quarta-feira, 4 de junho de 2014

OS FIOS DA MEADA- Da ausência de responsabilidade do Estado



Em decisão acertada, no governo do FHC, foi instituída uma lei de responsabilidade fiscal, a qual tem por objetivo colocar um freio nas megalomanias e descontroles dos gastos públicos e, por tabela, coibir a roubalheira generalizada que grassa no setor público. Mas não temos muito a festejar, pois sabemos que, no Brasil, leis foram feitas para serem interpretadas e só aplicadas nos casos em que não afetam os interesses dos poderosos. Com pouco tempo de vigência desta lei constatou-se que as suas ordenações não estavam sendo cumpridas, mas serve aos administradores públicos como uma excelente justificativa para não executar determinadas obrigações que não tem interesse ou vontade política de executar. Isto serve, inclusive, como argumento para a não construção de escolas, o não aumento de salários dos professores, a não construção de postos de saúde, o não aumento de salários dos médicos, etc. Entretanto, nunca tive notícia de que algum prócer dessa República de Bananas arguiu a Lei de Responsabilidade Fiscal para impedir a roubalheira dos cofres públicos.
Essa diatribe acima serve como intróito para uma análise mais geral de como a lei e a democracia é formatada (na cabeça de uma elite esclerosada) e empurrada goela abaixo da sociedade.
A primeira distinção a se fazer é a de que, as leis no país, desde sempre e tradicionalmente, são criadas para uma sociedade idealizada e não real. Como exemplo recente, um babaca de um prefeito acha que dota de civilidade a cidade que ele “alcaideia” tal qual Paris ou Londres, com a simples promulgação de uma Lei que pune o cidadão que joga uma guimba de cigarro nas sujas calcadas de uma cidade suja. É duplamente babaca por desconhecer que várias gerações foram viciadas em tabaco, com o amplo beneplácito e concurso do poder público. É triplamente babaca (fingir) desconhecer que até bem pouco tempo, nenhum carro era construído no país sem cinzeiros, os ônibus tinham cinzeiros, e até nos hospitais os cinzeiros eram peças obrigatórias e que o fumo era bem visto e bemquisto em qualquer lugar (mesmo em elevadores cheios), visto que o tabagismo era tido como um valor positivo, mesmo necessário. Ok. Respeitemos as diarréias histéricas dos neo-naturebas, mas reconheçamos os costumes arraigados nos cidadãos.
A segunda, e crucial distinção, é observarmos que existe um fosso imensoooooo entre as Leis e a administração destas mesmas Leis pelos operadores da justiça. Há que se observar que, no contexto presente, existem duas esferas que se complementam: a lei e a sua aplicação. Bastassem as palavras o mundo viveria num estado idílico, melhor que os paraísos mais detalhadamente descritos em livros sagrados ou profanos. As palavras, para deixarem de ser meros discursos vazios, necessitam ser calcadas com atos concretos na realidade concreta e as Leis, por terem caráter e poder de constrangimento, devem ser as que mais necessitam obrigatoriamente de ter existência na concretude da sociedade como um todo (cidadãos e Estado). Por mais que se admita uma carga de subjetividade nas interpretações, não há como se tolerar a existência de exorbitantes assimetrias, questões idênticas terem decisões (sentenças, poder de polícia, etc.) totalmente opostas. Tais casos ocorrem corriqueiramente, de forma grosseira, com a maior naturalidade, como por notório exemplo, condenar uma mulher à prisão por furto de uma lata de bananada e absolver os menininhos ricos que queimaram um índio vivo, que dormia em praça pública. Tais discrepâncias não têm evidentemente nada a ver com interpretações subjetivas, mas tão somente com a imposição de um modelo de justiça que não é absolutamente igual para todos. Isto desmoraliza as leis e faz a sociedade descrer do poder público. Aliás, falando em corda em casa de enforcado, qual o respaldo moral de um Congresso, no qual verdadeiros (e conhecidos) bandidos aprovam leis?
