sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

KAFKA E O PETROLÃO

Eis que resolvi escrever o terceiro livro que fecha uma trilogia de ficção política. O seu primeiro tomo, Alvoradas de Mercúrio, trata dos chamados anos dourados, um tempo onde imperava a maldade do poder sob um disfarce de ingenuidade. Existia um pudor a recobrir o vilipêndio da coisa pública, como recomenda Maquiavel e as boas (?) lições da ideologia na busca e manutenção do poder.
No segundo livro, Noites de Chumbo, me debruço sobre o período da ditadura militar e suas intervenções materiais na realidade brasileira e seus incômodos à lógica burguesa, que se autodefinia como democrática.
Este terceiro e último romance, Dias de Cádmio, traça um panorama da democracia restaurada e busca analisar até onde é possível desfigurar o conteúdo de uma palavra sem que ela perca totalmente o significado original.
Os capítulos finais deste último livro enfoca a ascensão do PT ao poder e a sua trajetória até a presente data e os melancólicos descaminhos de sucessivos escândalos que desembocaram no chamado Petrolão.
Livro terminado, dever cumprido, não fosse um surto imaginativo que me levou a especular e rascunhar um possível roteiro alternativo, qual seja, a possibilidade de que tudo que ocorre na atualidade – os estertores de um partido que se formou e ganhou expressão nacional baseado em ideais éticos, que o diferenciava dos demais partidos até então existentes no país – se trata de uma conspiração da direita que estruturou uma trama gigantesca para enlamear e derruir o Partido dos Trabalhadores, vencedor de quatro sucessivas eleições e governando o país por quatorze anos.
O mais fundamental princípio da ficção é exatamente e infinita liberdade que o autor goza. Entenda-se infinita em sua plenitude, posto que a única limitação reside na própria riqueza imaginativa do ficcionista. Destarte, num ambiente despido dos limites da realidade, tudo se torna possível e verossímil de acontecer. Doce magia, tenebrosa tortura.
Confesso que escrevi quarenta páginas de uma ficção na qual o Lula e o PT são vítimas de uma conspiração (inclusive de forças internacionais) que tem por finalidade recolocar o país nos trilhos cáusticos do pensamento neoliberal, principalmente em termos econômicos. Claro que trama de tamanha envergadura envolve uma gama imensa de personagens poderosas em constante produção de mentiras e engodos. Temos (no texto ficcional) todo o aparato policial do país forjando provas (documentais e delações verbais), mesmo porque tem a facilidade de ser subordinado ao ministro da Justiça que odeia a presidente que o nomeou; um Judiciário conduzindo os processos de forma atrabiliária e prolatando sentenças perversas e até o Supremo Tribunal Federal obedecendo a ordens emanadas da oposição, motivado por ter a maioria dos seus membros indicada pelos governos petistas. Neste cenário, os indicadores econômicos depauperados são verdadeiras peças fantasiosas, inventadas por maquiavélicos coxinhas e os panelaços e manifestações populares nada mais são que peças filmadas por Spielberg. Claro, tudo isso fartamente divulgado pelos meios de comunicação que estão descontentes com o brutal AUMENTO da verba institucional para propaganda que governo do PT providenciou em consecutivos orçamentos. Evidentemente que o impeachment da presidente Dilma é (indubitavelmente) um golpe na democracia, posto que está democraticamente capitulado na Constituição cidadã. Estes mesmos integrantes da mídia transformaram o Cunha (um coadjuvante – mero integrante da quadrilha) no protagonista do Petrolão, mesmo sabendo-se que não existe quadrilha e muito menos Petrobras. O Lula e seus filhos (que trabalharam duro e em condições insalubres, por anos e anos) são injustamente (os robustos indícios são meros detalhes, filigranas da razão) acusados de enriquecimento ilícito e, entretanto, moram de favor em suntuosas residências de amigos. Os mais conceituados advogados (e mais caros), defensores dos petistas encalacrados (vítimas inocentes, verdeiros heróis do povo), assinam um manifesto onde denunciam a continuidade da prática de julgamentos inquisitórios, como sempre aconteceu no país, quando se trata de punir os ricaços e poderosos... Mesmo porque a ciência já comprovou que estes surtos de probidade e impessoalidade (endurecimento da Justiça no lombo de jabarandaias), nada mais é que o resultado de uma doença (Síndrome Petrallhus) advinda do anglicanismo asiático, cominada com o ovo da Zika em conjunção com os trezentos avessos da presidente Dilma.
Desanimado, desisti da empreitada, pois fui assaltado (epa!) por uma estranha sensação de que, publicando tais delírios, poderia ser incensado como o escritor que transformou Kafka num amador, num desnutrido aprendiz de absurdez.

Aliás, os reais delírios petistas suplantam em muito o meu esforço ficcional e desafiam a minha fértil imaginação, mesmo porque perto deles o Kafka é pinto!

Nenhum comentário:

Postar um comentário