quinta-feira, 3 de março de 2016

Uma convicção cidadã sobre Lula e as elites

Assim como existe o dispositivo da livre convicção do juiz (figura teoricamente democrática exercida de forma ditatorial), os cidadãos em geral gozam do direito de formarem suas convicções sobre tudo que é do seu conhecimento e que demonstram interesse. Da mesma forma como pode acontecer com o juiz, a convicção sobre determinado acontecimento pode ser falha, motivada por falta de informações ou mesmo por conclusões equivocadas. Há sempre uma margem de equívoco para toda e qualquer convicção, por mais bem assentada nos indícios, fatos, provas e conjunção lógica. Ocorre que, sem este dispositivo, estaríamos condenados à inércia, nada faríamos e o mundo estacionaria na mesmice.
É baseado nestas premissas acima que me estribo para tecer minhas considerações sobre a minha convicção sobre o ex-presidente, Luiz Inácio, o Lula e sobre as ocorrências em seu entorno. A formação de tal “certeza”, que é pessoal e intransferível, procede da vasta gama de informações veiculada pela mídia diuturnamente e das minhas conclusões, sobre as quais meus neurônios (tico e teco) se debruçaram.
Sempre existiram inúmeras suspeitas sobre procedimentos aéticos e mesmo criminosos do Lula, muitos cochichados e tidos como boatos, desde os tempos em que era uma liderança sindical. Suspeitas que era colaborador do DOPS, boatos que a CIA o cooptara, assim como ao Lech Walesa. Boatos mais restritos davam conta de assassinatos por questões de disputas de poder nos sindicatos. Este viés nebuloso que sempre o acompanhou, sempre foi descartado por conta de uma equação (ideológica) de custo-benefício, que aparentemente se justificava na medida em que ajudava no combate ao inimigo maior, a ditadura militar. Tal entendimento gerava o ovo da serpente que, ao eclodir deu vida a uma fera que, embora familiar, tornou-se irreconhecível e endêmica.
Ocorre que essas suspeitas iniciais que recaíram sobre o líder metalúrgico foram abafadas por um sentimento de antropofagia às avessas que campeou pelo país nos anos da ditadura militar: a construção de mitos talhados arbitrariamente, com o sonho de apressar a instituição de uma democracia muito próxima do decálogo da existência no paraíso. Este processo se estrutura na ideia de que o combate a um mal específico e identificado, iguala os seus adversários em honradez, honestidade de propósitos e mesmo generosidade. Qualquer um (com projeção na mídia) que manifestasse desagrado para com os militares era ungido a herói e necessariamente de esquerda. A nossa lucidez dizia que Caetano Veloso era apenas um menino talentoso que almejava uma projeção profissional para poder fruir as facilidades burguesas, gozar os prazeres mundanos que o dinheiro propicia. O nosso desejo, por outro lado e preponderantemente, queria que ele fosse um combatente de esquerda, um artista imbuído da radicalização só encontrada em poucos, como o Che Guevara. Embalados nestas quimeras de desejos foi que criamos um panteão de “heróis” hiperdimensionados que, já naqueles tempos, Belchior vaticinava como sujeitos que se recolheriam em casas confortáveis, guardados “por Deus, contando vil metal”. Neste raciocínio de estreita e maniqueísta concepção, passamos o rodo nas nossas avaliações críticas e procriamos, como coelhos em permanente cio, uma casta de heróis digna de um fabulário concebido por ingênuos querubins. Heróis insinceros e oportunistas (em sua maioria), alguns descerebrados, outros alienados e uns poucos honestos que quedariam impotentes dentro do novo quadro que foi configurado.
O segundo grande engano da razão cometido pela geração dos anos de chumbo, foi acreditar no improváel, posto que era um crer urgente e inadiável. A nossa racionalidade expunha um quadro no qual as elites combatiam a ditadura, mas não com o objetivo de implantar uma democracia de verdade, mas simplesmente reconfigurar o antigo modelo patrimonialismo, desta vez sendo reforçado através do Judiciário.