A terceira distinção reside na assimetria com que o Estado controla os cidadãos e não controla os poderosos encastelados no poder do próprio Estado. Lembro que faz uns dez anos que caí na malha fina do nosso glorioso IRRF por um motivo prosaico, mas que levado com extremo rigor (como deveria ser com TODOS os cidadãos) pelos agentes do Leão. Simplesmente esqueci de declarar 100 reais que recebera da Faculdade, como serviços prestados (palestra). O contador explicou que não havia problema, uma vez que aquele valor não fazia NENHUMA diferença na apuração final. Qual o quê, seo moço! A Receita Federal me colocou dois anos na suspeição da malha fina. Até acharia justo, desde assim procedessem com TODOS, o que certamente não acontece. Num país onde pululam notórios ladravazes da coisa pública, com expressiva presença na mídia e ostentação de riqueza incompatível com os seus possíveis ganhos, nunca são incomodados ao passo que um humilde professor é acossado por causa de 100 reais não lançados na sua declaração. Mas isso indica, com certeza, que a Receita tem controle absoluto do que se faz ou deixa de fazer com dinheiro. Então, senhoras e senhores, como é que o Lula explica o seu patrimônio? Melhor, ainda, como é que a Receita não lhe cobra explicações? O ex-presidente é apenas um exemplo entre tantos outros que poderiam ser citados, mas acredito que nomear todos levaria uns duzentos anos e não creio que vá viver tanto. São tantos os casos no Judiciário em que procedimentos são levados a efeito de formas totalmente antagônicas, dependendo dos personagens envolvidos. Fico estarrecido com os rapapés e salamaleques com que a justiça trata os criminosos do (foram condenados = trânsito em julgado) mensalão, tanto quando do julgamento quanto na questão do cumprimento das sentenças. Não discuto se os procedimentos do STF no caso estão certos ou errados, mas questiono simplesmente se este é o procedimento padrão dispensado a TODOS os brasileiros, se é assim que Suas Excelências mandatárias das Execuções Penais agem de plano.
Tenho a expectativa de que, de um momento para outro, o menino vai gritar que o rei está nuzinho em pelo e esta arquitetura de fracaria desaba feito jaca madura. A desenvoltura com que os ladrões públicos desfilam nos noticiários cotidianos só rivaliza com a infalível impunidade que lhes é reservada/assegurada.
Mas tais penduricalhos de privilégios de classe são perfumarias, se comparados à in-co-men-su-rá-vel irresponsabilidade com que os agentes públicos atuam sem serem responsabilizados. Os Congressistas do país contam com inúmeros assessores e o próprio Congresso Nacional gasta uma fábula para ter informações de qualidade, além de poder fazer as consultas que desejar a quaisquer experts deste mundo e do outro. Apesar de contar com esta parafernália de meios (ilimitados), como é que o Congresso Nacional consegue aprovar leis (que são sancionadas pela Presidência da República) que posteriormente são consideradas inconstitucionais? Tal ocorrência deveria ser rara (caso fortuito) e, entretanto, tornou-se fato corriqueiro. Dependendo da matéria de que trata, uma Lei pode interferir, prejudicar ou constranger a vida de milhões de cidadãos e depois de causar os seus efeitos (indevidos, pois causados por uma lei que não poderia ter existido), é considerada revogada e NINGUÉM tem nada com isso, ninguém é cobrado pelos prejuízos e transtornos causados a milhões de cidadãos. Ora, isso é próprio da democracia... Não, não é. Em defesa dos congressistas que aprovam uma Lei inconstitucional, podemos arguir que erraram. Ok. Ocorre que cometeram um erro que poderia ser evitado, pois tiveram tempo e assessoria (em todos os níveis) para evitar o erro. Passa batido, como se natural, e ninguém é responsabilizado. Entretanto, o cidadão comum, comete um erro, no qual ele não teve tempo nem assessoria, e é submetido aos ditames das Leis que o responsabilizam por toda sorte de dano que cometeu acidentalmente.
