segunda-feira, 16 de maio de 2016

Forma e conteúdo

Afora as perversas, as ideologias preconizam fórmulas para as sociedades evoluírem no sentido de lograr melhor qualidade de vida e harmonia entre os homens. Seja o capitalismo, capitaneado pela ideia de que o mercado regula as relações materiais e apazigua as sociais, seja o comunismo no qual o estado seria o condutor e controlador de todo o processo que, por consequência, desaguaria numa igualdade entre os seres.
O traço comum entre as ideologias (políticas, religiosas e filosóficas) é a busca de uma fórmula para a construção de mundo melhor. A contradição mais flagrante se desnuda quando verificamos que a busca por um mundo melhor se transmuta numa luta pelo triunfo e imposição de um método determinado, seja capitalista, fascista, socialista ou comunista. O efeito de convencimento de tais formas de pensamento cria raízes profundas numa fé teleológica, mesmo irracional. É como se a felicidade humana só tivesse algum valor se alcançada através das trilhas de determinado pensamento consolidado e embrulhado sob um especial e cabalístico título pomposo.
Minha convicção é a de que as sociedades, acima das ideologias, necessitam viver com dignidade, criar um mundo menos áspero para os despossuídos materialmente e propiciar meios de redimir intelectualmente os bestializados através de uma inclusão mais fraterna. Nesta equação é indiferente sob qual regime se vive, desde que se avance na conquista desse desiderato.
Entretanto, observando a conjuntura de crise que o país atravessa, o que mais ressalta são as relações de poder, realçadas pela intolerância de uma corrente ideológica agrupada em torno de um partido que, contraditoriamente, não se perfila consoante os seus postulados. Mais uma vez aprofundamos a escolha equivocada optando a forma e descartando o conteúdo. Formalmente o PT se apresenta como um partido de esquerda, mas na prática consumiu treze anos de poder desenvolvendo políticas neoliberais embebidas em erráticas ações de cunho assistencialista que fariam qualquer comunista corar de vergonha. Ao final, e que pese o agudo descontrole da gestão pública, as esquerdas resistiram a uma mudança que se mostrava razoável, urgente e inescapável face ao esgotamento do modelo posto em prática. Restava patente que, com mais dois anos de administração de Dilma Roussef, o país se aprofundaria num atoleiro que, num mar de desesperanças, o conduziria à anomia. Mas um viés fundamentalista aflora e prefere o caos comandado pelo ideário da predileção ao equilíbrio que uma mudança possa proporcionar, ou seja, as únicas melhorias bem-vindas são as proporcionadas pelo meu método de predileção, as melhorias intentadas pelos “inimigos” serão alvo do meu boicote e inviabilização.

Provavelmente, se o vice-presidente a assumir fosse do PT e tivesse o carimbo inconteste (mesmo que formal) de ser de esquerda, as reações seriam outras. Fosse Lula a substituir a Dilma, o impeachment deixaria de ser golpe e, muito provavelmente, seria abençoado por todos estes que hoje vociferam contra as instituições e a Constituição, que foi batizada de cidadã, mas que também se limitou à forma, pois não foi preenchida de conteúdos que a tornasse, na prática, num instrumento de justiça social.

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