terça-feira, 9 de setembro de 2014

A Comissão da Verdade e a verdade das comissões





Informo ao desavisado leitor que, de plano, as argumentações abaixo tecidas não buscam justificar a tortura e muito menos criar óbices para a apuração da verdade histórica na terra brasilis. Propugno, inclusive, um mergulho mais fundo na busca das verdades que se acoitam nas fímbrias cavernosas da impunidade que grassa por estas plagas. Informo, ainda, que fui vítima da violência da ditadura militar e que fiquei sob o jugo dos torturadores no DOPS de Belo Horizonte, quando contava apenas 18 anos de idade. Não virei um Geraldo Vandré, não fiz hinos para as forças armadas, mas também não me transformei num profissional daquelas circunstâncias, não optei em ser cafetão de circunstâncias históricas. O que fiz foi dissentir dos rumos que davam ao meu país, e paguei o preço desta atitude, mesmo porque ciente estava das regras e dos perigos. Fi-lo porque qui-lo. Quando digo meu país, refiro-me ao povo que aqui vive sob as tantas dificuldades materiais que enfrentam e mais as tantas inventadas por uma elite insensível, mas que reputada portadora de idoneidade inatacável e conduta ética ilibada (até o próximo escândalo de corrupção).
Hoje temos a notícia na grande mídia, de que o tenente reformado José Conegundes do Nascimento não só se recusou a comparecer a uma audiência para a qual foi convocado para prestar depoimento perante a Comissão da Verdade, como devolveu o ofício escrevendo nele que não ia comparecer e acrescentou: “Se virem. Não colaboro com o inimigo”. Diante de tal atitude, o coordenador do grupo, Pedro Dallari, disse nesta segunda-feira (8) que pedirá investigação do Ministério da Defesa e classificou a atitude do militar como uma “afronta” (http://g1.globo.com/politica/noticia/2014/09).
Sinceramente, não sei aonde o Dallari sacou tais argumentos rombudos que ofendem o estado democrático de direito e a inteligência dos brasileiros que lhe pagam R$ 11.179,36 (onze mil, cento e setenta e nove reais e trinta e seis centavos) pelos serviços prestados, no caso, para tocar uma comissão que não está dotada de poderes de constrangimento legal. A verdade é que a Lei (Nº 12.528, DE 18 DE NOVEMBRO DE 2011) que instituiu a Comissão da Verdade dá a esta o direito de convocar pessoas a prestar depoimentos, mas não a dotou de poderes de impor sanções. Desta forma, sob o aspecto legal, o tenente Conegundes pode mandar os membros da Comissão catar coquinhos e os seus membros devem engolir o sapo.
Reconheço que estas minhas afirmações acima estão eivadas de imoralidades, entretanto é assim que a banda toca. Quem inaugurou este processo imoral foram os próceres desta república de bananas, uma vez que encastelados no poder, usaram e abusaram deste expediente e nunca vimos (ou ouvimos) o senhor Pedro Dallari (ou os outros Dallaris) afirmar que era uma afronta. Por exemplo, na questão dos precatórios, a Constituição prescrevia o pagamento do transitado em julgado no ano seguinte. As dezenas de governadores e os milhares de prefeitos deste rincão simplesmente não obedeceram e nada aconteceu, e NENHUM deles foi punido, uma vez que não existia previsão de punição. Nestes anos todos, este procedimento se repetiu milhares e milhares de vezes e o senhor Dallari não viu afronta. Entretanto, bastou um tenente reformado, desconhecido e (provavelmente) pobre praticar o mesmo ato, para ser taxado de afrontoso.
Como nada mais me espanta, acho bem provável que vão encontrar uma forma de punição para o tenente atrevido assim como manipularam uma jurisprudência no STF para safar os governadores e prefeitos da sanção que estava capitulada em lei constitucional. Com transparência cristalina podemos observar que não se trata da aplicação da lei, mas de demonstrar quem é que manda (e desmanda) consoante os caprichos, idiossincrasias, interesses e conveniências.
Triste e decrépita elite que prescreve pomposa e cinicamente que a justiça é igual para todos e não perde uma oportunidade de desigualá-la na prática, para garantir privilégios, impunidades e contas bancárias robustecidas pelo roubo da coisa pública.

Marcelo Cavalcante

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