Daí que, por exemplo, um prefeito de uma pequena cidade resolve desapropriar um terreno de uma grande empresa incorporadora, ninguém liga ou toma conhecimento. Ocorre que este mesmo prefeito não paga a indenização devida e ninguém protesta ou toma conhecimento. Daí que a procuradoria (ou advogados) da prefeitura (industriada pelo prefeito) perde a causa e a sentença vem pesada, normalmente com um valor absolutamente incompatível (acima) com o valor original (e aí tem inúmeras formas de artificializar a traquitana), ninguém se estarrece (muito menos os MPs). Em seguida, esta sentença é transformada em precatório comum e entra na fila dos credores. Sobre este fato repousa um silêncio sepulcral. Ocorre que um dia, numa fila em que prioridades alimentares foram arregadas pela própria justiça, este precatório entra na vez de ser honrado. Aí o bicho pega (mas nem tanto) e o iceberg começa a procurar o seu Titanic. Neste exemplo, cabem absurdos os mais variados, os mais estapafúrdios que a criatividade humana tem capacidade de inventar. Acontece que a prefeitura tem um orçamento anual no valor de 500milhões e o precatório tem um valor de 400 milhões. Sem contar com a roubalheira que acontecerá no rastro do tal precatório, segundo o limite (estabelecido em lei) de 2% ao ano para tais pagamentos, a prefeitura levará 40 anos para pagar o que transitou em julgado. Ocorre que o titular do precatório não se estertora em desespero, uma vez que, ao receber a primeira parcela, já ressarciu aquele terreno original e os 390 milhões restantes virão nos próximos 39 anos. É só isso? Claro que não, tem a parte mais perversa (que deve deliciar os juristas sádicos) que se traduz no fato de que TODOS os demais precatórios (alimentares ou não) da fila terão que esperar o pagamento deste que demorará o pequeno espaço de tempo de 40 anos. Podemos piorar ainda mais esta história? No Brasil, sempre é possível, entende? Uns 30 anos se passam (enquanto isso, na fila dos precatórios vários cidadãos já faleceram sem ver tostão) e um turista desinformado vendo um terreno abandonado, com a cerca derribada pelo corroer das intempéries, tenta se informar do proprietário e descobre que é um terreno da prefeitura. Acredito que o leitor já adivinhou de que terreno estamos falando... Pois é, o terreno que foi desapropriado, encalacrou a prefeitura em dívidas, ferrou com a vida de inúmeros cidadãos que ganharam ações na justiça e nunca foi usado para nadica de nada. Mesmo que fosse uma tramóia (ladroagem) recente, nestes casos, ninguém é processado e muito menos vai para a cadeia, mas normalmente este processo se esconde atrás do biombo do passar dos anos que garante ao RESPONSÁVEL pelo dano uma coisa jurídica chamada prescrição.

Sei que toda estrutura de poder tem necessariamente que proteger os seus interesses determinados e a melhor forma de implementar isso é através da ideologia, num jogo de prestidigitação em que faz a sociedade como um todo acreditar que as regras são honestas e garantem igualdade para todos. Não é verdade, mas tem a aparência de verdadeiro. No Brasil, as nossas elites são tão incompetentes e arrogantes que deixam escancarado um panorama nítido no qual igualdade e privilégios são para quem pode e não para um poviléu embrutecido e bestializado por uma mídia inescrupulosa que vem convencendo a todos que a felicidade na vida é torcer pelo Flamengo, escutar pagode (tem piores) e acreditar que a Xuxa está preocupada com os destinos das crianças do país.

Um comentário:

  1. Como acontece com a maioria dos sites que visitamos na net, pousei por acaso no seu e gostei muito dos primeiros textos que li. Textos com bom senso e escritos no correto português são, infelizmente, raridade na web.
    abraço.

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