quinta-feira, 24 de março de 2016

CAUSAS E EFEITOS DA CORRUPÇÃO

Normalmente, o cotidiano dos três poderes da República passa despercebido pela sociedade em geral, posto que costuma despertar interesse apenas em atores direta e indiretamente envolvidos. Promulgações de leis, assinaturas de decretos e decisões do STF, são assuntos deveras maçantes e, muitas das vezes, ininteligíveis para o povo em geral. Entretanto, são estas ações que passam a reger a sociedade como um todo, pois que regras imperativas com fenomenal poder de coerção. Mesmo decisões que interferem em grande contingente de pessoas, a desoneração de um segmento produtivo, por exemplo, não sofre o crivo da população, que não a entende e mesmo não lhe é explicada. Por conta deste desinteresse do grande público, é que em situações excepcionais, de crise, as pessoas se espantam e criticam determinados procedimentos (legais), que não obedecem a critérios racionais, são protecionistas ou que são propulsores e indutores de injustiças.
Conjunturas como as atuais, em que a sociedade se movimenta contra determinadas práticas dos governantes, representam momentos profundamente positivos, pois que servem para aproximar e mesmo contrapor a sociedade frente às instituições públicas que teoricamente a representam. Nestes momentos, mesmo que informalmente, a representatividade dos governantes (quase que absolutas) sofrem restrições e a opinião pública passa a ter alguma importância.
É nestes momentos de crise, conforme o desenrolar dos acontecimentos, que o cidadão descobre que muitos dispositivos institucionais, tornados legais, estão em desacordo com o sentimento da sociedade e alguns contrariam a lógica formal. Descobre, por exemplo, que existe foro privilegiado, que o processamento jurídico é lento e leniente; que os membros da Corte Suprema do país são escolhidos monocraticamente pela maior autoridade do país. Por conseguinte, constata que tal arranjo possibilita (até induz) a captura do STF pelo governo. O cidadão toma conhecimento da existência de uma infinidade de cargos comissionados que se configuram num verdadeiro labirinto a propiciar um fácil e sedutor aparelhamento do Estado. Descobre que as leis estão grávidas de privilégios sob o dístico fundamental de que todos são iguais perante a lei. O cidadão estonteado se revolta ao saber que, apesar das leis, os maiores salários públicos são engordados por “auxílios” e se elevam estratosfericamente. Nesta lógica perversa e cínica o trabalhador com salário insuficiente para prover a sua sobrevivência e da família, que sacoleja em transportes morosos, caros e sucateados, é afrontado em saber que os donos de cargos poderosos (não necessariamente úteis) fazem jus (legalmente) a auxílio transporte, em carros novos e com motorista à disposição. O aposentado se vê agredido em sua autoestima ao constatar que, contrário senso, o aumento concedido ao bolsa-família é bem superior ao valor de sua aposentadoria que anualmente míngua.
É como uma fratura exposta, milhões de cidadãos espalhados pelo país se convencerem de que os poderes e as leis do país compõem um golpe contra a cidadania. Estarrece constatar a quantidade absurda de leis e políticas implantadas que são consideradas inconstitucionais. Humilha ver o STF se debruçar semanalmente para dirimir questões pessoais de um cidadão investigado por crimes variados e demorar mais de dez anos para decidir a inconstitucionalidade da PEC do Calote (precatórios), uma questão que envolve o direito de milhões de cidadãos.
Evidentemente que a cidadania desvela como escárnio à Justiça, o próprio STF não cumprir uma Norma, votada por seus membros, e sancionada (pedido de vistas). Nesta especialidade, constatar que os poderosos naturalizaram impunemente a transformação de atos vinculados em discricionários o que transforma a atuação da máquina pública num autoritário reduto de injustiças e seletividades pessoais. Enoja a constatação da existência de um Estado extremamente ciente e exigente no cumprimento das leis ao passo que ele não as cumpre. Exaspera observar que o jeitinho prepondera sobre a lei ou convivência civilizada e que a molecagem esperta se faz regra pétrea.
Talvez, com a crise, seja dada a hora de repensar as práticas públicas e reformar as leis sob pena de continuarmos neste pântano de iniquidades. Apesar de necessário e urgente, não é suficiente o afastamento de um governo corrupto, se não extinguirmos as causas que propiciaram a existência de tantos descalabros. A atuação deletéria dos governos petistas (em comparsaria com a base aliada) são apenas os sintomas. As causas residem numa estrutura viciada que possibilita toda sorte de desmandos e malfeitos resguardados por uma impunidade que retroalimenta o cinismo e a perversão.
Numa rotineira e “tenebrosa transação” os políticos tradicionais, os mantenedores do patrimonialismo, ombreados momentaneamente (e na undécima hora) com o povo, aguardam a derrocada do projeto petista, para então, estabelecer uma negociação pelo alto, afastando a participação popular e retomar o caminho da perpetuação da dominação elitista, corrupta e impune.
Não desmantelar a estrutura vigente é preservar o ovo da serpente em sua inteireza e poder de contaminar os futuros mandatários, pois que humanos e não imunes às tentações de mando e riqueza. Mesmo porque, embora demonizados e empedernidos arrivistas do caos, os dirigentes petistas não detêm o monopólio da corrupção, da perversidade e da arrogância, pois que predicados dos seres ditos racionais: o homo (e mulher) sapiens.

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