Na guerra pela fala, a versão que se busca consagrar a atuação criminosa levada a cabo pelo Partido dos Trabalhadores, é a de que o Mensalão e a Lava Jato vilipendiaram os valores republicanos. Não é verdade! O crime petista foi o de aprofundar o saque generalizado do erário público, criando um método, organizando e institucionalizando a roubalheira. Acredito que os antecedentes (morais e legais) nos autorizam a acreditar que este era um desfecho previsível, pois as condições objetivas estavam disponíveis para a consecução de um aparelhamento criminoso do Estado. O cenário (de franca expansão e naturalização da impunidade e privilégios) contemplava incontáveis facilidades para o assalto ao Estado. Agasalhava os ingredientes necessários e aguardava apenas os sujeitos com ousadia e perversidade suficientes. Por consequência, a elite e Lula são face de uma mesma moeda e não são excludentes, não combatem em campos opostos, pois que o butim é o mesmo, o aprofundamento da institucionalização e naturalização do patrimonialismo.

Há uma grande confusão (proposital) entre esquerda e comunismo. Lula e Dilma nunca foram comunistas e os poucos que se filiaram ao PT de lá saíram decepcionados ou expulsos.
Há uma confusão, também proposital, entre o comunismo enquanto teoria marxista e as revoluções que foram intentadas em seu nome e que deram com os burros n´água. Sempre estive convicto de que poucos homens no país estavam prontos e coerentes com uma possível revolução comunista, pois a maioria dos nossos revolucionários cultivavam (ainda cultivam) hábitos e consumos extremamente burgueses. Uma revolução do tipo prescrita por Marx implica numa radicalidade que só sujeitos absolutamente desapegados de bens materiais, os espartanos radicais, podem levar a termo, sem desvios ou tergiversações. Não acredito que a nossa esquerdinha de Ipanema, topasse tal azeda empreitada. Após uma revolução vitoriosa, impossível imaginar Sirkis ou Gabeira ministrando aulas no interior da Amazônia, impossível encontrar casualmente Celso Furtado ou FHC almoçando com estivadores ou peões de uma obra. Tem uma frase do Celso Furtado, que foi publicada num jornal e tida com naturalidade. Ele afirmou que morar em Brasília era horrível. Tal frase proferida por um tido esquerdista é digna de Clodovil Hernandez, de Chiquinho Scarpa ou hedonistas outros. Furtado, nesta época, era ministro da Cultura do Sarney e, portanto, gozava de mordomias de primeira. Um verdadeiro combatente das causas populares afirmaria que morar em Brasília, na periferia, desempregado e faminto é um horror. Mas os nossos desejos comandam a entronização dos nossos ídolos, assim como a Cláudia Leitte hoje em dia é a rainha das massas rebolativas e de canções sofríveis.
Naquela época de chumbo, nas artes, por exemplo, o melhor atestado de qualidade artística residia na resistência à ditadura do que propriamente em requisitos de talento. Um destalentado que desafiava os censores era incensado e escrever pormas sobre sabiás (mesmo que de forma genial) era alienação imperdoável. Nesta bitola estreita fomos consolidando nossos ídolos e a militância de esquerda se transformou em base curricular, propriedade privado, no sentido capitalista.
Com a restauração da democracia, em que, para tanto, o povo foi manipulado a uma participação decorativa enquanto se negociava uma transição pelo alto, a esquerda e seus próceres encontraram terreno fértil para toda sorte de proselitismo, em verdade, conta-se nos dedos aqueles que retornaram aos seus empregos. A maioria usou o prestígio de ser antimilitarista para adubar carreiras políticas que se mostraram absolutamente medíocres, quando não inidôneas. Absorvidos pela luta política burguesa abriram mão de suas convicções (?) para a construção de um prestígio político (votos) movido a oportunismos e conchavos, mesmo com a execrada esquerda.
Isto desaguou numa realidade em que, olhando-se o quadro político atual, não se nota muita diferença entre figuras como Ronaldo Caiado, Bolsonaro, Aécio, Renan, Sarney, Collor, Eduardo Paes, Cunha, Sérgio Cabral, Marina Silva, Tarso Genro ou sua filha. Há uma perene desconfiança, posto que a história confirma que eles, como as pedras do rio, um dia se encontram, se entendem e se mancomunam, dependendo dos interesses em jogo.
Os componentes da nossa esquerda, em sua maioria esmagadora, hoje ocupam alguma função política e enfiam os dentes nas verbas públicas, seja através de corrupção ou usando mascaradas “legalidades”, que redundam em privilégios, principalmente pecuniários. Patético ver um guerreiro do povo, um prócer da luta pelo proletariado embolsando sorrateiramente valores oriundos de “representação parlamentar” ou “auxílio-moradia”. Homens que se diziam dispostos a morrer pelo povo a se aposentarem com quatro anos de “trabalho”.
Um grande problema do pensamento da nossa esquerda é que a lógica do que expressam não tem necessariamente que ter embasamento na realidade, mas apenas estar estribada num voluntarismo inconsequente e de pernas curtas. Há uma eterna contradição entre o que dizem e o que falam.
Recentemente, a presidente Dilma – que não compareceu à festa de aniversário do PT – que busca se descolar do PT e que é combatida pelo PT, enviou uma carta na qual contradiz toda a realidade existente. Após firmar intenção de defender o seu guru Lula de ataques injustos, arremata afirmando que:

