Normalmente, o cotidiano
dos três poderes da República passa despercebido pela sociedade em geral, posto
que costuma despertar interesse apenas em atores direta e indiretamente
envolvidos. Promulgações de leis, assinaturas de decretos e decisões do STF,
são assuntos deveras maçantes e, muitas das vezes, ininteligíveis para o povo
em geral. Entretanto, são estas ações que passam a reger a sociedade como um
todo, pois que regras imperativas com fenomenal poder de coerção. Mesmo
decisões que interferem em grande contingente de pessoas, a desoneração de um
segmento produtivo, por exemplo, não sofre o crivo da população, que não a
entende e mesmo não lhe é explicada. Por conta deste desinteresse do grande
público, é que em situações excepcionais, de crise, as pessoas se espantam e
criticam determinados procedimentos (legais), que não obedecem a critérios
racionais, são protecionistas ou que são propulsores e indutores de injustiças.
Conjunturas como as
atuais, em que a sociedade se movimenta contra determinadas práticas dos
governantes, representam momentos profundamente positivos, pois que servem para
aproximar e mesmo contrapor a sociedade frente às instituições públicas que
teoricamente a representam. Nestes momentos, mesmo que informalmente, a
representatividade dos governantes (quase que absolutas) sofrem restrições e a
opinião pública passa a ter alguma importância.
É nestes momentos de
crise, conforme o desenrolar dos acontecimentos, que o cidadão descobre que
muitos dispositivos institucionais, tornados legais, estão em desacordo com o
sentimento da sociedade e alguns contrariam a lógica formal. Descobre, por
exemplo, que existe foro privilegiado, que o processamento jurídico é lento e
leniente; que os membros da Corte Suprema do país são escolhidos
monocraticamente pela maior autoridade do país. Por conseguinte, constata que
tal arranjo possibilita (até induz) a captura do STF pelo governo. O cidadão
toma conhecimento da existência de uma infinidade de cargos comissionados que
se configuram num verdadeiro labirinto a propiciar um fácil e sedutor
aparelhamento do Estado. Descobre que as leis estão grávidas de privilégios sob
o dístico fundamental de que todos são iguais perante a lei. O cidadão
estonteado se revolta ao saber que, apesar das leis, os maiores salários
públicos são engordados por “auxílios” e se elevam estratosfericamente. Nesta lógica
perversa e cínica o trabalhador com salário insuficiente para prover a sua
sobrevivência e da família, que sacoleja em transportes morosos, caros e
sucateados, é afrontado em saber que os donos de cargos poderosos (não
necessariamente úteis) fazem jus (legalmente) a auxílio transporte, em carros
novos e com motorista à disposição. O aposentado se vê agredido em sua
autoestima ao constatar que, contrário senso, o aumento concedido ao
bolsa-família é bem superior ao valor de sua aposentadoria que anualmente
míngua.
É como uma fratura
exposta, milhões de cidadãos espalhados pelo país se convencerem de que os
poderes e as leis do país compõem um golpe contra a cidadania. Estarrece
constatar a quantidade absurda de leis e políticas implantadas que são consideradas
inconstitucionais. Humilha ver o STF se debruçar semanalmente para dirimir
questões pessoais de um cidadão investigado por crimes variados e demorar mais
de dez anos para decidir a inconstitucionalidade da PEC do Calote
(precatórios), uma questão que envolve o direito de milhões de cidadãos.
Evidentemente que a
cidadania desvela como escárnio à Justiça, o próprio STF não cumprir uma Norma,
votada por seus membros, e sancionada (pedido de vistas). Nesta especialidade,
constatar que os poderosos naturalizaram impunemente a transformação de atos
vinculados em discricionários o que transforma a atuação da máquina pública num
autoritário reduto de injustiças e seletividades pessoais. Enoja a constatação
da existência de um Estado extremamente ciente e exigente no cumprimento das
leis ao passo que ele não as cumpre. Exaspera observar que o jeitinho
prepondera sobre a lei ou convivência civilizada e que a molecagem esperta se
faz regra pétrea.
Talvez, com a crise, seja
dada a hora de repensar as práticas públicas e reformar as leis sob pena de
continuarmos neste pântano de iniquidades. Apesar de necessário e urgente, não
é suficiente o afastamento de um governo corrupto, se não extinguirmos as
causas que propiciaram a existência de tantos descalabros. A atuação deletéria
dos governos petistas (em comparsaria com a base aliada) são apenas os
sintomas. As causas residem numa estrutura viciada que possibilita toda sorte
de desmandos e malfeitos resguardados por uma impunidade que retroalimenta o
cinismo e a perversão.
Numa rotineira e
“tenebrosa transação” os políticos tradicionais, os mantenedores do
patrimonialismo, ombreados momentaneamente (e na undécima hora) com o povo,
aguardam a derrocada do projeto petista, para então, estabelecer uma negociação
pelo alto, afastando a participação popular e retomar o caminho da perpetuação
da dominação elitista, corrupta e impune.
Não desmantelar a
estrutura vigente é preservar o ovo da serpente em sua inteireza e poder de
contaminar os futuros mandatários, pois que humanos e não imunes às tentações
de mando e riqueza. Mesmo porque, embora demonizados e empedernidos arrivistas
do caos, os dirigentes petistas não detêm o monopólio da corrupção, da
perversidade e da arrogância, pois que predicados dos seres ditos racionais: o
homo (e mulher) sapiens.
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