domingo, 21 de setembro de 2014

O Supremo e a pimenta no fiofó dos outros

Tudo nos leva a crer que a única prioridade da justiça brasileira é a do contrassenso. Os seus exercícios cotidianos, com o fito de garantir privilégios, se equiparam a malabarismos circenses de difícil execução. Neste desiderato, não mais são levados em conta os fatos, a coerência ou a decência mínima que requer a condução da coisa pública.
Leio em notícia publicada no site oficial da Suprema Corte, intitulada “STF reafirma impossibilidade de fracionar execução contra fazenda pública”, na qual, no relatório do MD. Ministro Gilmar Mendes, há a afirmação de que é pacífica a vedação de fracionamento em execução contra a Fazenda Pública. Fechando a notícia, temos a afirmação do ministro-relator de que:
“Quanto ao argumento de que as verbas em questão têm natureza alimentar, ele citou precedentes do Tribunal nos quais se assentou que, mesmo nesses casos, é imprescindível a expedição de precatório, ainda que se reconheça, para efeito de pagamento do débito fazendário, a absoluta prioridade da prestação de caráter alimentar sobre os créditos ordinários de índole comum”. (grifo nosso).

Efetivamente, a Constituição não deixa dúvidas sobre a absoluta prioridade dos precatórios alimentares sobre os demais. Entretanto, na prática, o que tem sido executado pelos tribunais, é que a prioridade dos precatórios não é absoluta e quase inexiste, uma vez que foi reduzida a uma prioridade apenas DENTRO DO ANO DE SUA FORMAÇÃO. Tal prática foi instituída (pelos operadores da justiça) com a finalidade de protejer os interesses dos poderosos que são titulares de precatórios milionários, muitos dos quais resultantes de maracutaias do arco da velha. Tal prática tem criado verdadeiras IMPRIORIDADES, como, por exemplo, no município de Teresópolis, em que dois precatórios COMUNS mais antigos somados atingem mais de 80% dos débitos precatoriais. Pela atual sistemática eles, apesar de COMUNS, por serem os mais antigos, estão sendo quitados em detrimento dos precatórios alimentares. Pela sistemática antiga (PEC do calote) o município levaria uns 12 anos para quitá-los e só após é que passaria a pagar os precatórios alimentares (do ano subsequente).
Sobre esta questão, o ilustre presidente da Comissão de Precatórios da OAB, Marco Antonio Innocenti escreveu um livro no qual demonstra a ABSOLUTA PRIORIDADE que deveriam gozar os precatórios de caráter ALIMENTAR.
Há que se salientar, apenas por raciocínio lógico, que os precatórios alimentares são compostos, em sua maioria esmagadora, por valores modestos que não atravancam a fila. Não se tem conhecimento de precatório alimentar no valor de milhões, como é usual ocorrer nos precatórios comuns. Ou seja, os pagamentos de precatórios alimentares não impedem o pagamento aos portadores de precatórios comuns, mas o contrário está sistematicamente acontecendo.

Outra questão, ainda no capítulo dos precatórios, diz respeito à urgente necessidade da Suprema Corte decidir a modulação (em suspenso), uma vez que se trata de matéria atrelada ao fator tempo. Aliás, neste vergonhoso capítulo dos precatórios no país, a questão sempre foi (e continua se eternizando) de tempo, tempo este que os executivos tentaram (peitando as leis e com a conivência do próprio STF) estender para as calendas.
A questão fundamental reside no fator tempo e não se entende a morosidade daquela Corte em decidir sobre:
Recurso Extraordinário nº 612.707/SP, que teve repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal. A matéria versa sobre a preferência dos precatórios alimentares, conforme artigo 100, §1º e §2º, da Constituição, além da Súmula 655 do STF, podendo resultar, conforme destaque da proposição, uma preterição dessa preferência.
Segundo o presidente da OAB Nacional, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, os precatórios alimentares têm absoluta preferência sobre os credores comuns. “A urgência que demanda o pagamento alimentar é maior que a dos demais, estando garantida inclusive pela Carta Magna e por súmula da Suprema Corte”, afirmou.
(http://www.oab.org.br/noticia/27163/oab-vai-ao-stf-para-garantir-preferencia-aos-precatorios-alimentares)

De toda sorte, a afirmação do MD. Ministro Gilmar Mendes nos deixa imersos em duas possibilidades preocupantes:
a)      Realmente está estabelecido em lei que os precatórios gozam de “absoluta prioridade” e os tribunais estão desrespeitando a lei; ou
b)      O Ministro Gilmar Mendes não sabe o que está falando e mesmo escrevendo em suas relatorias.

Caso o ministro Gilmar Mendes esteja equivocado, pode-se arguir a nulidade do seu relatório por estar embasado em afirmação não verdadeira? Ou seria verdadeira pelas metades, está prescrito em lei, mas os Tribunais Estaduais simplesmente desobedecem? Ocorre que, de uma maneira ou de outra, o confronto destas duas possibilidades excludentes resultam numa incerteza de justiça e numa insegurança jurídica.
A verdade é que quando uma estrutura legal de um país permite a legalidade de absurdos – com a finalidade de garantir privilégios – e pune com rigor migalhas, estamos diante de simulacros da ciadania, fantasmagorias insustentáveis de um discurso vazio de democracia.

Marcelo Cavalcante

Um comentário:

  1. É de deixar a gente besta. Se os senhores Juízes, autoridades que podem nos mandar prender por qualquer palavra que julgarem ofensiva, dita por nós, não são nem um pouco éticos, justos e equânimes quando se trata de distribuir justiça aos cidadãos comuns. Quem tem muito dinheiro e pode "colaborar" com algum, tem peferência nessa administração da dita "justiça que tarda mas não falha".

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