De norte a sul e de leste a oeste, seguiremos firmes e fortes, de braços dados com essa aguerrida militância do PT que, como eu, tem orgulho de empunhar a bandeira vermelha com a estrela branca na luta pela construção de um país mais justo e democrático.

Isto nos dá bem a extensão de como o cinismo e a hipocrisia ganharam naturalidade no fazer político e mesmo na sociedade. Não há nenhuma preocupação com a ética, mas sim com a consecução de um objetivo pessoal, de seguir uma estratégia traçada na busca de manutenção do poder. Evidentemente tudo é uma pantomima brega, pois a Dilma sabe que só é presidente por circunstâncias inesperadas. Sabe que, não fosse o mensalão, jamais seria o poste escolhido pelo Lula. Sabe que para o PT, nada mais representa que um acidente de percurso, muito distante de uma escolha por méritos. Talvez o maior mérito da Dilma seja ser membro da quadrilha. Não é razoável a ideia de que o chefe de um bando criminoso indicasse para o seu lugar, alguém honesto e discordante da ação quadrilheira em curso.

Lembro que a primeira eleição do Lula veio embutida de muitas esperanças e principalmente mudanças radicais na forma de fazer política. A eleição do homem simples lhe deu cacife para implantar as reformas que o povo necessitava e ansiava. Logo após a posse, uma descomunal decepção que provocou uma debandada da militância sincera e a consolidação de uma nomenklatura de ferro no centro de decisões do Partido dos Trabalhadores.
Uma vez no poder, os mandatários avaliaram friamente que poderia substituir uma militância ideológica (incômoda) pelos cargos que a República oferece em quantidades quase infinitas. Dessa forma, como num passe de mágica, o PT trocou o apoio ideológico pela submissão de cargos e salários, método que em si só já garante controle absoluto dos filiados.
Ainda na trilha do controle político através do poder econômico (ironia, não?) foi que os seus dirigentes (que já comandavam os fundos públicos através dos sindicatos) aceitaram/urdiram um plano extremamente ousado e de alto ingrediente de perversão e periculosidade e que desembocou no aparelhamento total do Estado, através de uma quadrilha atuando dentro do Palácio do Planalto. Acredito que o que os fez pensar em tal viabilidade tenha sido o exercício anterior em que, por anos a fio, usaram tal processo, com inaudita facilidade e impunidade, dentro da esfera sindical. Desta forma, apenas expandiram uma atuação, mas necessitaram fazer ajustes, pois que a escala de atuação era infinitamente maior. A operacionalização de tal estrutura aumentava os riscos, pois que acrescia exponencialmente os comparsas, inclusive de outros partidos políticos. Foi por este viés que, no escândalo do mensalão, surgiu a figura de Roberto Jefferson e, na atualidade, surgem as inúmeras delações premiadas que escancaram crimes do arco da velha.
Ocioso observar que ao se desprender da militância sincera, teve que lançar mão de marketeiros com competência para efetuarem a prestidigitação da manutenção de um discurso que não mais existia na realidade.
