum, mesmo no STF, soluções e decisões lambuzadas de corporativismo.
Vivemos um simulacro de lados ideológicos, pois que quaisquer ideologias são tragadas inexoravelmente por uma realidade estruturada que as antecede e as conformam. Em verdade, exercer o poder no Brasil, independe de ser de esquerda ou de direita, pois a estrutura sobre a qual o poder é exercido tem forma própria onde prepondera um patrimonialismo que se aprimora a cada dia e que tem como corolário a garantia de impunidade para os seus reinóis ridículos. Tal situação pode ser comparada ao do usuário de cocaína que, uma vez viciado, necessita aumentar paulatinamente a dose, até a overdose fatal. Da mesma forma, as nossas elites viciadas no mando indiscriminado, necessitam expandir as suas carreirinhas de privilégios mesmo que sabendo que a dose fatal está se aproximando inexoravelmente, uma vez que faz tempo o limite do tolerável foi ultrapassado.
Dessa forma, por mais que as paixões incendeiam os debates na atual conjuntura, por mais que o Partido dos Trabalhadores tenha institucionalizado uma política quadrilheira no interior do Estado, circunscrever a crise a tais sucessos é transformar sintoma em causa, uma vez que a matriz que propiciou tantos despautérios persiste incólume na estrutura que aí está, pronta para ter continuidade a uma simples substituição presidencial.