segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

O PACTO (AS ELITES) E O PATO (O POVO)

Na esteira de uma crise institucional, com reflexos socioeconômicos, o país mergulhou num debate que, apesar de seus aspectos didático-pedagógicos, tem extrapolado os limites da democracia e mesmo da civilidade.
Particularmente, não tenho dúvidas de que os sucessivos governos do PT trabalharam numa reconfiguração do patrimonialismo, redirecionando-o com o fito de atender apenas aos interesses de um grupo dentro da elite do poder. Tal arquitetura implicou na tentativa de total aparelhamento do Estado, com a ramificação de agentes partidários em todos os segmentos produtivos e decisórios, ou seja, o controle absoluto da riqueza e do poder no país.
Esquecem os militantes e simpatizantes defensores do PT, apesar de usarem como argumento de defesa dos seus correligionários condenados por crimes, que o patrimonialismo nacional sempre teve um caráter vertical, propiciando às elites em geral os privilégios de cores e matizes variados. Não se destrói impunemente um pacto histórico que está na gênese de um país como o Brasil, e que conta mais de cinco séculos. Mesmo porque levado a cabo por um líder, que dizem carismático, e um exército de aloprados. É delírio acreditar que uma parte da nossa elite se renderia resignadamente a desígnios que a alijaria do poder, das decisões e dos privilégios.
Os sistemas de controle demonstram que é (quase) impossível os roubos da coisa pública sem a sua consequente detecção e, entretanto, sabemos que eles ocorrem, se multiplicam e se perpetuam diuturnamente. Em seus mais de 5.500 municípios, podemos contar nos dedos os que agora (neste momento!) não estão sendo vítimas de um peculato, uma roubalheira, uma pixulecada. Então, identifica-se claramente uma contradição: como pode prosperar uma roubalheira generalizada num sistema que tem mecanismos formais (e legais) de controle efetivo? Tal contradição só encontra explicação no óbvio: para haver impunidade se faz necessário agir em formato de quadrilha, com membros quadrilheiros suficientes à garantia da não descoberta dos crimes cometidos (em profusão).
O governo conta com um sistema de controle tão sofisticado que é rotineiro o cidadão (comum) cair na malha fina da Receita, por não ter declarado um recebimento de 100 reais (aconteceu comigo!). Desta forma, a não detecção de movimentações ilegais vultosas, de milhões e milhões de dólares, só é possível com a intervenção de instâncias que detêm o mando destes controles. O mesmo serve para os três poderes desta República nada republicana.
Como é difícil comer melado sem se lambuzar, os abusos sobre a coisa pública ganham aumento exponencial ao ponto de um desvio de 1 bilhão ser considerado troco, dinheiro de bolso.
Tenho convicção de que os desmandos para com a coisa pública não têm limites (nem nunca terá), pois a nossa elite não tem freio em suas idiossincrasias (nem nunca terá). Esta minha afirmação entra em contradição com a realidade presente, em que nos deparamos com olimpianos endinheirados e poderosos condenados e encarcerados e mesmo um ex-presidente sendo encurralado por investigações que seguem uma esteira de indícios robustos de grossa maracutaia para enriquecimento pessoal. O que está acontecendo?
Toda vez em que há uma tentativa de quebra do tal pacto patrimonialista, que tem existido desde a descoberta do país, a parte prejudicada (alijada dos privilégios) reage usando (hipocritamente) como arma a estrita legalidade. Para tanto se alia (momentânea e oportunisticamente) aos princípios da cidadania.
O pacto patrimonialista funciona azeitadamente e navega em céu de brigadeiro nos (longos) períodos em que toda a elite exerce e frui os privilégios e entra em crise quando apenas parte da elite tenta monopolizar tais privilégios.
Isso ocorreu com o regime militar quando cometeu a sandice de estabelecer regras (AI5, 477, por exemplo) que apartavam berços abençoados e coroados do mando e usufruto de privilégios. Claro que a falange excluída reagiu, pois que, enquanto elite, tem poder de articulação. Ao invés de construir um discurso (sincero, mas não funcional) de que queriam seus direitos (patrimonialistas) de volta, os jabarandaias exilados e excluídos lançaram mão da palavra tão cara aos ouvidos dos ingênuos e românticos de diversas cepas: redemocratização! Vieram as diretas e a democracia que, de lá para cá, nada mais foi que um simulacro onde não cabe minimamente a cidadania plena.
O mesmo aconteceu (em outro formato) com o governo Fernando Collor que sinalizou que roubaria sozinho. Não pode! A partir deste momento as instituições (e a lei) passam a funcionar com rigor (que deveria ter sempre, pois que instituído em lei) e as mazelas Colloridas passam a surgir em profusão maior que xuxu na cerca. Mais uma vez, as elites, aliadas à plebe ignara, destronaram o aquillo roxo alagoano, após o que, as instituições afrouxaram suas tenazes e todos perseveraram em conúbio carnal, estuprando a coisa pública.
Com a ascensão do PT ao poder, logo nos primeiros passos, ficou claro que a companheirada não atingira o poder para cumprir o discurso ético cantado e decantado por anos, mas para aferir vantagens pessoais e partidárias, a qualquer custo. Foi neste desiderato que construiu com desenvoltura impressionante uma institucionalização quadrilheira (nunca antes ousada) que buscava monopolizar o assalto ao Estado. Claro, mais uma vez, que esta quebra do pacto ancestral redundou (como sempre) numa reação de parte da elite, a que foi alijada das benesses e privilégios, usos e abusos. Tal reação veio, como sempre, com forte apelo à cidadania, junto às massas, com o mote emblemático (quimera no Brasil) de justiça para todos.
Os petistas balbuciam defesas vazias, desentocam teorias conspiratórias da mídia, tartamudeiam teses jurídicas indefensáveis. Mesmo porque, em verdade, enfiaram o pé na jaca e cometeram crimes de avantajados calibres. Em último jus sperniandi, como defesa, passam a argumentar que outros governos fizeram o mesmo: roubaram a coisa pública. Verdade! Nossos governos são corruptos (e serão ad aeternum) em função do pacto das elites. Dessa forma, os inúmeros e onipresentes crimes contra a coisa pública ganham legitimidade (e impunidade) quando perpetrados pela elite consensual e, por seu avesso, se cometidos por uma fração da elite, se transformam em escândalos (adesão popular) puníveis pelo rigor das leis (antes frouxas). Neste ponto chegamos ao patético, senão trágico, axioma do saudoso e fundamental Stanislaw Ponte Preta: Ou restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos!

Nenhum comentário:

Postar um comentário