Existe uma clareza absoluta que as ações do Lula são sempre obscuras, mesmo em coisas de simplicidade franciscana. Levando em conta os depoimentos sobre o empréstimo bancário do Bumlai, o assassinato de Celso Daniel é mais que penumbroso. O sítio de Atibaia não é do Lula por um mês, mas se transforma num presente de amigos na mais recente versão. O triplex não é do Lula e a quota-parte pertence à Marisa...  Sempre, em suas pegadas nos deparamos com empreiteiras boazinhas, céleres em lhe prestar favores caros e desinteressados. Mesmo uma reles antena de celulares postada na proximidade do seu sítio é irregular, na medida em que não tem a placa de identificação, como as demais espalhadas pelo país. Estranhamente, seus filhos, empresários vitoriosos, moram de favor em suntuosos apartamentos cedidos por amigos e seus escritórios idem.
Para evitar um simples depoimento, diante de um promotor estadual, são disparados dispositivos protelatórios que salvaguardem o Lula e mesmo o ministro da Justiça é substituído motivado por não controlar as investigações contra Lula e o PT. Como sempre, a chicana foi impetrada por um preposto não oficial, o deputado Paulo Teixeira, como se Lula não tivesse nada com o peixe (ensaboado).
No episódio do mensalão, com relação a José Dirceu principalmente, foi surpreendente a facilidade com que o Lula se desvencilhou da companheirada envolvida e condenada. Apesar dos conchavos e chicanas promovidas pelo STF, a cadeia foi um incidente não aventado nas possibilidades da empreita. Evidentemente que o José Dirceu guarda mágoas do antigo companheiro de fé, camarada e que deve ter tido seus pruridos de efetuar uma delação premiada, dando-lhe um abraço de afogado. Ocorre que a delação envolve auto culpa e que, nesta seara, os crimes são tantos e tão hediondos que não poderia arcar com tanto peso, sendo eles de conhecimento público. Lula avalia que Dirceu não falará, pois se aniquilaria junto com ele.

Lula não é bobo, sabe das tretas. Sabe perfeitamente que a sua resistência em prestar um simples depoimento é extremamente desgastante para a sua já debilitada credibilidade, mas sabe que este desgaste é muito menos deletério do que depor e ficar amarrado nas próprias palavras. Deve avaliar que o exército de esqueletos do seu almoxarifado está por um fio e que, a qualquer momento, as mais diversificadas abusões podem assombrar o país, não pelo que a sociedade já intui, mas por ser bem mais extensa e perversa, a lista de crimes que foram cometidos em nome de um projeto banhado em megalomania e enxaguado em sociopatia.
Não existe blindagem infalível e sabemos que o pacto de silêncio sempre é quebrado e quando isso ocorre, as pontas expostas permitem um rastreamento dos acontecimentos. Todo ladrão sabe que a confiança depositada nos comparsas tem limitações e que a principal delas é justamente o fruto e a divisão do butim.
Desta forma, apenas com as informações públicas, estou convicto da impossibilidade de o Lula (e Dilma) não ser condenado. Imagino que ele está mais convicto, pois sabe de todos os delitos que cometeu. Daí a minha convicção de que a única solução, com um fiapo de esperança à sobrevivência política, é apostar num confronto institucional. Estou convicto de que a estratégia do PT é apostar num impasse institucional com o objetivo de criar uma cortina de fumaça sobre os crimes cometidos. Devem raciocinar (já que tudo está perdido na justiça) que havendo uma ruptura institucional (provocada por eles) criam a chance (tênue) de retornarem como vítimas. Em seus delírios, avaliam que um novo marketeiro esperto produzirá a mágica necessária para, mais uma vez, o sapo se transformar em príncipe. Para tanto necessitarão de dinheiro, mas isto é o que não falta neste país de famintos e bestializados. Perverso.

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